Numa altura em que se debate com alguma ligeireza o fim da vida, permitam-me recuar no tempo com os olhos postos num futuro, aparentemente, pouco radiante. Porque de nada vale preocuparmo-nos com o amanhã se não aprendermos com os erros do passado e se desvalorizarmos as opções tomadas no presente.

630 milhões de euros: era esse o valor que custaria a famosa despesa da contabilização do tempo de serviço congelado dos professores, afirmavam vários membros do anterior (e atual) governo e reproduzia grande parte da nossa comunicação social. Um valor tão alto que, diziam, provocaria a “insustentabilidade das contas públicas”, abriria a mítica “Caixa de Pandora” e provocaria o “caos financeiro” no País. Estranhamente (ou não) um autoproclamado ministério das “contas certas” insistia em não apresentar as contas que permitiriam chegar a esse valor, apesar das inúmeras solicitações de deputados, professores e jornalistas. 630 milhões foram sendo, assim, apresentados e repetidos até a exaustão, de forma a justificar a opção de contabilizar apenas 1/3 do referido tempo, enquanto que uma descomunal barreira de 20 mil milhões de euros para bancos era ultrapassada.

Entretanto, a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) apresentava um relatório, no mínimo, perturbador: deixava claro que eram misturadas despesas com receitas nas mesmas contas, que não eram contemplados os óbvios efeitos nas receitas do Estado que os aumentos salariais produziriam e, registe-se, afirmava que a contabilização do tempo congelado de todas as carreiras (não apenas a dos professores) não colocaria em causa as metas de Bruxelas ou excedentes orçamentais. Enquanto isso, contas efetivamente feitas por um grupo de professores ao qual pertenço permitiam afirmar que a dita despesa não chegaria a 50 milhões de euros anuais, caso fosse aplicada uma solução como a encontrada na Região Autónoma da Madeira. O apregoado perigo de um “apocalipse financeiro”, que levou a que um primeiro-ministro ameaçasse com a demissão do seu Governo, produziu uma das mais tristes coreografias já assistidas na história da nossa democracia.