O Rui Cardoso acha que ninguém quer abordar a questão da ADD. Com a devida ironia provocatória, que ele percebe com facilidade, está a olhar para o seu umbigo. Se há coisa sobre a qual escrevi foi sobre ela, anos a fio, até porque desde o descongelamento meti o nariz num número muito razoável de recursos e reclamações e tenho a papelada para o comprovar. Diz ele que se não forem os professores a tratar do assunto, outros tratarão, como se não fosse certo e garantido que será isso a acontecer, com ou sem propostas dos professores, mesmo aquelas que se esqueceram ao fim de poucos anos e não se trata só das questões das quotas e das vagas.
Ainda diz ele que “todos falam mal dela, ninguém a quer, mas todos se tentam aproveitar dela”, algo que não posso desmentir por completo, porque sempre achei que havia forma de a contornar, assim as SADD (e director@s) colaborassem, sem medo de pressões externas. Assim existisse “união” e as coisas poderiam ter sido bloqueadas a partir das escolas. Mas não foram e eu até penso que sei o porquê e porque o assunto até se tornou mais relevante a dado momento. Ainda me lembro de alguém se gabar de recusar menções de mérito, quando para isso teria de acumular mais essa benesse a outras decorrentes dos cargos ocupados, como ampla redução do horário lectivo e suplemento remuneratório que há quem queira ver aumentado. Se tivesse de apontar o dedo, não seria ao Rui Cardoso, que é muito frontal nestas coisas. Claro que falo naquelas outras criaturas, que parecem herdeiras do sonsismo, que se armam em muito éticas, sem parecerem perceber exactamente do que estão a falar, convivendo bem com conflitos de interesses mal declarados.
Por exemplo… vamos, de uma vez, tornar estanques os regimes geral e especial da ADD? Como será tudo feito se os directores e outros dirigentes escolares tiverem uma carreira própria? Terão uma ADD separada, estanque, deixando subcoisos e adjuntos de se gabar de não vir “papar” as quotas aos zecos, como se isso fosse um grande feito? Posso dar exemplos do contrário e de muita trafulhada e promiscuidade nos procedimentos. Não é por acaso que até eu já reclamei, como dei conta de forma pública, aqui neste blogue, há um par de anos, com recurso a documentação demonstrativa do abuso de uma presidente de SADD que, não satisfeita em baixar-me a menção, até tentou baixar-me a classificação quantitativa. Parece que há quem ache que, perante isso, devemos todos calar-nos. Ide dar banho à minhoca.
Se é sobre a ADD que querem falar, debater, confrontar ideias… vamos a isso. Mas, nesse caso, há quem precise de comprar espelhos, antes de fazer críticas. Há quem ache que por não ir ao pombal do vizinho, fica desculpado por ir ao galinheiro. E antes de ir ao galinheiro, tinha ido ao pomar. Há quem fale de barriga muito cheia, não sabendo do exemplo daquele sapo.
Já agora, a propósito das necessidades de uma “infraestrutura” ética no mundo actual, uma leiturinha interessante, não muito longa, mas um pouco complexa, para quem tiver receio de desgastar o tempo e o intelecto.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, Muda-se o ser, muda-se a confiança; Todo o mundo é composto de mudança, Tomando sempre novas qualidades.
