Opinião – Finalmente, já não temos de gramar “Os Maias”! – João André Costa

 

Finalmente, já não temos de gramar “Os Maias”!

Resultado: 6 anos de Português na escola Secundária levaram a que não tivesse vontade ler, gosto de ler, prazer em ler e, portanto, não lia de livre vontade.
E se sempre achei fácil a disciplina de Português, acessível e de rápida apreensão, custou-me ao mesmo tempo perder 6 anos da minha vida de volta de clássicos que pouco ou nada nos dizem, sim, são a nossa história, mas para isso já temos a História, e quando nem o professor se identifica com as obras leccionadas, não é possível incutir nos jovens qualquer entusiasmo pela leitura, este que vos escreve incluído.
Convenhamos, o ensino de Português é, e sempre foi, uma seca, de Gil Vicente a Camões, do Bocage ao Virgílio, do Eça ao Garrett, sem esquecer o Antero e o Cesário, deixando muito pouco espaço para os contemporâneos, os que nos dizem algo, os de agora que escrevem sobre agora, sobre o que nos rodeia e preocupa, sobre para onde ir e como chegar lá, assim dando significado às nossas vidas, a esta existência.
Foi preciso concluir o Ensino Secundário para, livre de obrigações, começar a ler, a conselho de amigos da faculdade, livros a sério. Desde então, nunca mais parei, e nos livros, nos autores, e nos amigos, tive, e ainda tenho, os verdadeiros professores de Português, sem esquecer as traduções e os autores estrangeiros, igualmente importantes, enriquecedores, descobridores.
Hoje, com grande prazer acompanho a discussão em torno das Aprendizagens Essenciais do Ensino Básico e Secundário e a obrigatoriedade de obras como “Os Maias”. Se eu li “Os Maias”? Sim, li, com 16 anos. Se tinha outro remédio? Não, não tinha. Se gostei? Não, não gostei de ler mais de 600 páginas apenas porque sim, porque tenho, e temos, de ler, porque a “Stôra” disse e vai sair no teste e não é assim que se promove a leitura. Se “Os Maias” devem ser leitura obrigatória? Nada deve ser leitura obrigatória, e no termo “obrigatório” encontramos o cerne para tanto desgosto e desprazer em torno do ensino do Português ao longo de anos e anos, promovendo a iliteracia uma geração a seguir à outra.
Porque nada deve ser obrigatório, cabendo ao professor começar desde logo por explicar aos alunos o porquê de se tirar uma licenciatura em Português, o porquê da paixão pelos livros, pela leitura, pelas palavras, pela vida, a vida dos autores, a nossa vida da qual somos os autores, o que dizer, como dizer, como escrever, como amar e matar, incendiar, viajar, sofrer, vencer e perder, tudo a preto e branco nas letras de uma página sem bonecos, imprimindo a papel a vida e a vontade de toda a humanidade.
Haverá algo mais fenomenal? Não há. Chama-se imaginação, o melhor de que o cérebro é capaz. E na imaginação o desenvolvimento, novas ideias, novas elações, novas possibilidades, o salto para o infinito, o Contacto de Carl Sagan, o Fado Alexandrino e o 25 de Abril do Lobo Antunes, a violação no Ensaio sobre a Cegueira de Saramago, a morte e a guerra numa Casa na Escuridão do Peixoto, as pernas de uma mulher nos poemas felizes de Neruda, o assassinato de Lorca na frente de guerra entre duas estrofes, A maravilhosa Viagem de Nils Holgersson Através da Suécia e como a Natureza não é pertença do Homem, só para enumerar algumas obras, alguns exemplos maiores do fogo que vem nos livros e como é tão fácil entusiasmar quando tanto nos entusiasma.
E não, não acabemos com os clássicos, ao invés acabemos com a rigidez de um ensino bolorento, a destilar mofo e bafio, caquéctico e de todo desligado da realidade dos nossos dias, dando assim liberdade ao professor e, ainda mais importante, aos alunos, de ler, e de ler “Os Maias”, mas desta vez com vontade, porque a professora apaixonou-se pelo Carlos da Maia e eu pela Maria Eduarda e agora quero saber mais.

 

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