Temos, hoje, o programa eleitoral do Bloco de Esquerda…
EDUCAÇÃO PARA COMBATER O DÉFICE DO ATRASO
Nuno Crato não implodiu o ministério da Educação, como dizia ser sua vontade, mas perseguiu qualquer vestígio de inclusão, igualdade ou qualidade nas escolas do país. Nenhum ministro desenvolveu uma política tão facilitista como a aplicada por Nuno Crato.
Assistimos a quatro anos de verdadeira regressão educativa e social, a caminho de uma escola “do antigamente”. A proliferação de exames, o ensino dual para quem reprova, uma arcaica contrarevolução curricular (não testada e sem formação de professores) deixam uma escola mais pequena e desistente. E sempre o mesmo fio condutor: a seleção social.
No universo de Crato e da direita, o aumento da retenção de alunos é um sinal de exigência. Não é. É de desistência. Cada criança que fica para trás é uma criança deixada à sua sorte e que conta com a desistência da escola. Portugal é o terceiro país europeu onde as crianças mais “chumbam”: até aos 15 anos, um terço dos alunos já perdeu um ano. A média da OCDE é de apenas 15%. Pior: em cada dez alunos, um fica retido logo no segundo ano. Tanto a OCDE como o Conselho Nacional de Educação alertam para a ineficácia da retenção de alunos e para o seu absurdo custo financeiro. Salvaguardando-se excepções individuais, mais relacionadas com a turbulência emocional conjuntural do que com reais dificuldades de aprendizagem, a retenção é um erro e um sintoma da incapacidade da escola para que os estudantes nela se possam realizar sem perda de exigência.
Não há nada menos exigente do que chumbar toda a gente. A começar pelos mais pequenos. Os exames do quarto ano são o ponto alto do experimentalismo social que tomou conta das escolas. Em toda a Europa, só na Áustria existem provas deste género para avaliar crianças de 9 ou 10 anos.
O défice de qualificações continua a ser uma das causas do atraso português. Entre os 25 e os 34 anos, 58% dos adultos portugueses tinham pelo menos o 12º ano, a média da OCDE é de 82%. Há um outro atraso mais profundo: do ensino básico ao superior, Portugal é dos países europeus que mais reproduz no acesso e no sucesso escolar as desigualdades sociais e culturais de partida.
Pela primeira vez em muitas décadas, Portugal está a gastar com a educação menos do que a média dos países europeus. A diminuição abrupta do número de professores, muito superior à diminuição de alunos, ou a redução das ofertas educativas pelas escolas são alguns dos sinais desse desinvestimento.
Importa reverter o experimentalismo social levado a cabo por Nuno Crato. Acabar com os exames do quarto e sexto anos; colocar ponto final na “cultura do chumbo”; terminar a seleção social através do ensino dual. Em contraponto, é preciso refundar a escola pública, rediscutir a sua vocação e função social. É essa a proposta do Bloco, defendendo uma escola de qualidade para a inclusão e como centro educativo aberto à comunidade.
CAMINHOS
1) UNIVERSALIDADE, OBRIGATORIEDADE E GRATUITIDADE
- Extensão da educação pré-escolar para dois anos. A universalidade e gratuitidade da educação para a infância deve ainda ser alargada às crianças com três anos, para todas as famílias que façam essa escolha.
- Gratuitidade da escolaridade obrigatória, nas condições básicas de matrícula, alimentação, manuais e material escolar, como requisito da extensão para doze anos de escolaridade.
- Criação de bolsas de empréstimos de manuais, através de um programa faseado de aquisição e fornecimento gratuito de manuais escolares a todos os alunos da escolaridade obrigatória. Apoio às escolas que assumam no seu projeto educativo a não adopção de manual e que apostem na diversificação de materiais e na elaboração de materiais próprios.
2) UMA ESCOLA DE QUALIDADE E INCLUSIVA
- A escola como centro educativo de vocação social abrangente. O Bloco de Esquerda defende a organização da escola em torno de quatro vocações centrais: educar os jovens e as crianças; apoiar as famílias nas suas necessidades; valorizar a articulação com as dinâmicas comunitárias e de formação ao longo da vida; apoiar o processo de educação e formação de adultos.
