Apesar da balbúrdia com o processo de introdução de dados dos docentes pelas escolas na plataforma do IGeFE, que tem feito correr mais tinta do que chuva derramada num temporal de outono devorando as férias dos professores, permito-me saltar este capítulo lastimável para analisar outro tema que, a partir de hoje, irá passar a estar na ordem do dia.
A análise pericial do Decreto-Lei n.º 48-B/2024, de 25 de julho, e da alteração ao DL n.º 74/2023, de 25 de agosto, confirma a regulamentação da devolução faseada dos 2393 dias relativos aos 2 períodos em que a carreira docente esteve congelada.
Porém, ao dar início à Recuperação do Tempo de Serviço (RTS) com a 1ª devolução de 599 dias, a partir de 1 de setembro irá criar-se uma situação nova e incontornável: logo no dia inaugural do mês, milhares de professores terão reunidas as condições exigidas para progressão na carreira [tempo de serviço e formação creditada (e observação de aulas, quando exigida)].
Contudo, a todos esses professores, são-lhes apresentadas duas opções:
-solicitarem a recuperação da sua última Avaliação de Desempenho Docente (ADD), ficando com a menção de «Bom», subindo de escalão no 1.º dia do mês subsequente a essa data;
-ou, para almejarem uma avaliação superior, sujeitarem-se a permanecer no escalão em que se encontram até serem avaliados no final do ano letivo 2024/2025 (só recebendo posteriormente o vencimento com retroativos contados a partir de 1 de setembro);
Nos braços destas duas escolhas, deduzo que muitos serão os professores a se sentirem aliciados a solicitar a recuperação da sua última ADD para progredirem já na carreira.
Mas tudo isto levanta questões de ordem financeira relativas à iniquidade de tratamento. Senão, ora vejamos.
Dois professores que a 1 de setembro reúnam todos os requisitos para transitarem de escalão, poderão ficar em situações completamente diferentes, dependendo da opção que tomarem.
Um docente que prefira a recuperação da anterior ADD, progride e recebe «logo» o vencimento no novo escalão onde será reposicionado.
Por seu lado, o seu colega que opte por ser avaliado para poder aspirar a aceder a uma avaliação superior a «Bom», sujeita-se a ter de aguardar todo o ano letivo para, só depois desse momento avaliativo, poder progredir. Em sede de IRS, o acumular no vencimento de um só mês de retroativos contados a partir de 1 de setembro iria fazer disparar o escalão de retenção na fonte, levando a uma perda monetária substancial relativamente ao seu colega. Isto criaria uma desigualdade inaceitável, a somar à sujeição deste docente apenas ter disponível o dinheiro do aumento um ano depois do seu colega.
Isto vem esbarrar na tão proclamada valorização da meritocracia, sobre a qual não me irei alongar muito (até porque o sistema de quotas é redutor e perverso e as avaliações nas escolas têm sido tudo menos justas). Mas permitir que se crie a injustiça de atrasar a recuperação do tempo de serviço aos profissionais que mais se empenharam e, legitimamente, se candidatam a uma melhor avaliação, em nada premeia o esforço e dedicação.
Sendo impopular praticar-se a arte do elogio e do reconhecimento e as pessoas só serem valorizadas depois de mortas, ou quando já não estão presentes, inibe qualquer um de se destacar pela positiva com o receio de ser alvo da crítica e da inveja. Suponho, pois, que à guisa da mentalidade de uma sociedade que promove a cultura do «cinzentismo», segregando todo aquele que realize um trabalho extra ordinário, como se ficasse contaminado pelo pecado da vaidade, faz-me temer pelos momentos que se avizinham, em que o discernimento coletivo poderá ficar mais turvo do que as águas de um fontanário abandonado.
Creio que esta ânsia de reaver o tempo de serviço perdido e o receio de uma recuperação mais tardia penalizar nos impostos, propiciará o desinteresse de os docentes se candidatarem a uma avaliação de «Muito Bom» ou «Excelente», conforme prevê o ECD.
Tendo, igualmente, a avaliação o propósito de contribuir para uma aceleração na progressão na carreira, não deveria ser aproveitada e valorizada?
De repente, no meio de toda esta celeridade, o trabalho desenvolvido nas escolas e a ADD deixaram de ter importância?
Ao castigar os que almejam melhor avaliação, atirando para muito mais tarde a RTS, não estará o Ministério a desincentivar a atribuição das melhores avaliações?
Se na devolução de parte do tempo de serviço efetuada por outro governo, foi possível avaliarem-se os professores até final do 1.º período, qual o motivo de agora não se poder fazer o mesmo?
Naufragados numa história transbordada de desconfiança, desilusão e perda, muitos serão os professores que estarão dispostos a sujeitar-se a abdicar, uma vez mais, de um benefício a que têm direito para se agarrarem o mais rápido que puderem a esta boia de salvação.
De acordo com exposto, resta a questão fundamental:
Qual é a necessidade de professores, que em resultado da RTS a partir de 1 de setembro reúnam todas as condições para subirem de escalão, terem de aguardar 1 ano para que se proceda à ADD e poderem subir de escalão?
Ou, por outras palavras:
Cumprindo todos os requisitos decretados por lei, podendo ser já avaliados e beneficiarem de imediato da recuperação do tempo de serviço, qual o motivo destes professores ficarem doze meses congelados à espera?
Quando, até há pouco tempo, tudo o que importava era que se procedesse à devolução do tempo de serviço roubado o mais rapidamente possível, sem motivo que o justifique, reduz-se a RTS a mais um novo, desnecessário e prolongado processo de espera para grande parte dos professores.
Para que este processo não some mais desigualdades a tantas outras, restará esperar que as organizações sindicais cumpram a sua obrigação expondo esta situação ao MECI. A esta, terão de juntar a de todos os docentes que, ao reunirem ao longo do ano letivo as condições exigidas para progredirem na carreira, se vejam sujeitos a igual penalização no vencimento no mês em que receberem os retroativos, devido à consequente subida de escalão de imposto a tributar.
Com as forças de segurança, o governo teve o cuidado de distribuir os proventos atribuídos por mais do que um mês de ordenado, para que não fossem prejudicadas pelos caminhos caprichosos dos impostos. E para com a classe docente irá diligenciar com igual zelo?
Carlos Santos
3 comentários
O ME, no seu melhor, apresenta sempre rasteiras destas!…Nada de novo!
Siga a dança e venha mais carne para canhão…
E as outras desigualdades, os que estão no 10 escalão e não terão nada devolvido, nem tempo, mas mais grave ainda, a reforma que terão será sobre os valores congelados ou quase todos…
Bom dia. Fiquei baralhada.
Subiria ao 5º escalão em julho de 2025.
Já tenho o requisito da formação, das aulas assistidas (recebo a menção na próxima 3ªF) e a partir de hoje com a RTS tenho também o tempo de serviço para subir ao 5º escalão.
O Rui está a dizer que no meu caso só subo no próximo ano?
Obrigado.