Pelo menos foi o que me disseram, e repetiram, vezes sem conta até perder a conta quando, findo o 20 ano e o ramo comum da Licenciatura em Biologia, tomei a decisão de enveredar pelo ensino.
E qualquer um pode ser professor porque qualquer um pode dar aulas, os contabilistas podem leccionar matemática e ciências, quem quer que tenha concluído pelo menos três cadeiras de Língua Inglesa pode ensinar Português, Inglês e Alemão, o ensino de Português e Francês carece apenas de três cadeiras de Língua Francesa e nem por sombras a conclusão do curso, para História basta o curso de Administração Ultramarina, um Oficial Aduaneiro também pode ensinar Matemática, o curso complementar de Artes e Técnicas do Fogo chega para a Educação Visual, o curso de Formação Feminina serve perfeitamente para a Educação Musical, 5 cadeiras apenas para a Educação Física, o curso de Artilharia da Academia Militar para o ensino da Matemática e aqui entramos no campo da anedota.
Esta realidade, aprovada através de decretos lei dos anos 50 e em voga até meados dos anos 80 e 90 do século passado é a realidade à qual não queremos regressar. É a realidade à qual não queremos retroceder. Por isso a importância da pedagogia e da didáctica mais a profissionalização do ensino.
Porque no meu caso em específico, o qual é o caso de todos os professores de Biologia e Geologia, não bastam o conhecimento técnico e científico, é preciso conhecer a ciência ao longo da história, compreender a sua permanente mutabilidade, contextualizando o saber em termos sociológicos, filosóficos e psicológicos.
O professor? O professor é um criador de conteúdos de aprendizagem, adaptados às necessidades únicas de cada aluno, à família de cada aluno, à cultura e credo de cada aluno e o fim é um só: a apreensão de conceitos cujo impacto cognitivo, comportamental e emocional resultam no crescimento de uma criança.
E para tal nada como aprender de antemão sobre o desenvolvimento psicossocial e psicossexual, quem foram Erikson, Freud e Piaget sem esquecer como se aprende de acordo de acordo com Bruner, Ausubel e Vygostky, a aprendizagem significativa, o construtivismo e o behaviorismo, Karl Popper e o racionalismo crítico, Kuhn e a revolução científica, a aprendizagem por descoberta e investigação, o ensino centrado na criança onde o professor orienta em vez de expor, só para citar alguns exemplos das bases não apenas necessárias mas fundamentais para quem procura exercer este mester.
É preciso compreender a criança e lembrar-nos de como era, como é voltar a ser e não mais esquecer, crianças para sempre se queremos ensinar.
Esta não é, infelizmente, a opinião do meu homónimo na Educação ao defender o retorno ao sistema de habilitações simples onde para ensinar bastará em breve saber ler e contar pelos dedos com o fito da ainda maior degradação do ensino público em favor de um ensino privado que cedo se fará ouvir em extensas parangonas a anunciar o seu número sem fim de professores habilitados “ao mais alto nível“.
Só assim se compreende a negação do óbvio quando se pretende suprir a cada vez maior falta de professores sem por isso dar mais apoios e garantias a quem por cá fica, antes pelo contrário se os atractivos para o ensino são hoje e sempre inexistentes e ser professor o vale dos caídos de quem não tem mais para onde ir.
Talvez por isso me tenham dito para não enveredar pelo ensino e professor é que não! Uma vergonha, o que vão os outros dizer? Que não sabes fazer mais nada.
E, no entanto, sabemos fazer tudo: sabemos construir o mundo, vezes sem conta e sem parar, derrubamos ideias, governos e ideais, incutimos valores, questionamos, interpelamos, formamos, falamos sobre o futuro e sobre sonhos, fazemos sonhar, fazemos voar.
Poderá qualquer um ser professor, qualquer um ensinar? Sim, pelo menos até que uma das crianças defronte se distraia, boceje ou não compreenda, uma questão de segundos desde o início da aula, para se separar o trigo do joio.