- Os horários e a oferta de apoios e atividades deverão dar respostas ajustadas, nomeadamente aos horários de trabalho dos encarregados de educação pais e das mães. Isso implica reorganizar a escola no sentido de proporcionar uma escolarização de qualidade e criar no mesmo espaço escolar atividades de valorização de competências das crianças e dos jovens, bem como atividades lúdicas. A escola deve incluir novas valências e condições básicas de qualidade – nem uma escola sem cantina.
- Limitação do número de alunos/as por turma. As turmas sobrelotadas, que eram um problema circunscrito à periferia das grandes cidades, tornaram-se a regra. Uma turma mais pequena terá mais facilidade na gestão de crises e problemas. O Bloco de Esquerda defende turmas com um teto máximo de 20 alunos para o primeiro ciclo e pré-escolar e 22 para os demais.
- Reforço de professores, técnicos especializados e funcionários, com contratos estáveis; por uma avaliação credível, que se inicia pelas escolas em contexto, alia vertentes internas e externas, e assume a dimensão coletiva do trabalho docente; por um horário de trabalho que reconheça o aumento do tempo de qualidade para todo o trabalho docente vergonhosamente silenciado, e para dar resposta às exigências de mudança na escola pública.
- Equipas multidisciplinares de combate ao abandono e insucesso escolar, compostas por professores, psicólogos, técnicos de serviço social e mediadores culturais – capazes de promover o acompanhamento personalizado dos alunos sinalizados como estando em risco de abandono e/ou insucesso escolar. Estas equipas respondem ao contexto social de cada escola e trabalham com diferentes instituições da comunidade. Esta é a resposta de urgência que os níveis de abandono e insucesso escolar exigem da escola pública democrática.
- Promoção da formação de adultos. Estratégia integrada de educação e formação para a qualificação profissional e escolar de adultos.
- Nova política para as pessoas com necessidades educativas especiais. Revisão do decreto-lei nº3/2008, no sentido de fazer prevalecer o critério pedagógico na avaliação das dificuldades de aprendizagem, e da portaria n.o 274-a/2012 que segrega os alunos com necessidades educativas especiais no âmbito do ensino secundário. Promoção de uma política que garanta o acesso e direito à educação a todas as crianças e jovens com necessidades educativas especiais, em igualdade de oportunidades. O Bloco defende o incentivo à autonomia e integração das crianças e adolescentes com necessidades educativas especiais através de: turmas adequadas do ensino regular, unidades de referência nas escolas, que possam colmatar as diferentes áreas das necessidades educativas especiais, com os respetivos técnicos especializados para cada Unidade específica, para além do docente e do psicólogo; acessibilidades/equipamentos adaptados; estabilidade dos docentes de educação especial com especialização adequada na área de disfunção específica, garantindo o acompanhamento continuado; aprendizagens diferenciadas e adequadas caso a caso, eficazes na construção da autonomia e integração.
3) REFORMA CURRICULAR
O Bloco propõe uma reorganização curricular que ´reduza a carga horária imposta aos alunos e a excessiva compartimentação dos saberes em disciplinas; ultrapassar a debilidade do ensino das artes; educação sexual efetiva nas escolas; promoção de projetos científicos; pôr cobro à dicotomia ardilosa entre “saberes académicos” e “saberes práticos”.
- Ensino da língua. Formação específica de professores; oferta de ensino multilingue para o fim da discriminação das crianças e jovens filhos de imigrantes; combate à discriminação das crianças oriundas ou filhas de pais/mães de língua oficial portuguesa, que continuam a ser duramente penalizadas pelas variantes de língua. É prioridade da escola pública assegurar o ensino multilingue, que deve incluir LGP (Língua gestual portuguesa) e Braille.
