Ainda o Número de Professores

Há professores a mais?

 

Por Alexandre Homem Cristo

 

1. Naturalmente, as corporações, os sindicatos e os partidos da extrema-esquerda acreditam que não – o que há é professores a menos. É uma posição preconceituosa e, para além de fazer agitar bandeiras, de nada serve. Mas, não sejamos ingénuos, também há, na posição oposta, muito de preconceito. E se à esquerda estamos habituados a um certo alheamento face aos factos, à direita esse mesmo alheamento não pode ser consentido.

A recente intervenção de Marques Mendes sobre o assunto é disso exemplar. Recorrendo a um conjunto de dados estatísticos, Marques Mendes verificou que o número de professores duplicou entre 1980-2010 e que, no mesmo período, o número de alunos matriculados no 1.o ciclo do ensino básico caiu para metade. Verificando esse contraciclo, concluiu que há professores a mais no sistema. O seu raciocínio está errado.

Não se pode comparar o sistema educativo português em 1980 com o de 2010. É que, entretanto, houve dois alargamentos da escolaridade obrigatória. Não é coisa pouca. Em 1986, a escolaridade mínima obrigatória passou para o 9.o ano e, mais recentemente, passou para o 12.o ano (18 anos). As implicações são tremendas. Desde logo, os alunos passam mais anos a estudar, e em ciclos de estudos diferentes, pelo que é normal que sejam necessários mais professores nos ciclos que, antes do alargamento da escolaridade, a maioria dos alunos não frequentava. Depois, a partir do 2.o ciclo do ensino básico, os alunos passam a ter vários professores (um por disciplina), o que faz naturalmente aumentar o número de professores.

Ainda não é legítimo comparar o número de alunos do 1.o ciclo com o número total de professores no sistema educativo. Não se pode comparar uma parte com o todo. Entre 1980-2010, no 1.o ciclo, é certo que diminuiu o número de alunos mas, se olharmos para o número de professores nesse ciclo, notamos que também diminuiu em 19%. Convenhamos que é muito diferente de um aumento de 50%. O exercício não é inédito. Mas, feito por um dos principais líderes de opinião, o facto assume particular gravidade, pela legitimidade que atribui a esta argumentação errónea. E, claro, pelo potencial de influência que o ex-líder do PSD tem nos corredores do poder.

2. Foquemo-nos no que realmente importa: há professores a mais no sistema educativo? É verdade que o sistema educativo viveu muitos anos num desfasamento, não fazendo corresponder a queda do número de alunos com a evolução do número de professores. Mas é também claro que esse desfasamento tem vindo a ser corrigido.

Primeiro, há cada vez menos professores nos quadros. No ano lectivo 2007/2008, no ensino básico e secundário, havia 110 mil, enquanto no ano lectivo 2010/2011 já só havia 96 mil (fonte: DGEEC). Em apenas 3 anos, diminuiu em 14 mil (13%), sobretudo devido a aposentações. De resto, entre funcionários e professores do quadro, a corrida às aposentações tem sido uma realidade desde 2006: aposentaram-se quase 28 mil no Ministério da Educação, entre 2006-2013 (fonte: “Diário da República”), e só para este ano estão ainda 6 mil em lista de espera para a reforma.

Segundo, há cada vez menos professores contratados. É sabido, pois foi amplamente mediatizado, que o início do ano lectivo ficou marcado por uma acentuada diminuição do número de professores contratados. Não há ainda dados oficiais. Mas na Síntese Estatística do Emprego Público (SIEP, 13 Fevereiro 2013) é possível observar, entre Dezembro de 2011 e Dezembro de 2012, uma queda abrupta de funcionários no Ministério da Educação. Ou seja, num ano apenas, saíram 15 475 funcionários (a esmagadora maioria são professores contratados). A expectativa é de que a tendência se mantenha. Assim, somando os referidos dados, é inevitável constatar que o ajustamento está a ser feito. Mantendo o rumo, o desequilíbrio do sistema educativo ficará resolvido. Havia professores a mais. Está a deixar de haver. Abandone-se, portanto, essa retórica.

3. Daqui surgem duas conclusões. A primeira, óbvia, é que continuar a diminuir o número de professores, como se nada tivesse acontecido desde 2011, é um erro que pode pôr em causa o funcionamento do sistema educativo. A segunda é que, com o ajustamento em curso, a pergunta que importa passa a ser outra: como agilizar os sistemas de contratação e de colocação de professores, para evitar os horários zero (e consequente mobilidade especial)? O desafio está em flexibilizar o sistema, para que um professor que faz falta numa escola não fique preso a uma outra onde não faz falta. Há muitos caminhos para o fazer – preparar o futuro passa por discuti-los.

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6 comentários

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    • Jaime Macedo on 13 de Maio de 2013 at 19:40
    • Responder

    O primeiro parágrafo, face à objetividade do assunto tratado, não acrescenta nada, é desnecessário e um pouco preconceituoso. Os professores não são uma corporação. Os sindicatos não afinam todos pelo mesmo diapasão e os partidos de esquerda, por serem de esquerda, não são necessariamente irresponsáveis em matéria de contratação de funcionários públicos. Quanto ao resto considero a análise correta.
    Cumprimentos

    • Maria on 13 de Maio de 2013 at 19:57
    • Responder

    Jaime, são uma corporação sim, que normalmente funciona contra si própria no que tem de melhor (profissionalismo, zelo, responsabilidade) e defende e camufla a incompetência porque é feio distinguir os colegas pela avaliação, o que se passa lá na sala dele é com ele, e por aí fora.
    Ora, esta análise não põe em causa o sistema porque os professores fazem sempre tudo, mas certamente põe a qualidade do sistema em causa. E isso nós só vamos ver daqui a alguns anos.

      • Jaime Macedo on 13 de Maio de 2013 at 21:12
      • Responder

      Boa noite Maria, conforme disse, salvo melhor e mais fundada opinião, não são uma corporação. Não são no sentido da própria etimologia, pois não é um corpo unido, não é, ainda, do ponto de vista do direito, já que os professores não são pessoa jurídica e também não será, conforme penso ter sido a ideia do Alexandre Cristo, um lóbi, no sentido em que estão unidos para defenderem os seus interesses. Antes pelo contrário. Somos uma classe particularmente desunida. Mas concordo com o resto do que diz.
      Cumprimentos.

        • Maria on 13 de Maio de 2013 at 21:44
        • Responder

        Boa noite Jaime, não me referia a corporação dotada de personalidade jurídica e não temos união nem poder reivindicativo suficiente para sermos considerados um lobbie. Contudo, somos um corpo sim, que normalmente dá tiros no pé. 🙂
        Cumprimentos.

      • Francisca on 13 de Maio de 2013 at 22:00
      • Responder

      Que excelente análise, Alexandre Homem Cristo! concordo com tudo o que diz. Uma análise realista e completamente imparcial. Parabéns!

    • Professor de Esquerda, com muito orgulho! on 13 de Maio de 2013 at 22:55
    • Responder

    Uma análise “realista e co,pletamente imparcial”? De um ressentido como esse Homem Cristo, que destila veneno contra tudo o que é de progressista e de esquerda? valham-nos, até os fascistas agora querem ser amiguinhos dos professores! Vai mas é ter com os teus amigos fachos que estão a destruir o país, ó Homem Cristo! Os professores dignos deste país dispensam amigos bandidescos do teu calibre porque sabem que gente reles como tu dão uma no cravo e outra na ferradura, ora dão a entender que defendem os professores e a educação, ora defendem os que atacam os professores e a educação… e já agora, ó “imparcial”: “extrema-esquerda” é a tua tia!

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