Manuais escolares – Governo aposta tudo em negociações nos bastidores para garantir que livros vão mesmo ser devolvidos

O impasse está instalado e as escolas levam as mãos à cabeça. Depois de, esta terça-feira, o Parlamento ter aprovado, só com os votos contra do PS, uma proposta do CDS para suspender a devolução dos manuais escolares gratuitos, a Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares enviou um email tardio às escolas a definir que, até o Orçamento Suplementar estar aprovado e promulgado, a medida não tem força de lei. Ou seja, não parem as rotativas que até sexta-feira tudo pode mudar. É nisso que o PS está apostado, tendo procurado na terça-feira negociar com o PSD no sentido de convencer o partido de Rui Rio a mudar o sentido de voto. No Parlamento, contudo, o CDS e o Bloco de Esquerda batem o pé e culpam o Governo por não ter, pelo menos, suspendido o processo esta semana para dar “tranquilidade” aos pais.

No meio ficam os diretores das escolas, que têm de ter o processo de recolha e seleção dos manuais para reutilização pronto até ao final do mês e que veem o tempo fugir. Para os diretores, a situação podia ser resolvida facilmente pelo Ministério da Educação se este decidisse assumir que os manuais escolares só têm de ser devolvidos em outubro. Pelo caminho, ficava o processo suspenso. Mas a devolução dos manuais escolares gratuitos é uma bandeira antiga deste Governo e não vai ceder assim tão facilmente.

Numa altura em que se antecipa que o próximo ano letivo vá assentar muito na revisão da matéria (não) dada, sendo que o próprio Ministério da Educação já admitiu que, pelo menos, as primeiras cinco semanas serão para esse efeito, o Parlamento decidiu travar o processo da devolução dos manuais escolares com o argumento de que, assim, os alunos poderiam recorrer aos mesmos manuais para retomar, no próximo ano letivo, a matéria que foi deixada para trás devido às circunstâncias excecionais em que este ano foi lecionado. Atualmente, só a devolução em condições dos manuais do ano que passou garante aos pais a candidatura para acesso aos manuais do ano seguinte de forma gratuita. A exceção é para os alunos do primeiro ciclo (e algumas disciplinas do secundário que têm exame), que a lei já diz que não têm de ser devolvidos em nenhuma circunstância.

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A proposta de alteração do CDS foi aprovada com os votos a favor de todas as bancadas, da esquerda à direita, à exceção do PS, que votou contra.

A votação aconteceu ao final da manhã desta terça-feira e rapidamente chegou às páginas dos jornais. Foi por essa via que os professores e diretores das escolas tiveram conhecimento da informação. O alarido instalou-se nas escolas, uma vez que o processo de devolução dos manuais, segundo ficou definido por despacho do Ministério da Educação, no dia 9 de junho, já tinha arrancado no dia 26 de junho e deveria estar totalmente finalizado no dia 28 de julho. Deveriam suspender? Deveriam cancelar os agendamentos feitos com os pais para irem proceder à devolução nos dias pré-marcados? A resposta, segundo apurou o Observador, chegou já bem ao fim do dia, através de um email da DGEstE dando conta de que, até ordem em contrário, o processo devia continuar.

As associações de diretores ouvidas pelo Observador confirmam que a nota da DGEstE chegou às escolas terça-feira, ao final do dia. “Não era uma circular, era um email assinado pelos delegados regionais de Educação”, diz Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Diretores Escolares (ANDE). “Havia muito desconforto entre os diretores, houve muitas chamadas telefónicas, falámos com o Ministério da Educação por diversas vezes. Depois, ao final do dia, chegaram os emails a dizer para avançarmos com o processo de devolução dos manuais.”

O motivo? A decisão do Parlamento não tem peso de lei e é preciso esperar pelo ”resultado da votação final do orçamento suplementar para 2020”, lê-se no documento enviado às escolas do Norte, a que o Observador teve acesso. Tirando algumas nuances, é em tudo semelhante ao enviado pelas delegações do Algarve e de Lisboa e Vale do Tejo.

“A situação não ata nem desata, a lei não existe, o orçamento suplementar não existe, ainda terá de ser promulgado pelo Presidente da República e só depois é que conta. É isto que nos dizem. Até lá, é para nos guiarmos pelo despacho que existe”, esclarece Manuel Pereira.

