18 de Agosto de 2021 archive

Os nazis do refeitório em duas rodas – Joana Petiz

 

Os nazis do refeitório em duas rodas

Os nossos miúdos não hão de ser obesos. Podem congelar todos os invernos e assar no verão em salas de aula que deixam entrar a chuva, em escolas até hoje cobertas de amianto cancerígeno e cujos pavilhões desportivos estão fechados a cadeado há anos, redefinindo-se o desporto escolar em aulas de teoria do basquete ou regras do salto de trampolim. Podem ter de fintar ratos e baratas no recreio e ter vómitos só de pensar numa urgência que os obrigue a utilizar as casas de banho imundas, tantas vezes sem sabonete, papel higiénico ou condições de limpeza mínimas. Podem não ter material escolar porque o dinheiro dos pais, ainda mais encolhido pela crise pandémica, tem de servir para fazer face a outras contas e o Estado só garante apoio aos miseráveis letrados, aqueles que sejam capazes de preencher tanto os requisitos de pobreza extrema quanto os formulários exigidos para receber apoios. Pelo menos têm os manuais escolares de graça… desde que frequentem o ensino público, que isso do privado é coisa de capitalistas que não merecem nada. Podem até passar um ano letivo inteiro sem professores de certas disciplinas, sem meios digitais que garantam que as lições lhes são passadas se a covid voltar a impedi-los de ir para a escola e sem profissionais de apoio psicológico capazes de os ajudar a refocar-se depois de dois anos de pandemia. Mas obesos não serão!

Se aqui chegado lhe parece esta descrição exagerada, vá reler as notícias que se publicam todos os anos – mudam as escolas, os locais, mantém-se o pesadelo das crianças, bem real até em algumas das melhores do centro de Lisboa.

Mas agora tudo vai mudar. Os miúdos até podem não ter o que se exige para garantir as condições mínimas de aprendizagem, mas vão ter bares só com comida saudável e bicicletas à porta para aprender a andar sobre duas rodas. Valham-nos esses três milhões de euros da bazuca que vão direitinhos para a compra de bicicletas escolares (e mais uns trocos para pagar professores de ciclismo?). Que isso sim, é fundamental.

Num país com mar e rios, lagoas e barragens de norte a sul – e no qual todos os anos morrem largas dezenas de pessoas por afogamento -, podíamos estar a ensinar os miúdos a nadar, a remar, a navegar, a surfar. Mas isso pouco faria para justificar as ciclovias quase desertas que proliferam por aí. Se os ensinarmos, eles virão! Os jovens ciclistas de barriga cheia de água da torneira e saladas, a quem soubemos proibir o chouriço, os rissóis e os doces conventuais de que Portugal é exímio fazedor a tempo de os salvar do pior destino.

Há quem pense que estes hábitos se criam em casa, que uma alimentação equilibrada e a necessidade de exercitar corpo e mente não se impõem, antes de educam, se explicam, se adquirem sobretudo alargando o conhecimento às famílias. Que as prioridades devem ser bem pesadas na balança. Mas quem nos governa não vai em cantigas e sabe bem que tem de impor aquilo que sabe que é melhor para si e para os seus filhos do que o caro leitor. Mesmo que nos ministérios, nas direções-gerais, nas estruturas públicas em geral se mantenham os piores hábitos possíveis.

Pode haver gordos diabéticos, hipertensos e sedentários a assinar decisões, mas não restará nenhum no recreio! Nem que seja preciso proibir o uso de consolas de jogos a menores. Lá chegaremos…

A menos, claro, que em vez de comerem o que a escola lhes proporciona, as crianças levem chocolates de casa, almocem na hamburgueria ao lado, lanchem na pizaria da esquina ou passem pela pastelaria logo de manhã para comprar bolos e snacks não aprovados pelos nazis do refeitório – mas nesse caso, quem sabe alguns ainda fazem negócio a vender petiscos aos colegas e promove-se o empreendedorismo escolar.

 

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Audição Escrita MI/CI 2021/22

 

Encontra-se disponível a aplicação que permite aos docentes efetuarem audição escrita em conformidade com o disposto no art.º 18 do Decreto-Lei n.º132/2012, de 27 de junho, na redação em vigor.

SIGRHE – Aceder à aplicação.

 

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Sobre as novas normas alimentares nas escolas…

 

Sou professor numa escola pública e vejo agora o meu trabalho prejudicado e dificultado com esta medida fundamentalista e de efeitos perversos.

Como posso colaborar na educação dos alunos quanto a refletirem e a tomarem boas opções relativas a hábitos alimentares saudáveis na escola e fora dela, se não há espaço para optarem? Simplesmente proibido, interdito, vedado certo tipo de alimentos.

