Com a apresentação do livro “Identidade e Família” vieram à luz do dia algumas convicções que se apresentam como defensoras da valorização do papel da mulher enquanto dona de casa, ao mesmo tempo que enaltecem a maternidade e a dedicação à família, como se o exercício da parentalidade, a educação dos filhos, o conforto da família ou a gestão da casa, fossem funções e responsabilidades exclusivas da mulher, imputáveis apenas a si…
Por outras palavras, a mulher quer-se em casa e dedicada à família…
Presume-se que o homem ficaria, assim, dispensado das preocupações relativas à gestão da casa e à educação dos filhos, obviamente liberto para se poder dedicar a tudo o resto que se lhe aprouvesse…
Sarcasticamente, e em resumo, por essa visão castradora do estatuto da mulher, os homens fazem filhos e as mulheres parem e criam esses filhos, de preferência, mostrando-se sempre muito felizes e gratas por também terem ao seu cuidado um conjunto de tarefas domésticas que, por certo, as ajudarão muito a distrair-se enquanto tratam da sua prole…
Na verdade, o anterior representa a tentativa de resgatar um pensamento iminentemente machista, eivado da representação da mulher como uma boa dona de casa, submissa e insignificante em termos intelectuais, mascarado da preocupação com o estatuto das mulheres que, coitadinhas, precisam de ser valorizadas enquanto donas de casa…
Na verdade, o anterior parece basear-se no ideal feminino do Estado Novo, em que a única coisa permitida às mulheres era que dissessem sempre “sim”:
– “No país do Estado Novo, a mulher existia para ser a mãe extremosa, a esposa dedicada, uma verdadeira fada do lar. Desde pequenina que era treinada para ser assim, submissa ao poder patriarcal do pai, do irmão e, mais tarde, do marido. O único futuro que podia ambicionar era o de fazer um bom casamento que garantisse o sustento da família, que, custasse o que custasse, tinha de se manter unida, estável e forte; uma metáfora do próprio regime.” (O ideal feminino do Estado Novo, a RTP Ensina)…
Na verdade, a publicação do referido livro comprova que a representação da mulher como boa dona de casa e cuidadora dos filhos, ainda subsiste em algumas mentes retrógradas e conservadoras e que essa visão é independente do estatuto socioeconómico ou das habilitações literárias dos respectivos defensores…
Na verdade, a defesa acérrima da “família tradicional”, também veiculada no livro já mencionado, não poderá deixar de ter como principal efeito o retrocesso ao nível do reconhecimento e da concretização dos Direitos da Mulher, conquistados há 50 anos, promovendo-se, dessa forma, a obstaculização de uma tarefa fundamental do Estado, de resto consignada na Constituição da República Portuguesa:
– Promover a igualdade entre homens e mulheres (Artigo 9.º, Alínea h)…
Obviamente, espera-se que essa igualdade se traduza por isto:
– “…igualdade de direitos e liberdades para a igualdade de oportunidades de participação, reconhecimento e valorização de mulheres e de homens, em todos os domínios da sociedade, político, económico, laboral, pessoal e familiar” (Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género).
Segundo os dados mais recentes disponibilizados pela Plataforma Pordata, relativos ao ano de 2022, referentes ao Ensino Pré-Escolar, Básico e Secundário, cerca de 78,2% dos elementos que integram o universo docente serão mulheres…
O que pensarão as muitas mulheres que trabalham em Educação, acerca de uma visão da mulher que pretende enfatizar o seu papel enquanto dona de casa?
O que pensarão as muitas mulheres que trabalham em Educação, acerca de uma visão da mulher que utiliza a maternidade para desresponsabilizar e desonerar os homens das obrigações relacionadas com os filhos?
E os homens, o que pensarão os homens acerca dessa visão da mulher e de si próprios?
