O papel dos encarregados de educação nas escolas

O papel dos encarregados de educação nas escolas

 

 

Na sociedade contemporânea, testemunhamos um fenómeno cada vez mais preocupante no ambiente escolar: a excessiva interferência dos encarregados de educação em domínios que deveriam ser exclusivos dos profissionais do ensino. Esta realidade, que se tem intensificado nos últimos anos, merece uma reflexão profunda sobre os limites da participação parental na educação formal.

Imaginemos um cenário paralelo: quando chamamos um canalizador a nossa casa, confiamos plenamente no seu diagnóstico e expertise. Não nos aventuramos a questionar se deve usar esta ou aquela ferramenta, se deve substituir determinado tubo ou se o seu método de trabalho é o mais adequado. Reconhecemos que a sua formação técnica e experiência prática o qualificam para tomar estas decisões. Por que razão, então, assistimos a uma realidade tão diferente no contexto educativo?

Os professores, profissionais altamente qualificados com formação específica em pedagogia e didática, veem-se frequentemente confrontados com encarregados de educação que questionam métodos de ensino, estratégias pedagógicas e até decisões sobre avaliação. É como se um paciente entrasse no consultório médico e exigisse que lhe fosse prescrito um determinado exame em detrimento de outro, baseando-se apenas em pesquisas superficiais ou em opiniões não fundamentadas.

Esta intromissão excessiva tem consequências nefastas. Em primeiro lugar, mina a autoridade do professor na sala de aula. Quando um aluno percebe que os métodos do professor são constantemente questionados em casa, a sua postura face à aprendizagem e o respeito pelo docente ficam inevitavelmente comprometidos. Em segundo lugar, cria um ambiente de tensão constante que em nada beneficia o processo educativo.

Particularmente preocupante é a cultura de permanente justificação que se instalou nas escolas. Os professores veem-se forçados a despender uma parte significativa do seu tempo laboral a explicar e defender cada decisão pedagógica, cada método de avaliação, cada estratégia de ensino. Esta necessidade constante de justificação não só desgasta os profissionais como os desvia do seu propósito fundamental: ensinar.

A desconfiança sistemática no professor, que inevitavelmente contamina a perceção dos alunos, tem desviado o foco das verdadeiras questões que afetam o ensino. Em vez de nos concentrar em debates cruciais sobre a qualidade da educação, a inclusão, ou os recursos disponíveis, perdemo-nos em querelas sobre aspetos que deveriam ser residuais na discussão educativa.

É fundamental estabelecer uma distinção clara entre participação construtiva e interferência prejudicial. Os encarregados de educação têm, certamente, um papel importante na vida escolar: acompanhar o progresso académico dos educandos, participar nas reuniões agendadas, colaborar em atividades escolares quando solicitado. No entanto, questionar sistematicamente decisões pedagógicas ou metodológicas ultrapassa os limites do razoável.

Assim como confiamos em canalizadores para reparar as nossas instalações e em médicos para cuidar da nossa saúde, devemos confiar nos professores para educar os nossos jovens. A sua formação académica, experiência profissional e dedicação à causa do ensino credenciam-nos como os especialistas mais adequados para tomar decisões no domínio pedagógico.

É tempo de restaurar o equilíbrio nas relações escola-família. Os encarregados de educação devem compreender que, tal como não interferem no trabalho de outros profissionais especializados, também não devem interferir nas decisões pedagógicas dos docentes. A escola pública encontra-se, indubitavelmente, numa situação delicada, mas é crucial reconhecermos que, assim como todos podem contribuir para a sua recuperação, todos podem igualmente agravar os seus males. Só através de um equilíbrio saudável entre participação e respeito pela autonomia profissional poderemos garantir um ambiente educativo onde cada ator desempenha o seu papel específico em prol do sucesso dos alunos.

 

Diretor escolar e professor do 1.º Ciclo

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21 comentários

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    • Cláudia Ramos on 6 de Janeiro de 2025 at 22:39
    • Responder

    Concordo completamente!
    Melhor não diria.
    É exatamente à “participação ” excessiva e demasiadamente opiniosa dos encarregados de educação, que temos nos dias de hoje na escola.
    Fui diretora de turma 4 anos consecutivos. Este ano letivo a direção da escola, à qual me orgulho de pertencer, libertou-me dessa tarefa, pois necessitava de “descansar” dos encarregados de educação.

      • Filipa Brito on 6 de Janeiro de 2025 at 22:43
      • Responder

      Excelente descrição da realidade. Vivemos um pesadelo que mais parece não ter fim…vais crescendo e acabando com a sanidade mental de cada diretor de turma/professor.

