Talvez o substantivo gratidão seja o que melhor define o sentimento da maioria dos portugueses em relação aos corajosos revolucionários do 25 de Abril de 1974. Acima de tudo, o dia “inicial inteiro e limpo” enraizou o valor fundador: a liberdade em respeito pela liberdade do outro. Mas como se percebeu desde a Grécia Antiga, a democracia é frágil. A sua consolidação exige um compromisso diário com outro substantivo irrevogável: confiança. Confiança nos outros e na democracia como o sistema que originou as sociedades mais avançadas e inclusivas.
Aliás, há um tema que foi historicamente o cúmulo da desconfiança e que contribuiu para o colapso de regimes: a corrupção. E 50 anos depois do 25 de Abril, é oportuno revisitarmos sumariamente o que andámos a fazer nesses 18.263 dias, para que a corrupção – a pequena, a média e a grande – provoque tanta desconfiança, tanto mal-estar, e seja usada com sucesso eleitoral por forças demagógicas e autoritárias.
Desde logo, a perenidade da democracia relaciona-se directamente com o exemplo. Não adianta preencher a retórica com a ética republicana, se depois o legislador – e num ambiente com uma justiça lenta e ineficaz – não só não a concretiza, como essa inaceitável falha é usada para a “eternização” em cargos públicos ou para climas de caudilho e de pequenos feudos que se apropriam do bem comum.
Repare-se em dois fenómenos elucidativos em diferentes escalas: o poder local e o sistema bancário. Eduardo Souto Moura, com 40 anos de relações com a administração portuguesa, foi taxativo (programa “Primeira Pessoa” a partir do minuto 23 na RTP Play): “o pior da corrupção na nossa administração é o poder local”.
E recorde-se que foi só neste milénio que o poder local, onde se formaram os quadros partidários, conheceu a essencial limitação de mandatos. Se seria elementar dois mandatos na administração pública, após uma ditadura de 48 anos e com mais de três décadas com o mesmo chefe de Governo, a generalidade do país conheceu autarcas com cerca de duas ou três décadas de mandatos consecutivos.
Por outro lado, há muito que se testemunhou a concessão da licença de banqueiro a cidadãos de reconhecido valor moral. Pois bem, somos um lamentável estudo de caso que espelha a conclusão (2001) de Joseph Stiglitz: os EUA exportaram o seu modelo de corrupção, que foi em grande parte responsável pela crise de 2008.
A propósito, os 18263 dias têm um marco de fragilização exactamente nessa primeira década do milénio. O estado da Educação seguiu a tendência, e 20 anos é o tempo mínimo para se perceber o resultado das políticas.
Dividamos os 18.263 pelos dois séculos. Os dias do século XX perseguiram ideais de progresso: serviços públicos qualificados, eficientes e sem privatização de lucros; economia de mercado nos restantes sectores, com o reconhecimento do altruísmo dos criadores de emprego e de lucro essenciais ao crescimento económico e à distribuição da riqueza. O Serviço Nacional de Saúde elevou a qualidade da prestação de serviços, e a massificação da Escola Pública permitiu o avanço notável das qualificações e da frequência escolar entre 2000 e 2022. Cumpriram o programa social-democrata do pós-guerra, ao contrário dos bancos e das grandes empresas que se começaram a afundar no capitalismo desregulado.
Só que, no século XXI, a Educação não resistiu. Foi alvo (e a Saúde também) da inscrição ultraliberal nos processos de gestão. Só a luta incessante dos professores da escola pública conteve o mais grave: liberdade de escolha da escola e privatização de lucros em escolas privadas financiadas pelo orçamento do estado. Os EUA, o Chile e a Suécia são exemplos desse desastre. Leia-se, sobre os EUA, Diane Ravitch e os relatórios dos programas de avaliação de professores da Fundação Gates ou do “Obama Race to the Top”, sobre o Chile, Ernesto Schiefelbein e José Weinstein, e sobre a Suécia, Andreas Bergh e Johan Wennström.
Mas, por cá, insistiu-se na aproximação ao insucesso. 20 anos depois, os resultados estão aí: foge-se a ser professor, aumentam as desigualdades educativas e os alunos aprendem menos. Responde-se desesperadamente à falta estrutural de professores e à transição digital com concursos de professores realizados localmente e regimes de monodocência suportados em conteúdos massificados pelas gigantes tecnológicas.