E porque o conteúdo do livro “Identidade e Família” parece mau de mais para ser levado excessivamente a sério, deixam-se algumas abordagens em tom trocista e satírico, face a um certo machismo emergente:
– “Machão não come mel, come abelha” (Millôr Fernandes)…
(Reparo meu: Convirá, talvez, não confundir abelhas com vespas asiáticas, o resultado desse eventual engano poderá ser realmente muito catastrófico)…
Retirado de “Os dez mandamentos do machista horroroso ou o crepúsculo dos machões”, da autoria de Jô Soares:
– “A mulher também é um ser humano, quase como a gente.”;
– “Macho que é macho não bebe leite, come a vaca toda.”…
Se, em pleno Século XXI, alguma mulher ficar indiferente perante as muitas barbaridades propaladas pelo livro “Identidade e Família”, então só restará evocar esta conhecida máxima, em jeito de provocação, dirigida às próprias mulheres:
– “As meninas boas vão para o céu, as meninas más vão para qualquer lugar e para onde quiserem.” (Autor desconhecido)…
Como mulher e como mãe de uma mulher, repudio qualquer visão que pretenda valorizar o papel da mulher enquanto dona de casa porque, na verdade, tal propósito apenas servirá os desígnios dos que anseiam por vê-la confinada a esse domínio, fomentando-se, por essa via, a perpetuação do Poder e dos privilégios masculinos…
E, já agora, os homens que manifestam uma masculinidade tóxica fazem-no, quase sempre, com o intuito de mascarar ou de encobrir putativas inseguranças relativas à sua virilidade…
Paula Dias
13 comentários
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Por acaso leu o referido livro? Como nunca tem uma transcrição do dito, fiquei com essa dúvida.
Como diz: “Presume-se…”
Leu o livro? Ou pegou numa frase “truncada” e começou a debitar questões de igualdade de género, de machismo infundado e ideologia política só porque sim? Leu ou foi pelo “diz que disse”?
Acham isto mal:
O Movimento Acção Ética, cofundado em 2021 por nomes da direita conservadora como Paulo Otero e Bagão Félix — dois dos coordenadores da obra “Identidade e Família” apresentada esta semana por Passos Coelho —, vai avançar no próximo mês com uma proposta para a criação do estatuto legal e fiscal da “mulher dona de casa”. A ideia é conferir um rendimento às mulheres que não têm ocupação profissional, trabalham a meio-termo ou deixaram o emprego para cuidar dos filhos, assegurando-lhes independência económica e proteção social na velhice.
E porque não o estatuto “homem de casa”? Pode haver homens de casa, não? Desde que se crie esse estatuto para o homem, porque não para os dois?
Só assim considero que não será machismo. Li no jornal o caso de um homem que está em casa e olha pela mãe idosa. Essas “mentes iluminadas” só falaram da mulher, não falaram da criação do estatuto para ambos. Só assim concordo.
Será com certeza para as mulheres dos políticos. Só o nome “dona de casa” me dá vómitos.
A questão da mulher deixar de ser escrava do marido e passar a ser escrava do patrão, deixando os filhos desde a pré-escola para serem doutrinados pelo estado, sabemos muito bem qual é a agenda destruidora da família e de empobrecimentos que está por trás da retórica da igualdade, do verde e dos direitos às cores…! Queremos as mulheres e todos em liberdade para ter a sua família tradicional e conservadora Sim! As elites querem com a sua cultura de morte e agenda globalista pseudo verde totalitária e controladora é destruir as famílias dos outros porque na sua ninguém toca!!!
Que tal tratar-se? Talvez ainda vá a tempo.
Mustang Horse vai comprar as 50 pastilhas de rennie para a azia… Como diria o outro habitua-te!
Agradeço o seu conselho, mas não preciso: comentários como os seus são um verdadeiro elixir para a boa disposição. Fazem-me rir e isso basta-me.
Se calhar é por defenderem estes ( e outros ) “princípios” que a classe docente votou, em massa, num partido xenófobo, racista, misógino.
E o que é que estes activistas vão fazer se uma mulher quiser mesmo ficar em casa e usufruir de um Estatuto? humm?
Vão rasgar as vestes, arrancar cabelos e fazer manifestações??
E sobre outras culturas que estamos a importar para o país, que tratam as mulheres BEMMM pior do que supostamente esta visão de organização familiar?? alguma palavra??
Sim. Nomeadamente as dos países muçulmanos como a Palestina. Se algum membro da comunidade LGBT resolver ir para estes países é imediatamente assassinado. Se não acreditam experimentem ir fazer umas férias sem a companhia de um homem. E mesmo assim…
Não devemos comparar-nos com quem está pior, mas sim limar as arestas do que temos de mal na nossa sociedade.