    • Paula Cardoso on 6 de Janeiro de 2025 at 23:07
    • Responder

    Subscrevo as suas palavras. Obviamente que os EE têm não só o direito como também o dever de participar na vida escolar dos seus educandos. Infelizmente, nem todos o sabem fazer da maneira mais correta. Assistimos a situações lamentáveis no que diz respeito a essa participação . Diria até, criminosas, já que a calúnia e a agressão quer fisica quer psicológica neste país ainda é crime. Mas vai-me desculpar
    Em muitos casos a culpa é dos próprios diretores, que na ingrata missão que têm de agradar a “gregos”e “troianos”, permitem essa invasão , esquecendo que os professores também são cidadãos e entrando em pânico quando algum professor/cidadão de bem pretende recorrer à justiça por se sentir injuriado. Aí, é o “aqui d’el rei” e de tudo se faz para que o assunto seja resolvido nas quatro paredes da escola. Numa sociedade desenvolvida faz todo o sentido a participação dos EE na vida escolar dos seus educandos. Num país de terceiro mundo como é o nosso( embora goste de viver da aparência e do engano de ser do primeiro) sempre soube que o resultado dessa participação seria irremediável negativa. Afinal, permite-se que analfabetos funcionais avaliem profissionais formados e informados. Portugal, país de mentecaptos para sempre, mesmo que se tente enganar a Europa civilizada com estatísticas fraudulentas.
    Como me arrependo de ter escolhido ser professora num país que prefere e premeia a ignorância , a imbecilidade, a falta de ética , o saber ser e estar e outras coisas que tal.

  1. Concordo na generalidade.
    Mas não sempre.
    Alguns colegas, ditos professores, que existem, justificam muitos destes encarregados de educação.
    Pena é daqueles colegas, que são mesmo Professores, e que não merecem levar com certos pseudo-encarregados de educação.
    Mas não se preocupem, porque gente desta, colegas e encarregados de educação, ignóbeis, são o que vai ser a norma nas escolas.
    Tenho pena de não poder reformar-me já, e ainda me faltar uma década.

      • Paula Caldeira on 7 de Janeiro de 2025 at 17:33
      • Responder

      Por mim, ias hoje e sem reforma. Pareces velho em tudo, até a tua formação (em todos os aspetos) cheira a velho (com o devido respeito por homens e mulheres de maior idade) e diz muito daquilo que tens sido.

        • Pedro Ribeiro on 8 de Janeiro de 2025 at 8:47
        • Responder

        Cá está mais uma que não gosta da realidade.
        Concordo inteiramente com o comentador acima. E olhe que ainda me faltam décadas para a reforma.

    • Mortadela on 7 de Janeiro de 2025 at 7:03
    • Responder

    Revejo me integralmente na opinião da colega Paula Cardoso!
    Há efetivamente muita complacência com esses analfabetos funcionais, da parte de algumas direções e claro os ditos cujos exploram essa situação.
    No que me diz respeito, qualquer situação que me desrespeite, trato fora da escola e sim, já falta muito pouco para deixar este calvário … graças a Deus!

    • Teresa on 7 de Janeiro de 2025 at 7:48
    • Responder

    Revejo-me neste texto. Cada vez mais os encarregados de educação, querem explicações para tudo..
    Também já me falta muito pouco para me reformar e poder deixar este sistema, que caminha para o CAOS na EDUCAÇÃO.

    • Escola = fardo on 7 de Janeiro de 2025 at 9:35
    • Responder

    Atualmente, os Encarregados de Educação são um dos principais fatores pelos vários problemas que se vivem nas escolas (ex.: desautorização dos professores, desculpabilização das “criancinhas” mal-educadas que não souberem educar). Chega de tapar o sol com a peneira e começar a chamar as coisas pelos nomes. Lugar dos Encarregados de Educação é do portão da escola para fora (e se possível, do lado de lá do passeio)

      • Escola = fardo on 7 de Janeiro de 2025 at 9:37
      • Responder

      *souberam. Só para não dar o gosto a algum pai/mãe pronto a apontar o dedo lol

  2. É a triste ideia do “aluno-cliente” a funcionar…

    • Carlos Moreira on 7 de Janeiro de 2025 at 11:11
    • Responder

    Excelente!!
    O que me pergunto é porque só agora vêm à tona estes assuntos… começa-se a mexer no pantano…o papel dos encarregados de educação tem-se tornado, de há uns anos para cá, execrável!!