Agrava-se, porque se sucedem ciclos políticos incapazes de mudar o essencial. Nada se inventa. Teima-se na farsa administrativa que avalia professores à mercê da decisão autocrata e da prevalência da técnica sobe os direitos fundamentais, que transformou a escola no último reduto do caudilhismo e asfixiou a essência do exercício de professor: a esperança. Empurrou-se, como tanto se avisou, os eleitores – e os novos eleitores – para a radicalização. Os resultados eleitorais falam por si. Como se disse, os eleitores, principalmente os mais novos, seduzem-se com a busca da política, do humanismo, dos direitos fundamentais e da natureza sem rivalidade com a tecnologia, e rejeitam a opção desequilibrada por esta e o desprezo pela escola como oficina da democracia.
Devolver o ambiente inteiro e limpo à escola, é, além do mais, o que está nas nossas mãos. É descobrir o fio à meada, como respondeu Confúcio à pergunta se era instruído e culto. Esgotou-se o tempo da inacção. A escola não é tudo, mas é quase tudo e parte inalienável.
E o quotidiano político torna-se ainda mais crucial para a sobrevivência da própria democracia, já que tristemente a sociedade mergulhou em distopias, fragmentações, ultraconservadorismos, nacionalismos e guerras culturais. Não haja ilusões. Este ambiente, que se generalizou nas democracias ocidentais, interessa ao poder financeiro imune ao escrutínio democrático. A receita é pagar menos impostos e desinvestir em serviços públicos. Os ricos terão as suas escolas. O problema é o que nos diz a História: quando se instalar o caos, a tragédia fará dos pobres as primeiras vítimas, mas acabará por atingir todos. Crie-se um novo horizonte. Sem isso, o futuro em democracia não durará 18.263 dias.
Talvez o substantivo gratidão seja o que melhor define o sentimento da maioria dos portugueses em relação aos corajosos revolucionários do 25 de Abril de 1974. Acima de tudo, o dia “inicial inteiro e limpo” enraizou o valor fundador: a liberdade em respeito pela liberdade do outro. Mas como se percebeu desde a Grécia Antiga, a democracia é frágil. A sua consolidação exige um compromisso diário com outro substantivo irrevogável: confiança. Confiança nos outros e na democracia como o sistema que originou as sociedades mais avançadas e inclusivas.
Aliás, há um tema que foi historicamente o cúmulo da desconfiança e que contribuiu para o colapso de regimes: a corrupção. E 50 anos depois do 25 de Abril, é oportuno revisitarmos sumariamente o que andámos a fazer nesses 18.263 dias, para que a corrupção – a pequena, a média e a grande – provoque tanta desconfiança, tanto mal-estar, e seja usada com sucesso eleitoral por forças demagógicas e autoritárias.
Desde logo, a perenidade da democracia relaciona-se directamente com o exemplo. Não adianta preencher a retórica com a ética republicana, se depois o legislador – e num ambiente com uma justiça lenta e ineficaz – não só não a concretiza, como essa inaceitável falha é usada para a “eternização” em cargos públicos ou para climas de caudilho e de pequenos feudos que se apropriam do bem comum.
Repare-se em dois fenómenos elucidativos em diferentes escalas: o poder local e o sistema bancário. Eduardo Souto Moura, com 40 anos de relações com a administração portuguesa, foi taxativo (programa “Primeira Pessoa” a partir do minuto 23 na RTP Play): “o pior da corrupção na nossa administração é o poder local”.
E recorde-se que foi só neste milénio que o poder local, onde se formaram os quadros partidários, conheceu a essencial limitação de mandatos. Se seria elementar dois mandatos na administração pública, após uma ditadura de 48 anos e com mais de três décadas com o mesmo chefe de Governo, a generalidade do país conheceu autarcas com cerca de duas ou três décadas de mandatos consecutivos.
Por outro lado, há muito que se testemunhou a concessão da licença de banqueiro a cidadãos de reconhecido valor moral. Pois bem, somos um lamentável estudo de caso que espelha a conclusão (2001) de Joseph Stiglitz: os EUA exportaram o seu modelo de corrupção, que foi em grande parte responsável pela crise de 2008.
A propósito, os 18263 dias têm um marco de fragilização exactamente nessa primeira década do milénio. O estado da Educação seguiu a tendência, e 20 anos é o tempo mínimo para se perceber o resultado das políticas.