Ao Observador, a deputada do Bloco de Esquerda Joana Mortágua acusa o Ministério da Educação de estar a “falhar” com os pais por não estar a “ajudar a criar um clima de tranquilidade”, na medida em que era preciso esclarecer as famílias de que, primeiro, a não devolução não implica o impedimento de receber os novos manuais gratuitamente no ano que vem, e, depois, porque o Governo podia facilitar o trabalho das escolas ao suspender o processo pelo menos até à votação final do Orçamento para evitar que pais e professores andassem para trás e para a frente. “O processo de devolução dos manuais escolares exige muita burocracia, muita logística, e as escolas ficam muito ocupadas com isso, numa altura em que têm tanto por preparar”, diz Joana Mortágua ao Observador, criticando duramente o facto de o ministério ter dado ordens para as escolas não pararem o processo numa missiva que, diz, “foi enviada aos diretores à 00h20”.

O mesmo argumento tem o CDS, autor da iniciativa, que defende que o Governo tinha a obrigação de, por respeito ao Parlamento e às escolas, suspender o processo até “haver clarificação”. “A DGEstE fez saber às escolas que era para manter tudo como estava, o que gerou perturbação até porque há escolas que marcaram dias específicos para as várias turmas fazerem a devolução”, por causa da pandemia, e ficaram sem saber como agir, explica a deputada Ana Rita Bessa ao Observador.

A hipótese é levantada pela própria deputada centrista: “A não ser que haja uma reviravolta até sexta-feira, que faça chumbar a norma na votação final do Orçamento, o ministério fica vinculado à suspensão”, diz. E essa reviravolta pode mesmo acontecer. Segundo apurou o Observador, o Governo está a tentar ganhar tempo por acreditar que pode conseguir convencer algum partido a mudar o sentido de voto. Isso pode acontecer através de uma avocação a plenário dessa norma, sendo que, por se tratar de um Orçamento Suplementar, as avocações são mudas — ou seja, são incluídas discretamente no guião de votações, não havendo tempos definidos para os deputados defenderem a avocação.

A tentativa de mudança começou com o PSD, durante a tarde desta terça-feira. O Observador sabe que houve uma “reunião de emergência” da equipa social-democrata responsável pelo Orçamento que recebeu vários contactos do governo, tanto das Finanças como da Educação, no sentido de “convencer” o partido da oposição a mudar o sentido de voto. “O argumento do custo é importante, claro, mas não é problema nosso. Quem tem de encontrar solução é o Governo”, diz uma fonte social-democrata, lembrando que o custo da medida foi avaliado pelo Governo em três valores diferentes: “Ora dizem que custa 100 milhões, ou 150 ou 160 milhões, para assustar com o número.”

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Em todo o caso, o PSD estava, pelo menos na tarde de terça-feira, irredutível. “Vamos manter o sentido de voto”, disse ao Observador a mesma fonte. Pelo menos se não houver ordem superior em contrário. Ou seja, a negociação pode chegar a Rui Rio e o resultado ser outro. Em todo o caso, o PSD considera que o Governo não deu “garantias nenhumas” de como o problema do próximo ano letivo seria resolvido, tendo dado até informações “contraditórias”. As Finanças dizem que “vão garantir o acesso dos alunos aos manuais”, a Educação diz que “vai disponibilizar nas escolas uma bolsa de manuais” para esses casos. “Tudo em cima do joelho, sem preparação nenhuma”, acusa.

A reunião “de emergência” decorreu na tarde desta terça-feira, tendo o PS até “tentado dar moedas de troca”, no sentido de sugerir aprovar algumas medidas ao PSD em troca de a bancada social-democrata mudar a sua votação nesta medida em específico. Nada feito, para já. A pressão socialista perante os sociais-democratas acalmou esta quarta-feira, o que pode ser sinal de que o acordo foi conseguido noutro lado (noutro partido) ou que as conversações passaram para o nível superior.

Entre as duas associações de diretores a sensação é de desconforto, já que são eles os portadores das notícias a pais e professores. E se um pouco por todas as escolas do país, encarregados de educação e docentes não receberam de braços abertos a notícia de que teriam de regressar às escolas para a devolução de manuais em tempo de pandemia, agora a situação repete-se.

“Os diretores estão todos muito desconfortáveis com esta situação. Depois de terem andado a convencer os pais a irem à escola entregar manuais, agora cai esta situação”, diz Manuel Pereira.

“No meu caso, a escola arrancou com o processo na segunda-feira. Quando soube do que se tinha passado no Parlamento mandei parar tudo, se calhar ingenuamente”, conta Filinto Lima. Depois, o email da DGEstE voltou a baralhar tudo e o processo avançou de novo. Pelo caminho, os pais não pararam de telefonar para as escolas para saber o que fazer, diz o presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP).

Os representantes dos diretores contam ao Observador que na maioria dos agrupamentos o processo de recolha arrancou a 26 de junho, último dia do ano letivo, com calendários rígidos de entrega para garantir a menor concentração possível de pessoas nas escolas. A meta era ter todos os manuais recolhidos até 17 de julho.

