19 de Janeiro de 2025 archive

Não estou para me chatear…

O marasmo, o “cinzentismo” ou a resignação parecem ter tomado, de novo, conta da maior parte das Escolas Públicas, depois de algum fulgor vivido em certos momentos nos últimos dois anos, sobretudo durante o tempo em que o STOP se apresentou como, aparentemente, credível e confiável, induzindo algum entusiasmo e mobilização nas reivindicações dos Professores…

Mas, como todos sabemos, essa euforia foi de curta duração, o protagonismo desse Sindicato acabou em desgraça, culminando numa tremenda desilusão…

Quanto às restantes estruturas sindicais, ditas da “velha guarda”, continuam como quase sempre estiveram: “não aquecem, nem arrefecem” e muito dificilmente conseguirão suscitar uma adesão maciça ou o alento dos seus supostos representados…

Ainda que a “democracia participativa” atribua, pelo menos em termos teóricos, a essas estruturas sindicais um papel relevante nas negociações com a Tutela é preciso muito mais do que isso para que as mesmas consigam cativar, motivar, “seduzir”, os seus pretensos representados…

O marasmo, o “cinzentismo” ou a resignação parecem ter tomado, de novo, conta da maior parte das Escolas Públicas, depois de alguma esperança inicial, depositada na actual governação… Passaram-se, entretanto, nove meses, sem que se vislumbrem mudanças significativas na área tutelada pelo Ministro Fernando Alexandre…

O clima aparentemente dominante em muitas escolas, talvez se possa resumir assim:

– Vai-se funcionando para sobreviver e no final de cada dia todos se dão por satisfeitos por terem conseguido suportar mais uma jornada;

– “Não estou para me chatear”, talvez seja o que vai no pensamento de muitos Professores que, primordialmente, lutam por conseguir aguentar-se e sobreviver até à respectiva aposentação…
“Não estou para me chatear” poderá ter várias interpretações:

– Trata-se de um mecanismo de defesa, legítimo de sobrevivência e, como tal, não pode deixar de ser valorizado;

– Trata-se de um mecanismo de defesa, legítimo de sobrevivência, ainda que também possa ser entendido como uma desistência assumida;

– Ou espelha a resignação e a bonomia que, de alguma forma, têm caracterizado parte significativa da Classe Docente há já muitos anos?

De uma maneira ou de outra, os Professores parecem efectivamente condenados à obediência, à resignação e à inércia: primeiro barafusta-se, mas depois, e invariavelmente, aceita-se… As “indignações” são quase sempre inconsequentes e “aveludadas”…

Já sabemos isso tudo, então, e novidades?

Bom, novidades parece que também não há:

– A primeira fase da recuperação do tempo de serviço de muitos Professores continua, passados quase seis meses desde a publicação do respectivo Decreto-Lei, perdida, algures, nas “calendas gregas”… Seis meses é muito tempo, demasiado tempo, para se concluir uma operação desta natureza que, à partida, deveria ser simples, não fosse o caos burocrático, reinante em grande parte da Administração Pública;

– O Projecto MAIA, que “já não é”, mas que, na realidade, “continua a ser” em muitas escolas, onde se vão mantendo as insanas tarefas burocráticas daí decorrentes e as prédicas vácuas, sem reconhecidos efeitos práticos positivos;

– Continua a impunidade face às agressões a Professores, sem que existam efectivas punições para os prevaricadores… O Estatuto do Aluno e Ética Escolar (Lei n.º 51/2012, de 5 de Setembro) que, por acaso, até prevê a instauração de contra-ordenações puníveis com coima, por eventuais incumprimentos reiterados, imputáveis a pais/encarregados de educação, parece que continua sem ser cabalmente aplicado, ainda que a respectiva publicação já tenha mais de doze anos… Portanto, o incumprimento de certos deveres e responsabilidades parentais bem poderá continuar, que o mais certo é que nunca venha a ser penalizado;

– A interferência abusiva dos pais/encarregados de educação, nomeadamente em questões de natureza pedagógica, também continua, expectavelmente na medida em que as próprias escolas o permitam… E não há como fugir desta inevitabilidade: as Direcções, os Conselhos Pedagógicos e os Professores, em particular os Directores de Turma, não poderão deixar de “balizar”, limitar, a interferência dos pais/encarregados de educação em questões onde não lhes é reconhecida a competência necessária para se intrometerem… A tão apregoada “autonomia das escolas” também servirá, certamente, para isso, assim exista a vontade de o concretizar… Aqui, como em muitas outras situações, os pais/encarregados de educação acabam por fazer o que lhes vai sendo permitido, nem que seja em termos tácitos ou por omissão;

– Também continuam sem alterações o modelo de Avaliação de Desempenho Docente, que se vai mantendo como sempre foi: iníquo, perverso e injusto; e o persistente modelo de Administração e Gestão Escolar, que permite a arbitrariedade e as atitudes ditatoriais, por parte dos Directores que queiram exercer as suas funções desse modo;
– Também continuam sem alterações as pretensas medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão (Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6 de Julho), apesar de já se ter constatado há muito que, em termos práticos, estaremos perante um logro… Medidas, essas, muitas vezes impossíveis de operacionalizar e de concretizar por falta de recursos humanos e materiais, mas que continuam a fomentar uma ilusão chamada “sucesso escolar”;
– Pelo que já se percebeu, a revisão do Estatuto da Carreira Docente irá continuar a ser “cozinhado em banho-maria”, antevendo-se muitas, e muitas, reuniões de negociação, até que se chegue a alguma alteração efectiva… A Tutela e as estruturas sindicais não parecem ter especial pressa nessa reestruturação;
– Por parte da Tutela também continuam as “experimentações” em formato digital, desta vez através das denominadas “Provas – Ensaio”, ainda que, e como é sobejamente conhecido, muitas escolas apresentem um deficiente apetrechamento tecnológico, muitas vezes incompatível com tais realizações… Espera-se, certamente, que os Professores, mais uma vez, consigam demonstrar os seus dotes de exímios praticantes da “arte do desenrascanço”…

Em resumo, não se resolve nenhum problema, mas há sempre disponibilidade para a criação de novos problemas… Em vez de se resolverem problemas, criam-se ainda mais problemas…

Que esperança e que optimismo poderão existir quando se trabalha enredado por problemas, sem fim e sem solução à vista?

Perante tantos reveses e tão poucas, ou nenhumas, soluções para os mesmos, só restará afirmar:

– “Não estou para me chatear”…

“Não estou para me chatear”, ao mesmo tempo que se contam os dias que faltam até à respectiva aposentação…

Em rigor, será muito difícil censurar esse tipo de pensamento, certamente fundado em sucessivas decepções de vária ordem, mesmo sabendo que o marasmo, o “cinzentismo” ou a resignação não serão combatidos por essa via…

Sobreviver é preciso, não pode deixar de ser o principal imperativo…

A Escola Pública parece estar enredada num círculo vicioso de “desistências” e isso é muito mau sinal…

E, mesmo assim, ainda há genuínos “resistentes”? Há, mas estão cada vez mais em “perigo de extinção”, quiçá, também eles, cansados de defender causas que nunca se concretizam…

Paula Dias

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