Dividamos os 18.263 pelos dois séculos. Os dias do século XX perseguiram ideais de progresso: serviços públicos qualificados, eficientes e sem privatização de lucros; economia de mercado nos restantes sectores, com o reconhecimento do altruísmo dos criadores de emprego e de lucro essenciais ao crescimento económico e à distribuição da riqueza. O Serviço Nacional de Saúde elevou a qualidade da prestação de serviços, e a massificação da Escola Pública permitiu o avanço notável das qualificações e da frequência escolar entre 2000 e 2022. Cumpriram o programa social-democrata do pós-guerra, ao contrário dos bancos e das grandes empresas que se começaram a afundar no capitalismo desregulado.
Só que, no século XXI, a Educação não resistiu. Foi alvo (e a Saúde também) da inscrição ultraliberal nos processos de gestão. Só a luta incessante dos professores da escola pública conteve o mais grave: liberdade de escolha da escola e privatização de lucros em escolas privadas financiadas pelo orçamento do estado. Os EUA, o Chile e a Suécia são exemplos desse desastre. Leia-se, sobre os EUA, Diane Ravitch e os relatórios dos programas de avaliação de professores da Fundação Gates ou do “Obama Race to the Top”, sobre o Chile, Ernesto Schiefelbein e José Weinstein, e sobre a Suécia, Andreas Bergh e Johan Wennström.
Mas, por cá, insistiu-se na aproximação ao insucesso. 20 anos depois, os resultados estão aí: foge-se a ser professor, aumentam as desigualdades educativas e os alunos aprendem menos. Responde-se desesperadamente à falta estrutural de professores e à transição digital com concursos de professores realizados localmente e regimes de monodocência suportados em conteúdos massificados pelas gigantes tecnológicas.
Agrava-se, porque se sucedem ciclos políticos incapazes de mudar o essencial. Nada se inventa. Teima-se na farsa administrativa que avalia professores à mercê da decisão autocrata e da prevalência da técnica sobe os direitos fundamentais, que transformou a escola no último reduto do caudilhismo e asfixiou a essência do exercício de professor: a esperança. Empurrou-se, como tanto se avisou, os eleitores – e os novos eleitores – para a radicalização. Os resultados eleitorais falam por si. Como se disse, os eleitores, principalmente os mais novos, seduzem-se com a busca da política, do humanismo, dos direitos fundamentais e da natureza sem rivalidade com a tecnologia, e rejeitam a opção desequilibrada por esta e o desprezo pela escola como oficina da democracia.
Devolver o ambiente inteiro e limpo à escola, é, além do mais, o que está nas nossas mãos. É descobrir o fio à meada, como respondeu Confúcio à pergunta se era instruído e culto. Esgotou-se o tempo da inacção. A escola não é tudo, mas é quase tudo e parte inalienável.
E o quotidiano político torna-se ainda mais crucial para a sobrevivência da própria democracia, já que tristemente a sociedade mergulhou em distopias, fragmentações, ultraconservadorismos, nacionalismos e guerras culturais. Não haja ilusões. Este ambiente, que se generalizou nas democracias ocidentais, interessa ao poder financeiro imune ao escrutínio democrático. A receita é pagar menos impostos e desinvestir em serviços públicos. Os ricos terão as suas escolas. O problema é o que nos diz a História: quando se instalar o caos, a tragédia fará dos pobres as primeiras vítimas, mas acabará por atingir todos. Crie-se um novo horizonte. Sem isso, o futuro em democracia não durará 18.263 dias.
Para que no dia 2 de setembro haja professores pelo país todo. Mas como já disse, no dia 1 de outubro vão faltar em todo o lado, porque vão ficar mais reduzidas as listas da Contratação em todos os grupos de recrutamento.
Um bom plano era dar o 15.º mês e um suplemento no subsídio de férias a quem não tivesse faltas.
“É uma situação gravíssima, um problema que é estrutural e que tem de ser resolvido rapidamente. Vamos apresentar um plano de emergência para resolver o problema”, promete o ministro.
“É uma situação gravíssima, um problema que é estrutural e que tem de ser resolvido rapidamente. Vamos apresentar um plano de emergência para resolver o problema da falta de professores em breve”, referiu.
As aulas recomeçaram há uma semana e a Federação Nacional de Professores estima que 32 525 alunos não têm todas as disciplinas, por falta de professor, tendo em conta os 419 horários por preencher em oferta de escola. No ano passado, sensivelmente pela mesma altura, eram 13 095 alunos e há dois anos cerca de 15 mil, garante ao JN o dirigente Vítor Godinho.