Como posso explicar que o mais importante não é proibir nem enveredar por dietas alimentares extremistas e desequilibradas, mas antes aprender, conhecer os alimentos e informar-se do que deve ser associado a um consumo moderado e com especial atenção? Para que esta aprendizagem possa ser significativa, os alunos têm de treinar e esse treino, na escola, realiza-se através das suas decisões e opções face aos desafios, situações-problema, liberdade de optar.

A Educação coabita com a Liberdade e a Ordem dos Nutricionistas nos louvores que tece a este diploma legal, revela o perigo de técnicos se imiscuírem em territórios educativos e de com boas intenções, implementarem estratégias erradas.

Como podemos associar a teoria à prática, no que respeita à educação de boas práticas alimentares, a alunos que na escola não podem optar?

A História revela incontáveis insucessos relacionados com a proibição de seja o que for e a que se sucederam radicalismos no sentido oposto (“é proibido proibir”).

Se algo é proibido, o nosso papel enquanto educadores fica diminuído: para quê aprender a decidir sobre algo se num determinado contexto, essa possibilidade de decisão não se coloca? E qual o valor de uma escola que cada vez mais se afasta dos problemas reais que a vida em sociedade nos coloca?

Para aprendemos a resolver problemas temos de nos confrontar com esses mesmos problemas e a escola é um local privilegiado para essa vivência, reflexão e exercício de autonomia, de responsabilidade e de cidadania. Eliminar alguns desses problemas na escola, criando uma realidade artificial e incoerente (MacDonalds, pastelarias, supermercados perto da escola com toda uma oferta diversificada e acessível; influência/pressão nociva da comunicação social), não é boa política.

Isto aplica-se ao extremismo de tudo se permitir na escola (a oferta nutricional é claramente antissaudável) ou simplesmente, de se proibir tudo o que pode ser antissaudável se se consumir sem moderação.

O equilíbrio e um bom acompanhamento por profissionais de educação (estes bem esclarecidos por nutricionistas/técnicos que não são educadores) poderá fazer a diferença na alteração desejável dos comportamentos alimentares.

Para terminar: aprende-se a tomar boas decisões quando existe a possibilidade de se tomarem más decisões.

Assim aprendi com a vida, com a História e com alguns pensadores/filósofos que muito admiro: Mahatma Gandhi – «A liberdade não tem qualquer valor se não inclui a liberdade de errar»; Lev Vygotsky – «O professor deve adotar o papel de facilitador, não de provedor de conteúdo».

Em conclusão: na escola, em particular, à solução simples de se proibir, sobrepõe-se o valor de se investir em educar.

Rui Pires (18 de agosto de 2021)

 

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Isto e pouco mais traria paz e sucesso às escolas – Santana Castilho

 