    • Carlos Moreira on 7 de Janeiro de 2025 at 11:14
    • Responder

    Isto com a conivência de ministérios e governos dos últimos anos e dos diretores ( que acabam por ser paus mandados destes).
    Também por culpa dos professores que admitem tudo!!( a maioria deles!).

    • Carlos Moreira on 7 de Janeiro de 2025 at 11:29
    • Responder

    Destaco como fundamental:
    “Esta intromissão excessiva tem consequências nefastas. Em primeiro lugar, mina a autoridade do professor na sala de aula. Quando um aluno percebe que os métodos do professor são constantemente questionados em casa, a sua postura face à aprendizagem e o respeito pelo docente ficam inevitavelmente comprometidos. Em segundo lugar, cria um ambiente de tensão constante que em nada beneficia o processo educativo.

    Particularmente preocupante é a cultura de permanente justificação que se instalou nas escolas. Os professores veem-se forçados a despender uma parte significativa do seu tempo laboral a explicar e defender cada decisão pedagógica, cada método de avaliação, cada estratégia de ensino. Esta necessidade constante de justificação não só desgasta os profissionais como os desvia do seu propósito fundamental: ensinar.

    A desconfiança sistemática no professor, que inevitavelmente contamina a perceção dos alunos, tem desviado o foco das verdadeiras questões que afetam o ensino. Em vez de nos concentrar em debates cruciais sobre a qualidade da educação, a inclusão, ou os recursos disponíveis, perdemo-nos em querelas sobre aspetos que deveriam ser residuais na discussão educativa.”
    E daqui surge também a indisciplina (que grassa nas escolas) e a falta de respeito dos alunos.

    • Carlos Moreira on 7 de Janeiro de 2025 at 11:32
    • Responder

    Mas isto nem seria preciso constatar e dizer! se a maioria dos encarregados de educação fossem pessoas bem formadas e educadas e inteligentes saberiam o limite da sua intervenção na escola.

    • Lucas on 7 de Janeiro de 2025 at 12:39
    • Responder

    os piores encarregados de educação que existem sao professores /EE

      • Mentecaptos por paixão on 7 de Janeiro de 2025 at 15:09
      • Responder

      Nem mais…

      • Marius on 7 de Janeiro de 2025 at 23:38
      • Responder

      Concordo plenamente: os piores Enc. de Educ. são os professores. São os mais desonestos a todos os níveis, como por exemplo a justificar as faltas dos filhos quando há testes… O pântano em que as escolas se transformaram é culpa ,em grande parte, dos professores. Quem é sério não aguenta tanto fazer conta.

    • Rui Filipe on 7 de Janeiro de 2025 at 14:07
    • Responder

    A intromissão exagerada dos E. E. já tem barbas.
    Para mim os maiores culpados são diretores e professores. Diretores que parecem encobrir os problemas que alguns E.E. causam nas escolas, porque têm medo que o seu lugarzinho fique chamuscado. Falta de coragem. O mesmo se diga de alguns colegas que pura e simplesmente se acobardam.
    Sei do que falo.Exerci vários cargos,entre os quais, pertenci a um C G.
    Poderia dar vários exemplos, mas não quero ser enfadonho.

    • Carlos Rainho on 8 de Janeiro de 2025 at 0:37
    • Responder

    Pelo que li, as evidências são as seguintes: Professores:
    -Que não gostam da profissão que escolheram!
    -Que não gostam de explicar aos PEE as suas escolhas e justificarem essas mesmas escolhas!
    -Transportam muitas pedrinhas “de colegas” e de “atividades” das quais foram responsáveis e nada fizeram para melhorar o sistema!
    -São os donos do castelo “Escola” e não cumprem com a legislação existente que dá direitos aos PEE!
    -Professores de turma, Diretores e Presidentes do Conselho Geral que não possuem legitimidade jurídica para convocarem atos eleitorais de pais e encarregados de educação para Representantes dos PEE da Sala/Turma, quer de Representantes dos PEE para os Conselhos de Turma ou Conselhos Gerais do AE/ENA!
    Conselho:
    Foquem-se na vossa atividade profissional e deixem os PEE e as suas Estruturas Representativas efetuarem o que por Lei lhes compete!!!!!!
    -Os agentes escolares têm a obrigação de cumprir as Leis emanadas pela Assembleia da República e aplicarem-na na Escola onde exercem a sua atividade profissional e não adulterarem com Regulamentos Internos contrariando o que a Lei define!

    • 와우중계 on 9 de Janeiro de 2025 at 8:18
    • Responder

    thank you 스포츠중계

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