Daí em frente, começaria o processo de triagem e introdução do número de manuais reutilizados, por disciplina, na plataforma Mega, que tem de estar concluído até 29 de junho, conforme despacho de 9 de junho, assinado pela secretária de Estado da Educação, Susana Amador. Só depois disso é decidido (de forma aleatória) que alunos recebem manuais escolares novos e quem recebe reutilizados.

“Na minha escola tenho todos os assistentes, operacionais e administrativos, alocados a este processo, mais quatro professores por cada turma. Estamos a falar de 50 pessoas que durante uma semana só estão a receber livros”, diz Manuel Pereira, também diretor no Agrupamento de Escolas General Serpa Pinto de Cinfães. “Temos de olhar para os manuais escolares página a página para ter certeza de que todas estão em condições, que não faltam folhas. Não estamos de pernas cruzadas nas escolas e estamos a reunir estas pessoas todas num tempo em que as condições sanitárias são o que são.”

Do lado da ANDAEP, Filinto Lima, diretor do agrupamento Dr. Costa Matos, em Vila Nova de Gaia lembra que este é, ainda por cima, um final de ano atípico: “Já estão a decorrer as reuniões de avaliação dos alunos, estamos a tratar de matrículas e ainda da devolução de manuais escolares.” A avaliação por si só já trazia problemas acrescidos por dizer respeito a um terceiro período feito à distância para a maioria dos alunos e que suscitou muitas dúvidas aos professores. Acrescentam-se as matrículas, que este ano têm de ser feitas online, inclusive as que antes eram automáticas, e um portal que tem dado problemas técnicos, o que já levou o Ministério da Educação a adiar a data de entrega por um dia.

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Entre as associações, a posição perante a devolução dos manuais em tempo de pandemia não era igual. Filinto Lima sempre desvalorizou o pedido do Governo, considerando que os professores podiam usar outros recursos para recuperar matéria, não tendo de ser “reféns dos manuais escolares”.

Manuel Pereira, por seu lado, alinhou com a Confap, a confederação de associação de pais, que desde o primeiro instante pediu ao ministro da Educação que suspendesse a entrega de manuais escolares no atual ano letivo. Essa exceção existe atualmente apenas para os alunos do 1.º ciclo que não têm de reutilizar manuais e que, como tal, também não precisam de os devolver. No próximo ano letivo receberão os novos livros, de forma gratuita, segundo proposta do PCP aprovada no Orçamento do Estado.

“Em tempo oportuno chamei a atenção para o problema: íamos precisar dos manuais para recuperar os alunos, íamos ter pais a irem à escola nesta altura e em algumas zonas do interior do país até os transportes públicos desapareceram tornando a deslocação mais complicada”, defende Manuel Pereira. Agora, que a recolha já começou, diz, é que o Parlamento dá ouvidos aos diretores.

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“É a burocracia no seu melhor. E acontece quando o processo já está numa fase avançada. Era fácil, era simples, adiar a devolução para outubro, era preciso que houvesse coragem política para assumi-lo. Estamos perante uma situação excecional que merecia outra resposta”, acrescenta o presidente da ANDE.  “Agora corremos o risco de que a lei seja aprovada num tempo em que os manuais já estão todos recolhidos e para cumprir a lei podemos ter de devolvê-los em setembro e voltar a recolhê-los em outubro.”

“Os políticos não percebem nada e depois tomam estas decisões. Sabem lá o trabalho que andamos a ter. Isto é jogo político ao mais baixo nível e é feito à nossa custa”, diz Filinto Lima, presidente da ANDAEP, que acusou o Parlamento de andar a “brincar às escolinhas”.

“Os meus colegas da associação, outros diretores, quando souberam disseram logo que isto era uma palhaçada, fossem ou não a favor da devolução”, acrescenta. Na sua opinião, os partidos políticos quiseram sair bem na fotografia, ouvir o pedido das associações de pais, sem ter noção do que a sua decisão implica. “Soou a falta de respeito pelos diretores”, conclui Filinto Lima.

Manuais escolares. Governo aposta tudo em negociações nos bastidores para garantir que livros vão mesmo ser devolvidos – Observador

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2 comentários

    • Brigas on 3 de Julho de 2020 at 12:48
    • Responder

    Os vários partidos tem toda a razão em Aprovar esta lei.
    O PS está a fazer birra e a guardar €€ para o NB e TAP e está a caagar-ssee para o trabalho das escolAs e pais.
    O Filinto é um parvalhão que apesar de achar isto tudo uma palhaçada queria que se devolvesse os manuais. Além do mais não representa nenhum Diretor. Representa só o seu ser medíocre.

    São

    • Amaral on 3 de Julho de 2020 at 14:34
    • Responder

    Foi aprovado o orçamento suplementar.
    Ę agora? Continua esta brincadeira da não suspensão?

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