Fiz uma lista das profissões mais precárias em Portugal e comecei pelos trabalhadores do sector agrícola, da produção primária ensinada na Escola Primária e aqui estão eles, os trabalhadores da apanha da fruta dependentes das estações e da vontade política a escassear nos dias de hoje nas fronteiras e, no entanto, cá em casa ninguém quer trabalhar, não nestas condições laborais, as quais rimam com condições salariais.
Seguem-se os trabalhadores da restauração e hotelaria, os cozinheiros, ajudantes de cozinha, os empregados de mesa e de bar cujos contractos temporários, quando os têm, são sempre baixos face à carga horária.
Carga horária essa concomitantemente elevada quando se trabalha em telemarketing e onde as metas a atingir entre 100 contractos por dia para a operadora, por exemplo, entram na lista das anedotas e o melhor é rir quando se está a prazo.
Os estafetas e os trabalhadores de transporte em veículos descaracterizados não têm menos razões de queixa na ausência de contractos estáveis e direitos laborais e o famoso futuro liberal do empreendedorismo e da liberdade de sermos quem quisermos não é senão uma grande patranha e o país a soldo.
Os trabalhadores do sector das limpezas domésticas, industriais e públicas são os próximos na lista e as razões estão à vista de todos nos baixos salários e nos contractos temporários (se os tiverem).
E depois temos os profissionais das artes e da cultura entre actores, músicos e pessoal técnico sem contracto fixo, com trabalho ocasional e sem apoios sociais.
Sem esquecer os pedreiros, os serventes, os operadores de caixa, repositores, assistentes de loja e os auxiliares em lares onde os primeiros estão sujeitos aos riscos da construção civil e todos sujeitos a contractos temporários (e mais uma vez repito quando os mesmos existem), elevada carga horária e baixa remuneração.
Por fim, para não começar pelo princípio, temos os profissionais do ensino, os professores, os licenciados e o meu primo foi colocado em Quadro de Zona Pedagógica a semana passada e nem imaginam o alarido nesta família, até porque o meu primo tem 48 anos e anda nesta vida há 26 entre contratações anuais, substituições de parturientes, anos transactos sem trabalhar fruto de erros da secretaria na devida graduação (e não obstante a intervenção do sindicato a culpa a morrer solteira), mais contractos anuais incapazes de pagar o quarto e as deslocações e portanto valham-nos os pais a pagar para um filho poder trabalhar e talvez te caiam algumas migalhas, talvez tenhas sorte e esta é a nossa cruz, esta é a via-sacra, esta é a esperança e a esperança é a última a morrer.
A esperança e não os pais, entenda-se, pois na ausência dos pais não há quem acuda ao meu primo e um professor, já se sabe, só sabe ensinar.
E na sua precariedade e instabilidade a precariedade e instabilidade de um país e por aqui se entendem as décadas de desinvestimento no ensino público quando o intuito é a subjugação de uma população ignara e qual o professor com vontade de ensinar, de partilhar, de aprender na míngua salarial, sem carreira nem muito menos certeza de um trabalho em Setembro ou qual a escola e a falta de memória do último Verão em paz é proporcional ao número de cabelos brancos, quando os há.
E se o alarido cá em casa foi muito (ainda me atiraram à cara o porquê de não ser como o meu primo e a resposta neste texto) a ansiedade estival será, hoje e sempre, uma constante.
Uma coisa é certa: na ausência de uma catástrofe, a subsistência está garantida e ao fim de 26 anos os meus tios já podem usufruir da reforma em paz.
Nós não podemos dizer o mesmo.
10 comentários
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É louvável o/a autor/a não fazer uso do pavoroso AO90, mas, contrato já era contrato, e não “contracto” (muito embora, etimologicamente, seja compreensível).
Se o primo não tivesse ninguém para lhe pagar as contas se calhar já tinha arranjado emprego noutro sítio e enveredado por outra carreira. Não é sequer lógico trabalhar e desse trabalho não sobrar nada para se fazer face äs despesas mais básicas, comida, roupa, casa. Não tenho pena deste primo, pois teve sempre quem o protegesse e lhe pagasse as contas ao contrário de muita gente que não tem ninguém.
Um professor só sabe ensinar?! Que parvoíce! Esse primo professor acostumou-se mal à ajuda do papá e da mamã. O mundo real não é esse. Nunca tive pais para me ajudar e durante mais de uma década com horários incompletos no ensino, trabalhei em acumulação de funções numa caixa de supermercado e não morri, bem pelo contrário. O contrato não era de todo precário. No fim de 2 anos passaram-me efetivo e no ano seguinte queriam me colocar como chefe de secção, coisa que sempre recusei para dar prioridade ao ensino. Deixem-se de lamúrias mas é….
Trabalhou 6 horas em acumulação num supermercado?
É que era o máximo que se podia trabalhar por semana em acumulação.
Curioso, não é?!
Um professor não sabe fazer mais nada?
Bem esse primo deve ser um Beto. Ou será um Bert?
Vejo muitos licenciados a terem um segundo trabalho a meio tempo. E por aqui me calo, que tenho 3 formações superiores na área do ensino e fui eu que paguei todos os custos.
Já não há jovens e adultos como a minha geração.
Sou professora e bombeira. A SÉRIO? Descobri que apagar incêndios e salvar vidas não conta como conhecimento. É uma vergonha o que se escreve. E já fiz tanta outra coisa. Enfim…
Quem escreveu isto???
Problemas existenciais dos mimados????
Contracto não levava “c” mesmo antes do AO90. Se levou antes não sei. Mas andei na escola primária nos anos 80 e isso já era assim nessa altura. É um bocado estranho. E atenção que não gosto do que fizeram com a língua portuguesa com o AO. O “pára” passou a ser “para”, entre muitos outros exemplos, sem nexo fácil de entender.
Não concordo com a opinião estulta de que ser professor é a profissão mais precária do mundo, mas provavelmente é a profissão onde mais gente se queixa do que faz. Aconselho a esses pobres coitados que sigam o senso comum: se estão assim tão mal, mudem-se….