Discreto cinéfilo caseiro, o Rúben aprimorou a arte de, com elevado pormenor no grande plano a pêlos púbicos e pénis erectus, filmar momentos de elevada intimidade que, ao que parece, não era suposto partilhar com mais alguém.
Infelizmente, um grupo de colegas da turma, fez-lhe a gentileza, não só de desviar o telemóvel para parte incerta, como aceder aos ficheiros de .mov que ele, adolescente cinéfilo embrenhado na sua narcísica abordagem corpórea, mantinha numa pasta virtual.
Durante algumas semanas, a privacidade invadida foi apenas do conhecimento da escola quase toda, com os ficheiros a circular alegremente de telemóvel em telemóvel, as boquinhas ordinárias e tabefes de frases de urinol entregues com inadequada elegância e cortesia ao adolescente irresponsável.
Por fim, uma mãe, mais atenta e controladora, apercebeu-se que, nas mensagens privadas do Facebook, a sua filha recebera, não um ramo virtual de flores de algum amiguinho ocasional, mas um opulento pénis adolescente em estado de quase graça.
Com os parentes estatelados na lama, indagou a fundo a ocorrência e devolveu à escola a aterradora descoberta.
A única coisa de que os professores se tinham apercebido era que o Rúben se isolara subitamente, permanecia mais calado e introspectivo do que o normal, andando sempre solitário e com um aparente ar deprimido.
A própria família, embrenhada nos seus afazeres, não notara a mínima alteração naquele jovem, à exceção de expulsar a mãe do quarto com agressividade mais agravada do que a costumeira.
Ninguém, nenhum adulto, até àquele instante, se indagou com a mudança, estranhou a cumplicidade aviltada da turma que lhe encostava, orgulhosamente e de forma ostensiva, um punhal de desprezo e escárnio à garganta.
Se porventura algum professor referia estranheza no comportamento dos adolescentes, logo outro colega, mais sapiente e atento, comungava da opinião de serem todos “farinha do mesmo saco”, agora zangados, logo a seguir tão amigos, sem nunca questionar, sem nunca querer saber, sem nunca se inquirir a si próprio onde acaba a tristeza e começa o sofrimento alheio.
Talvez seja apenas uma espécie antiga de “bullying”, disfarçada com roupagens novas e mais apelativas.
Talvez o Rúben seja o único culpado por atrair a si próprio a consequência dos seus atos, ou toda a turma seja a verdadeira culpada por propagar lixo e o mastigar sem compaixão.
Feitas as contas, ninguém sai impune. Porém, vale a pena questionar: como ensinamos os nossos jovens a parar e refletir os seus atos?
Como conseguimos nós, pedagogos e pais, lidar com este futuro narcísico que se desvenda, antropofágico de emoções e valores?