Luís de Camões tinha razão, o ser humano gosta de mudar. Precisa de mudar. É obrigado a mudar. Começou a escrever e a desenhar nas paredes das cavernas, logo passou aos papiros, antepassados do papel, e aos pergaminhos ou peles de animais. A minha geração aprendeu a escrever na pedra com um estilete também de pedra, o ponteiro. As ardósias substituíram papiros e pergaminhos. Eram miniaturas portáteis do quadro preto onde se escrevia com giz branco. Poupámos árvores e animais sacrificados para alimentar a escrita. O papel veio a seguir, livros, folhas de papel, cadernos, cartolinas, a escola tornou-se a principal consumidora da floresta. Os nossos filhos e netos vão abandonando o papel, a tinta, as canetas, as esferográficas, os lápis, as borrachas e os vernizes que escondem os erros que deram. A minha preciosa coleção de canetas de tinta permanente ficou esquecida no tempo. Os teclados poupam tudo isso e a “nuvem” guarda e arruma o que escrevemos. As receitas médicas são hoje enviadas pelo telefone e afixadas no SNS 24, disponíveis com um clic. Os infindáveis “Processos”, volumosos dossiers que guardavam e organizavam as nossas vidas de papel, nos hospitais, nas escolas, nas repartições, nas empresas, tudo isso são hoje sepulturas de pessoas e de um mundo que já não existe. Os exames escritos, os trabalhos académicos, os exames médicos, os impostos, tudo deixou de ter existência material. Se não deixou, é sintoma de atraso. O próprio dinheiro físico vai desaparecendo a pouco e pouco e não resistirá por muito tempo. Virá a seguir o desaparecimento dos teclados. Deixarão de ter utilidade porque podemos ditar vocalmente o que o computador transforma em texto e guarda em discos ou na nuvem. O computador e o smartfone são hoje “o anjo da guarda” da infindável memória que nos lembra ou ensina em segundos o que levamos anos a aprender ou a decorar. Que nos faz de imediato contas e cálculos que roubavam tempo e paciência. Aprender é preciso, a ouvir, a ler, a contar, a desenhar, a pensar, a memorizar. Mas hoje são outros os caminhos do aprender. Antes de mais são os que impõe o tempo presente, mais práticos, mais rápidos, mas sobretudo mais autónomos. Agora o aprendente tem outros incentivos para aprender e outros meios de acesso ao saber. A geração Z, nascida entre 1995 e 2010, está profundamente enraizada na Internet, no digital e nas novas tecnologias. Este é o seu mundo e o seu caminho e não adianta erguer sinais de trânsito proibido. A geração dos pais e dos avós, escravos da nostalgia conservadora do passado, bem podem clamar e reclamar, o mundo novo está contra eles, e nem a escola conservadora conseguirá resistir à força e ao fascínio de ter à mão, no momento, todas as respostas de enquadramento e relacionamento com todo o mundo à sua volta. Não adianta opinar, com ou sem razão, que as crianças aprendem melhor manuseando o lápis, a caneta ou a esferográfica. Que o saber dos livros em papel é mais eficaz que os computadores ou smartfones. A atração das crianças e jovens vai noutro sentido. O mercado e a publicidade, os potentes motores da economia, são os meios e os aliados mais poderosos para a mudança do analógico para o digital. Os mais idosos sempre se lembrarão das memórias da infância, da família, da escola, dos amigos e de todos os afetos que a idade preservou, tantas vezes os mais fortes de uma vida. O tempo não apaga as imagens das ruas, das veredas e dos caminhos percorridos. As primeiras memórias são as mais resistentes. Mas nem a nostalgia mais forte nos convida hoje a montar na albarda de um burro para ir à escola, nem no carro de bois para ir à cidade. Salazar, se vivesse nos nossos dias, não teria feito a viagem de Santa Comba para a Universidade de Coimbra montado num cavalo. Os caminhos de hoje estão bem definidos e conhecemos os meios mais adequados para os percorrer. O problema maior está ainda na acessibilidade. O mundo novo não está acessível para todos. Falta-nos construir as pontes e autoestradas do saber e da inteligência. Sem portagens. A escola em Portugal enfrenta mil problemas que estão à vista de todos. Um dos maiores é um problema geracional. É a transição da escola seletiva, enraizada na mente de altas personalidades do regime, para a escola inclusiva, a escola de todos. O 25 de Abril foi alargando a escolaridade obrigatória até aos 18 anos, mas manteve inalteráveis os mecanismos da seleção, excluindo sobretudo as crianças mais vulneráveis nos planos económico e social, e aquelas que não encaixam no perfil único igual para todos. Programas e exames iguais para todos excluem a diversidade e a diferença. As crianças que não encaixam no perfil único, por mais talentosas que sejam, são inexoravelmente excluídas, mesmo quando dotadas de uma inteligência superior em áreas específicas. No âmbito das impropriamente designadas “deficiências”, como a surdez, a cegueira ou a dislexia, mesmo com talentos de alto nível, a escola foi e continua implacável. No nosso país, a escola inclusiva ou escola para todos continua bloqueada, com o apoio de altos responsáveis de governos recentes que continuam a defender a exclusão, num processo de calibragem, como o das maçãs. Os calibres que não respeitam a norma são eliminados. É o paradigma do passado a impedir milhares de crianças de percorrer o caminho adequado ao seu perfil. A Diversidade, a Equidade e a Inclusão não entram nesta equação. Voltaremos a este tema.