- Desporto e Arte. Programa articulado de promoção da expressão físico-motora no primeiro ciclo do Ensino Básico, e um programa de Desporto Escolar nos ciclos seguintes de ensino, de modo a criar igualdade de oportunidades de participação para todos. Universalização do ensino da música no primeiro ciclo do Ensino Básico. Programas de fruição artística e cultural, dentro e fora da escola, em todos os ciclos de ensino.
- Revogação dos programas de português e de matemática implementados por Nuno Crato e regresso aos programas anteriores.
4) GESTÃO PARTICIPADA, CONTRA O MODELO PERVERSO DA MUNICIPALIZAÇÃO
A transferência de competências para os municípios apenas deu os primeiros passos de uma estratégia que inclui a responsabilidade total ou parcial em matéria de gestão e contratação de pessoal. Já permite o controlo da escolha dos diretores de escola e encaminha-se para determinar as contratações nas escolas e nos agrupamentos. Este processo de municipalização carrega o risco de feudalização das instituições, política economicista na gestão das escolas.. O Bloco de Esquerda combaterá a territorialização político-partidária das escolas e as decorrentes tentações autoritárias, economicistas e privatistas e de subsequentes riscos de clientelismo nos processos coordenação de escolas e de recrutamento de pessoal docente e não docente
Para o Bloco, as comunidades escolares devem regressar à gestão democrática, rejeitando a institucionalização da figura do diretor omnipotente. Por outro lado, é necessária uma maior responsabilização dos Conselhos Municipais de Educação, numa perspetiva de proximidade e exigência ao governo central e ao governo local. O Bloco de Esquerda combaterá a territorialização político-partidária das escolas e as decorrentes tentações autoritárias e privatistas. O reforço da autonomia e responsabilidade das instituições é a alternativa.
3.3. ENSINO SUPERIOR E CIÊNCIA
A democracia no acesso ao conhecimento continua a ser um desafio central por resolver. A expansão do ensino superior e a diversificação das áreas científicas foram objetivos políticos importantes nas últimas três décadas. Mas na questão do financiamento das instituições, da democracia no acesso ao ensino superior e da sua gestão, na distribuição geográfica, na consolidação de massa crítica e na renovação de um corpo de docentes e investigadores com direitos e com estabilidade, há lacunas e há retrocessos muito preocupantes. Corrigi-los é essencial para o país.
O financiamento da educação está hoje, em termos de valores absolutos, ao nível de 2004. O investimento na educação continua em Portugal abaixo da média europeia e da OCDE. No ensino superior, o investimento médio por aluno é de menos 30%. As instituições têm sido subfinanciadas e estão na maioria dos casos privadas de financiamento plurianual. As propinas, que foram sempre apresentadas como não se destinando a financiar despesas correntes, ganham peso no orçamento das instituições de Ensino Superior: rondam os 40%, em média, e nalguma instituições ultrapassam os 50% do seu orçamento. A lógica de que as instituições devem “ir ao mercado” para se financiar, disputando entre si financiamento competitivo, tem contribuindo para uma dualização crescente das instituições e para uma desresponsabilização pública pelo seu funcionamento.
O modelo de governo instituído pelo Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES) eliminou os espaços de exercício da democracia e da participação. Limitando a participação dos estudantes e não docentes, e inclusive dos docentes, o RJIES introduziu uma lógica mercantil no funcionamento do sistema, patente na entrada para os Conselhos Gerais dos representantes dos principais grupos económicos (enquanto representantes da “comunidade”). Além disso, o RJIES estabeleceu uma hierarquia inaceitável entre universidades do mesmo sistema, introduzindo incentivos financeiros em função das escolhas de modelo de gestão e condicionando, por essa via, a autonomia das instituições. O Bloco de Esquerda rejeita o modelo fundacional e defende a autonomia e democracia nas universidades.
Os estudantes portugueses contam-se entre os que mais pagam para estudar. Já em 2011, as famílias usavam 22% do seu rendimento para pagar os custos diretos de educação universitária. A maior parte do custo de um estudante do Ensino Superior é assim financiado pela família diretamente, ao contrário do que acontece por exemplo na Alemanha, em França, na Suécia ou na Letónia.
