Não deixem as crianças crescer – João André Costa

 

Por favor, não deixem as crianças crescer. Deixem-nas sorrir para sempre neste sorriso fácil, nesta corrida fácil às gargalhadas, rir às bandeiras despregadas na alegria de viver. Deixem-nas brincar, que não parem de brincar ao faz-de-conta e no faz-de-conta tudo é possível menos a fome e a tristeza, o sofrimento, a perda, a desilusão e a morte. No faz-de-conta vive-se para sempre, sem despedidas nem saudade e o mundo é uma grande brincadeira sem princípio nem fim, um carrossel onde todas as crianças tomam parte.

Tal como as aventuras, mais de mil, perdidas no horizonte dos dias entre piratas, castelos, naves e mundos espaciais ou pelo menos até que nos chamem que já é hora de jantar antes de mais uma noite de sonho e aconchego e tudo está bem quando acaba bem, mesmo a tempo de mais um dia de conquistas e descobertas, como se as crianças já fossem adultos.

Não precisam. Não sejam. Não queiram. As crianças já são felizes, não deixem de o ser. Não percam a alegria. Não percam a curiosidade, procurem saber e perguntar mas fiquem onde estão e nem se atrevam a crescer um centímetro que seja.

Porque crescer é a certeza de um dia partir e muito em breve todos os adultos hão-de partir e o seu legado será o mundo das crianças, melhor, muito melhor do que o nosso.

É vosso, damo-lo de bom grado. Para que nunca vos aconteçam as portas fechadas e a rejeição, os desamores e a traição, a guerra fratricida e o sangue, os gritos nas ruas, o som das balas, a doença, a solidão, o medo, o desespero e esta lista interminável de pesadelos e no fim foi só um sonho mau, foi só um sonho mau, voltem a dormir que nós ficamos aqui. Ficamos aqui a contemplar a imaginação e os sonhos das crianças a voar agarradas a um grande balão quando é de noite e de noite tudo é possível menos crescer.

Devia ser proibido crescer. Deviam fazer uma lei contra o passar dos anos e da vida, basta escrever em papel de vinte e cinco linhas, pedir ao senhor Presidente para assinar no fim, um carimbo ao lado e já está, esta boa-nova para levar aos quatro cantos do mundo.

E gritar para toda a gente saber: é proibido crescer! É proibido perder a inocência. É proibido deixar de gostar dos outros e vamos ser todos amigos para sempre. Este é o nosso legado, esta é a nossa mensagem para quem visite esta jóia azul à deriva no espaço, frágil, delicada, única, o nosso lar, o nosso chão, ar e sustento. Entregue às crianças por decreto ficará em muito boas mãos. E como nas crianças a tristeza é efémera, de nós pouca memória ficará, ou nenhuma. Não fazemos falta. Já partimos e o mundo finalmente em paz, o nosso e o vosso.

Mas antes de partir ainda tivemos tempo de pedir desculpa. Mas disto vocês já não se lembram. É que começou mais um dia e as aventuras também. Ainda bem. Ainda bem.

 

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2 comentários

    • Luluzinha! on 17 de Janeiro de 2022 at 20:05
    • Responder

    Mais um artigozinho de prosa poética oca e enjoativa! Felizmente, deixei de ler ao segundo parágrafo.

    • Maria José Ramalho on 18 de Janeiro de 2022 at 20:03
    • Responder

    Este passou-se… Deve ser “burnout”. Vá dormir que isso passa.

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