Opinião de Paulo Guinote – A falta de professores nunca existiu

A falta de professores nunca existiu

 

No final da passada semana, o Ministro da Educação garantiu que tinha resolvido 90% do problema dos alunos sem professor desde o início do ano a, pelo menos, uma disciplina. Com isso, quis dizer à opinião pública que já tinha cumprido antecipadamente uma das promessas feitas no Verão.

O que pode ser tecnicamente verdade, mas oculta diversas outras verdades. Desde logo, a do número de alunos que continuam sem professor a uma ou mais disciplinas. Outra verdade é que não sabemos se esses alunos que estiveram com professores em todas as disciplinas, os tiveram em simultâneo e por quanto tempo. Será que conta o tempo em que determinados horários foram “atribuídos” a alguém que nem sequer leccionou uma semana de aulas, antes de ir para outras paragens?

O indicador que foi definido parece de verificação objectiva, mas deixa de fora muitas questões, a começar por “como foi isso conseguido”? Embora existam pistas. Por exemplo, no documento divulgado no dia 22 de Novembro, o Ministério da Educação informa que foram atribuídas 8.540 horas a 3.615 docentes e que em 67% dos casos isso significou um acréscimo de 1-2 aulas semanais. Claro que, por contacto directo, se sabe que muitos docentes receberam mais horas do que essas, pois é permitido “atribuir” até 5 horas extraordinárias, sem a anuência de quem é contemplado.

Em notícia do Expresso desse mesmo dia, era divulgado que “uma das medidas com mais impacto” na redução dos alunos sem professor tinha sido – note-se a escolha de palavras – o “pagamento” de horas extraordinárias a mais de 2.000 professores.

Acrescenta-se que a maioria só está a fazer mais 1-2 horas, “o que não representa uma grande sobrecarga”. Ou seja, dá-se a entender que pagando horas o problema se resolve. Do que se extrapola que só existem ainda alunos sem aulas porque não se pagaram mais horas e não se quis “sobrecarregar” os professores. No limite, que a falta de professores tem fácil solução: basta “pagar” horas extraordinárias. Não é bem assim. Estão mesmo a ser cumpridas as horas “atribuídas”?

Mas, há outra via rápida para que os alunos fiquem com todas as aulas: numa interpretação curiosa de uma formulação vaga no artigo 9.º do Decreto-lei 51/2024, em formação dada aos directores, foi-lhes sublinhado que existe a possibilidade de contratarem técnicos especializados “sem habilitação científica adequada” (sic) que podem realizar “actividades com os alunos, mas não concorrem para a disciplina e não são avaliadas, e no ano seguinte as aulas têm de ser repostas”.

Em outra sessão, acrescenta-se que tais técnicos nem sequer precisam ser da área disciplinar de que falta professor.

Em suma, basta contratar uma espécie de monitores de ATL e os alunos passarão a estar ocupados.

No fundo, a falta de professores é capaz de nunca ter existido.

Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico.

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3 comentários

    • Zeca Lima on 28 de Novembro de 2024 at 21:29
    • Responder

    A questão das horas extraordinárias deveria merecer uma atenção especial. Não discuto, sequer, a eficácia ou alcance da medida.
    Importava pôr na ordem do dia os valores que estão a ser pagos. O IGEF, mais uma vez, manda pagar valores que não estão de acordo com o ECD. Nesta altura as horas extraordinárias são pagas a quase metade do valor correto.

    • SL on 28 de Novembro de 2024 at 22:33
    • Responder

    Este é que os topa a léguas e não há jornalistas nem políticos que queiram aprender com professores que sabem daquilo que falam. Portanto, não há qualquer vontade de resolver problemas.
    Apenas interessa manipular opiniões.

    • Voilá on 29 de Novembro de 2024 at 9:04
    • Responder

    Hilariante este texto do Guinote!

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