A instabilidade do corpo docente e dos investigadores tem sido crescente em Portugal. Estranguladas financeiramente, com regras que limitam a abertura de novas vagas nos quadros, muitas instituições recorrem ao trabalho não pago, ao trabalho precário e aos contratos a tempo parcial para preencherem necessidades permanentes (42% dos docentes do ensino superior são precários). No campo da ciência, o regime das bolsas de investigação perpetuou um modelo de desenvolvimento científico assente na precariedade dos seus agentes, que não beneficiam de segurança nem de proteção social nem de oportunidades de carreira. O próprio valor das bolsas está congelado há mais de uma década.
A política científica foi das que mais sofreu com o governo da direita. O corte abrupto nas bolsas de investigação (as bolsas de doutoramento foram reduzidas a metade) e o processo de avaliação dos centros de investigação – atabalhoado, opaco e profundamente contestado – traduziram-se numa rutura de linhas de investigação e no encerramento de instituições científicas insubstituíveis. A retórica da “excelência” foi pretexto para o recuo a visões unidimensionais da pratica científica, para o corte no financiamento e para o desaparecimento competitivo de vastas áreas do conhecimento.
CAMINHOS
- Financiamento adequado e plurianual das instituições de ensino superior, contratualizado para cobrir despesas de funcionamento e programas de investimento. O Bloco opõe-se à existência de propinas como método de financiamento do Ensino Superior.
- Revisão do modelo de gestão das universidade e politécnicos, recuperando a paridade entre estudantes e professores na composição dos órgãos, repondo a participação do pessoal não docente, pela sua integração obrigatória nos Conselhos Gerais, consagrando a existência de um Senado em cada instituição, garantindo que a eleição do reitor passe a ser feita por um colégio eleitoral alargado e representativo e instituindo a paridade de género nas listas para os órgãos de gestão.
- Revisão do regulamento de bolsas, de modo a alargar o universo de beneficiários da ação social escolar direta, reformulando-se a fórmula de cálculo e definindo um calendário certo e regular para a transferência das bolsas . Além disso, o Bloco propõe a isenção imediata de propinas para os estudantes bolseiros, para os desempregados e para os estudantes cujo rendimento seja inferior ao salário mínimo nacional, e o alargamento da rede de residências universitárias e o reconhecimento dos direitos dos estudantes-trabalhadores.
- A estabilização e renovação do corpo docente do Ensino Superior, aplicando-se a Diretiva 1999/70/CE, relativa à efetivação dos contratos de trabalho a termo, abrindo novos concursos que permitam renovar o corpo docente das instituições e evitar a emigração de muitos dos quadros mais qualificados, que não encontram oportunidade de carreira em Portugal.
- O investimento em ciência e investigação deve atingir 3% do PIB, tal como definido em compromissos europeus. O financiamento da ciência deve não apenas ser retomado, sob um processo de avaliação de unidades que seja transparente e claro nos critérios e nas regras, com painéis de avaliação sólidos, participação e autorregulação dos cientistas, considerando investigação fundamental e compromisso social.
- Novo estatuto do investigador científico, com contrato de trabalho e proteção social, em lugar de um sistema assente em bolsas de investigação para situações que extravasam a condição e os momentos de formação, e que atualize os atuais valores das bolsas, congelados há quase década e meia. O recrutamento de novos cientistas para o sistema de ensino superior e investigação, pela abertura de vagas na carreira de investigação e por contratos de Investigação para projetos de médio e longo termo, é condição imprescindível de um compromisso sério com a ciência.
1 comentário
Patético… “acabar com a cultura do chumbo”. Será que as pessoas sabem o que escrevem? Chumbo era antigamente, agora passam quase todos os alunos. E pior… eles passam a saber tão pouco!
E depois vemos a cultura do português, gosta de festas, música popular, de aparecer ao domingo na sic ou na tvi… Mudem-se os tempos, mudem-se os blocos. Eles podiam ser o “bloco sem linhas”… parece-me bem melhor!