Naquele tempo eram professores agregados sem ordenado nas férias
Sempre sonhou ser professora primária e orgulha-se do “dever cumprido” quando ensinava os fonemas cantando e brincando
Terminou a escola e nas Furnas não havia forma de se prosseguir os estudos, mas a professora disse à mãe de Conceição “que gostava que eu continuasse os estudos” mas as posses eram poucas. “A minha mãe casou de segundas núpcias com o meu pai, que tinha perdido a primeira mulher muito novo e tinha três filhos pequenos”, conta ao desfiar a história daquele amor “à primeira vista”. É que a mãe de Conceição “tinha o seu namorado, mas o meu pai apareceu e foi amor à primeira vista” e fruto desse amor nasceu Conceição que passou a ser a irmã mais nova de dois rapazes e uma rapariga.
Terminada a instrução primária e com a indicação da professora que Conceição teria possibilidade de ir mais além nos estudos, a família tomou a decisão de enviar a mais nova da família para a Ribeira das Tainhas, para casa dos padrinhos e dos avós, para que estudasse. “Fiz o curso dos liceus no Externato de Vila Franca do Campo” e logo após chegar à Ribeira das Tainhas “encontrei o Gabriel que se apaixonou por mim e andámos sempre juntos” e até a ia levar a casa à Ribeira das Tainhas depois da escola.
Conheceram-se no Externato? “Não, o meu padrinho era colega de trabalho do pai dele, nas matanças de porco antigamente era uma festa, havia danças, música” e o pequeno Gabriel tinha o dom de tocar acordeão e viola juntamente com o pai. “Ele tocava acordeão e o meu sogro viola e vice-versa. E eu muito espantada a olhar para ele a vê-lo tocar aquele instrumento”, conta.
Lá encetaram namoro e decidiram ambos fazer o Magistério Primário, primeiro Gabriel e depois Conceição, e aos 18 anos ela já era professora. Como morava nas Furnas, os primeiros anos onde deu aulas foi na Ribeira Quente e depois foi para a escola das Furnas. Mas o namoro continuava sempre e os planos eram feitos a longo prazo entre os namorados.
Os “nossos dinheirinhos” eram guardados já a pensar nesse futuro e foram comprando o dote. “Seis lençóis de baixo, seis lençóis de cima, e pouco mais”, ao que Gabriel complementa “e o bacio. Cada um tinha o seu”, diz divertido. Se bem que o pai de Conceição era pedreiro e a família tinha casa de banho, apesar de ser no quintal, “toda completa com bidé e banheira em betão armado”.
Conceição chegou a fazer algumas rendas para o dote e a bordar alguns lençóis, mas conta que teve a ajuda da mãe que também ajudou a bordar alguns lençóis e outros “pus numa senhora de fora. Mas muito pouco porque o dinheiro era pouco”.
Naquele tempo eram ambos professores agregados, o que significa que só recebiam o ordenado durante o tempo de aulas, nas férias não recebiam. Essa regalia era só quando ficassem efectivos. Essa era portanto uma pretensão e Conceição concorreu para ficar efectiva e foi colocada na Povoação. Por isso tomaram uma decisão: “com o dote mais ou menos alinhavado”, compraram “a mobília de dormir” e decidiram casar pelo civil.
Conceição explica que na altura havia a chamada Lei dos Cônjuges que, basicamente, definia que havendo dois professores casados não poderiam ficar efectivos muito longe um do outro. Já casados, Conceição e Gabriel usaram essa legislação para ela pedir efectivação em Vila Franca do Campo. Foi colocada em Água D’Alto e o casal foi viver para casa dos pais dele. “Foi um amor e uma cabana, mas como viemos para casa dos pais dele não precisávamos de muito mais”, conta.
Conceição tinha 22 anos quando casaram e recorda que sempre gostou dos seus alunos quase como sendo seus filhos. Aliás quando começou com 18 anos a exercer a profissão “eles gostavam muito de mim e eu deles, eram os meus meninos. Mas não foi só na Ribeira Quente. Eu só estive em quatro escolas mas pergunto sempre às mães pelos nossos meninos”, conta. Em Vila Franca esteve na escola de Água D’Alto cerca de 15 anos e depois foi para a escola de São Pedro. Na primeira escola era onde leccionava também Gabriel Cravinho e o casal desdobrava-se nas tarefas escolares. Ela ficava com os meninos mais novos e mais infantis que chegavam para a 1ª classe e ficava com eles até á 2ª. Depois era Gabriel que ficava com eles na 3ª e 4ª classes. “hoje em dia isso era impossível”, nota.
Mas o que é certo, e faz ponto de honra nisso, é que os seus alunos ainda a conhecem na rua. “Eles conhecem-me na rua e de que maneira. A professora primária marca muito”, refere.
Conceição também foi catequista durante muitos anos e foi também, juntamente com o marido, responsáveis por leccionar os cursos de preparação para o matrimónio. E consequentemente os seus dois filhos – “sou mãe de três mas o primeiro filho faleceu no parto” – também estiveram sentados na sua sala de aula e na catequese. “Não havia favorecimentos, até exigia mais deles”, recorda.
Agora reconhece que não seria possível que isso acontecesse. E até mesmo as crianças são diferentes daquele tempo. O tempo em que ainda se recorda de sempre ter sonhado em ser professora “desde a instrução primária nas redacções eu dizia que queria ser professora”. Porque o professor era “o nosso ídolo quando somos pequenos. Agora querem ser cantores e youtubers”.
“Fui uma professora
que ensinava brincando”