O acordo sobre a formação profissional e qualificação dos portugueses, assinado em sede da Comissão Permanente de Concertação Social, é uma pérola do clássico “eduquês” das Novas Oportunidades, agora ressuscitadas. São mais de cinco mil milhões de euros para “formação contínua de formadores” (pág. 4), “educação e formação à distância” (pág. 6), “maior centramento (sic) nas competências … promovendo maior flexibilidade” (pág. 7) “processos de upskilling e reskilling (o itálico é meu) de curta e média duração” (pág. 14) e toda uma cascata de delírios palavrosos, que fazem antever a festa que aí vem. Ler aquelas inenarráveis 19 páginas mostra bem como António Costa aprendeu com o seu mestre José Sócrates e ajuda a entender a doutrina bolçada sobre o sistema de ensino. Imagino que, no fim do acto, patrões e UGT (CGTP excluiu-se) se terão precipitado a dirigir a António Costa a pergunta que ele próprio fez a Ursula von der Leyen, em lapso freudiano definidor de um carácter: já posso ir ao banco?
Tudo o que pode ser feito para melhorar o nosso sistema de ensino é conhecido. Mas as decisões deste Governo têm ignorado o conhecimento que a investigação em Epistemologia e Educação tem proporcionado, designadamente a produção científica de investigadores de orientação cognitivista. E com a mansidão política da oposição e a apatia dos professores, não é fácil opor iniciativas sérias à amálgama de teorias desactualizadas, que os responsáveis impõem como de vanguarda.
Há seis anos que venho mostrando nesta coluna os sinais do sistema dominante, uma espécie de distopia pedagógica paranóica, que nos vai afastando dos resultados médios da OCDE, a que chegámos com o esforço de tantos e apesar das diferenças políticas de sempre. A cada passo desse triste caminho, apontei sinais. Dois deles foram particularmente perniciosos, a saber:
– A ideia de que transmitir conhecimento é redundante, porque os alunos têm-no armazenado nos seus smartphones. Donde, o importante são as “competências” e “aprender a aprender”. Como se a psicologia cognitiva não tivesse concluído, há muito, que só conhecimento gera conhecimento e que para entender e assimilar conhecimento novo é necessário possuir-se conhecimento anterior, que vincule a aquisição do novo. Com efeito, John Sweller [Sweller, J. (1988). Cognitive load during problem solving: effects on learning. Cognitive Science 12 (2): 257–285], conhecido pela formulação da teoria da carga cognitiva, tornou isso evidente. Na peugada, aliás, dos anteriores estudos de Bruner e Ross, que demonstraram a importância do conhecimento acumulado pela memória de longo prazo na resolução de novos problemas.
– A ideia de que são os alunos que devem orientar a sua educação, mediante metodologias de descoberta, e não os professores, segundo o tradicional ensino directo. Ora não é procurando que os alunos actuem como cientistas nas aulas que os preparamos para serem cientistas no futuro. Uma coisa são previsões não fundamentadas de resultados, outra coisa é a medição dos resultados. Com efeito, a produção científica disponível mostra que é aprendendo por ensino directo, feito pelos professores, que não por metodologias de descoberta, que se obtêm os melhores resultados. Ver, a este propósito, David Klahr, Department of Psychology, Carnegie Mellon University: The equivalence of learning paths in early science instruction: effects of direct instruction and discovery learning.
Aqui chegados, perto do início de mais um ano lectivo, deixo um sumário mínimo para sairmos do trilho do retrocesso:
1. Elevar a Educação a prioridade política, do pré-escolar ao superior, passando pelo básico e secundário. Rever a Lei de Bases do Sistema Educativo. Universalizar todo o pré-escolar até à entrada no básico. Proceder à reformulação integral do plano de estudos do ensino obrigatório e dos respectivos conteúdos disciplinares, assente no estabelecimento de um exaustivo diálogo social sobre Educação, que envolva os diferentes protagonistas educativos (Ministério da Educação, sindicatos de professores, associações profissionais de professores, associações de pais, partidos políticos, associações científicas, associações empresariais e associações de estudantes). Sendo certo que o acompanhamento das crianças enquanto os pais trabalham é um problema para o qual a sociedade deve encontrar resposta, é inaceitável que muitas crianças cheguem a permanecer na escola dez horas por dia. Importa por isso avaliar o impacto que essa permanência significa no desenvolvimento das crianças, sobretudo quando as actividades que lhes são proporcionadas (utilização excessiva de tarefas de natureza escolar, por exemplo) ignoram ditames básicos da psicologia do desenvolvimento. Eliminar a burocracia estéril. Pôr cobro à hiperprodução de normativos.
2. Valorizar a autoridade do professor. Operar a revisão do estatuto da carreira docente, particularmente para remover os constrangimentos injustos de progressão e desenhar um novo modelo de avaliação do desempenho. Abolir a classificação do desempenho, entre pares, dentro da escola. Pôr fim à instabilidade e à precaridade da profissão docente, designadamente pela estabilização dos quadros, alteração dos mecanismos de concursos e vinculação de contratados. Reduzir o número de alunos por turma e definir o máximo de alunos por professor.
3. Proceder à revisão do modelo de gestão dos estabelecimentos de ensino, recuperando a sua democraticidade. Pôr fim aos agrupamentos. Nunca, em cada escola, se deveria ter perdido a sua identidade de cultura e de actuação pedagógica. A agregação de escolas foi uma das medidas de maior impacto negativo no funcionamento do sistema. Se há situações geográficas onde a iniciativa poderia ser considerada, a generalização a todo o país foi um verdadeiro desastre e dilacerou o ambiente relacional na generalidade das escolas. Resolver definitivamente a carência de funcionários auxiliares nas escolas. Institucionalizar as equipas multidisciplinares (professores, psicólogos e técnicos de serviço social) que assegurem o acompanhamento dos alunos sinalizados pelos conselhos de turma como estando em situações de risco, tendo presente que as estratégias de apoio ao primeiro sinal de dificuldade são decisivas. Reconhecer que as escolas carecem de apoios diferentes, em função dos contextos diferentes em que operam. Criar nas escolas estruturas de apoio técnico especializado, designadamente face às alterações operadas pela digitalização.
4. Promover, de modo sério e exigente, a relação entre o ensino profissional e as necessidades das empresas, sem transformar as escolas de ensino humanístico em institutos de formação profissional. Melhorar a eficiência do sistema de qualificação por via de uma eficaz articulação entre as políticas de Educação e Formação, as primeiras tuteladas pelo Ministério da Educação e as segundas pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social.
Isto e pouco mais traria paz e sucesso às escolas.
In “Público” de 18.8.21

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