A falta de professores nunca existiu
No final da passada semana, o Ministro da Educação garantiu que tinha resolvido 90% do problema dos alunos sem professor desde o início do ano a, pelo menos, uma disciplina. Com isso, quis dizer à opinião pública que já tinha cumprido antecipadamente uma das promessas feitas no Verão.
O que pode ser tecnicamente verdade, mas oculta diversas outras verdades. Desde logo, a do número de alunos que continuam sem professor a uma ou mais disciplinas. Outra verdade é que não sabemos se esses alunos que estiveram com professores em todas as disciplinas, os tiveram em simultâneo e por quanto tempo. Será que conta o tempo em que determinados horários foram “atribuídos” a alguém que nem sequer leccionou uma semana de aulas, antes de ir para outras paragens?
O indicador que foi definido parece de verificação objectiva, mas deixa de fora muitas questões, a começar por “como foi isso conseguido”? Embora existam pistas. Por exemplo, no documento divulgado no dia 22 de Novembro, o Ministério da Educação informa que foram atribuídas 8.540 horas a 3.615 docentes e que em 67% dos casos isso significou um acréscimo de 1-2 aulas semanais. Claro que, por contacto directo, se sabe que muitos docentes receberam mais horas do que essas, pois é permitido “atribuir” até 5 horas extraordinárias, sem a anuência de quem é contemplado.
Em notícia do Expresso desse mesmo dia, era divulgado que “uma das medidas com mais impacto” na redução dos alunos sem professor tinha sido – note-se a escolha de palavras – o “pagamento” de horas extraordinárias a mais de 2.000 professores.
Acrescenta-se que a maioria só está a fazer mais 1-2 horas, “o que não representa uma grande sobrecarga”. Ou seja, dá-se a entender que pagando horas o problema se resolve. Do que se extrapola que só existem ainda alunos sem aulas porque não se pagaram mais horas e não se quis “sobrecarregar” os professores. No limite, que a falta de professores tem fácil solução: basta “pagar” horas extraordinárias. Não é bem assim. Estão mesmo a ser cumpridas as horas “atribuídas”?
Mas, há outra via rápida para que os alunos fiquem com todas as aulas: numa interpretação curiosa de uma formulação vaga no artigo 9.º do Decreto-lei 51/2024, em formação dada aos directores, foi-lhes sublinhado que existe a possibilidade de contratarem técnicos especializados “sem habilitação científica adequada” (sic) que podem realizar “actividades com os alunos, mas não concorrem para a disciplina e não são avaliadas, e no ano seguinte as aulas têm de ser repostas”.
Em outra sessão, acrescenta-se que tais técnicos nem sequer precisam ser da área disciplinar de que falta professor.
Em suma, basta contratar uma espécie de monitores de ATL e os alunos passarão a estar ocupados.
No fundo, a falta de professores é capaz de nunca ter existido.
Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico.
3 comentários
A questão das horas extraordinárias deveria merecer uma atenção especial. Não discuto, sequer, a eficácia ou alcance da medida.
Importava pôr na ordem do dia os valores que estão a ser pagos. O IGEF, mais uma vez, manda pagar valores que não estão de acordo com o ECD. Nesta altura as horas extraordinárias são pagas a quase metade do valor correto.
Este é que os topa a léguas e não há jornalistas nem políticos que queiram aprender com professores que sabem daquilo que falam. Portanto, não há qualquer vontade de resolver problemas.
Apenas interessa manipular opiniões.
Hilariante este texto do Guinote!