16 de Junho de 2024 archive

ISTO NÃO PASSA NAS NOTÍCIAS… Carlos Santos

 

Há alturas, locais e pessoas que não se esquecem…
Não há dúvida de que os alunos estão cada vez mais indisciplinados e lidar com os pais vai-se tornando mais difícil a cada ano.

Dominados pelo peso do trabalho, as semanas não passavam, os dias arrastavam-se e, sem aviso, num ápice, somos apanhados pelo inesperado do último dia, da última aula, do derradeiro sorriso, daquele brilho no olhar…
Quantos de nós, na última aula não recebemos cartazes, cartas, desenhos e palavras de gratidão e de afeto dos nossos alunos?
Quantos pais, nas reuniões de entrega das avaliações, ou mesmo, ocasionalmente, na rua, nos endereçaram palavras de gratidão pela influência que fomos para os seus filhos?
Quantos não foram os alunos que nos abraçaram, choraram e nos endereçaram palavras comoventes no último dia de aulas?
Mesmo aqueles alunos de quem menos esperávamos, vimos reações que nos emocionaram. Possivelmente, mesmo quando os repreendíamos, fomos os únicos que lhes prestávamos tenção. No meio de toda a partilha de conhecimento, sem nos darmos conta, transmitimos ensinamentos para a vida e figurámos como modelos de referência para muitos deles e, essencialmente, estivemos presentes.

Mas isto não passa nas notícias, não vende jornais, não aumenta o salário, não abre vagas nas escolas mais perto de casa, não alivia o excesso de trabalho nem repõe muita da injustiça que nos tem sido dirigida, mas define o que realmente somos para quem diariamente está connosco nas nossas aulas. Na verdade, à imprensa, que procura sangue farejando atrás de alguma imprecaução do pedagogo, não lhe interessam estas miudezas insignificantes.

Se calhar sou eu que estou a ficar demasiado mole… se calhar, no meio de tantas lutas, burocracia, ofensas propagadas na comunicação social e a cíclica incompreensão ministerial e popular, acabamos por nos esquecer da importância que representamos na vida dos nossos estudantes e a perceção por parte de alguns pais. Expressões como “agradecido pela paciência, pela partilha de conhecimento, pelos ensinamentos para a vida”, “respeito pelo seu trabalho”, “admiração”, “fez pensar e refletir”, “gratos e honrados pelos professores que teve e por todos os ensinamentos” e tantas outras palavras, fazem-nos acreditar que, apesar de tantos sacrifícios, ainda vale a pena sermos professores.
Mas, escutar as palavras que afloravam da boca dos alunos “vamos ter saudades suas” ou “gostávamos tanto que continuasse a ser nosso professor”, tocam-nos e lembram-nos da enorme responsabilidade e do privilégio ímpar de estarmos a desempenhar a mais importante profissão do mundo; uma profissão que faz mudar vidas; que algures no meio do desempenho das nossas obrigações, nas nossas salas de aula, está a acontecer algo muito especial; que diante nós, diariamente, estão os jovens que irão mudar o mundo, cada um deles uma pessoa especial que irá fazer coisas extraordinárias ao longo da vida (palavras que faço sempre questão de partilhar com eles); mas, acima de tudo, termos a noção de que, mesmo com as nossas falhas, de uma ou de outra forma, todos nós contribuímos para aquilo que mais desejamos – que eles venham a ser felizes.

Mais outra escola que irei deixar ficar para trás, deixando mais pedaços de mim espalhados por todos os que conheci. Carregando na bagagem este misto de bênção e maldição, na hora da despedida, levamos connosco um aperto no peito de saudade de todos os que iremos deixar para trás e a riqueza das experiências que acumulámos e dos laços que criámos, que irão ficar incrustados para sempre na nossa memória.

Parabéns a todos os professores pelo excelente trabalho que realizámos, o qual não é possível ser mensurado em nenhuma grelha Excel, nem cabe em nenhuma quota de avaliação, porque abarca emoções, formação de caráter e o trabalho que realmente conta, que só quem está diariamente nas escolas é que compreende e sabe o que efetivamente significa e a importância que representa na vida das nossas crianças e jovens.

Carlos Santos

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Colocações em Reserva de Recrutamento nos Últimos 15 Anos

O próximo quadro só é possível de apresentar porque ao longo dos últimos 15 anos o Blog tem retirado semanalmente os dados de todas as reservas de recrutamento, o que tem sido um trabalho exausto, mas que serve para uma melhor análise do que tem sido a evolução das colocações de professores através deste mecanismo.

Nem sei se o próprio Ministério da Educação analisa estas dados e se toma decisões políticas em função dos mesmos. Muitas vezes penso que não, porque o número de necessidades que surgem ao longo do ano deveriam ser residuais e ultrapassam sempre o patamar da residualidade.

No período da Troika tivemos números bastante reduzidos, não apenas porque foram cortados recursos, mas também porque nesse período as Reservas de Recrutamento duravam apenas até final do 1.º período.

A partir de 2016/2017 verificamos um aumento das contratações por reserva de recrutamento para números acima das vinte mil por ano, e apesar do elevado número de vinculados a partir dessa data o número destas necessidades não baixou significativamente.

Com exceção deste ano letivo que por força do elevado número de professores em falta, o número de colocados em Reserva de Recrutamento baixou para perto de vinte mil, mas com toda a certeza aumentou exponencialmente o número nas Contratações de Escola (dados que não dispomos, porque teria de ser feito um trabalho diário a retirar os horários em concurso e a nossa paciência dura mais ou menos até final de Dezembro de cada ano).

Para acederem ao quadro em formato pdf clicar aqui ou na imagem do quadro.

 

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A vida sob videovigilância nas escolas

 

A recolha de imagem de docentes, discentes, auxiliares e público em geral dentro de um estabelecimento de ensino deve estar claramente sinalizada.
De igual modo, deve a escola dispor de sinalética a sublinhar o direito de cada um a aceder às suas imagens de acordo com a lei de protecção de dados.
Qual o propósito do uso de videovigilância? Na escola do Luís, uma escola de e para alunos problemáticos, a resposta é óbvia não fossem os problemas de comportamento constantes e o uso de câmaras um garante do bem estar de alunos e adultos em redor.
Apesar da resposta óbvia, não há um sinal indicativo sequer, ao invés sendo o sinal a ameaça diária de colegas e demais auxiliares de denúncia do Luís caso o mesmo aja de determinada forma.
Ora, como ainda ninguém explicou ao Luís o significado de agir de determinada forma mais respectivos exemplos, o Luís não age, só reage, e o medo é constante.
Medo, e nesta altura nada como falar de saúde mental quando a pressão é constante a partir do momento de entrada na escola, cumprimentar como deve ser todos os colegas e alunos, entrar a horas na sala de aula e a todas as horas durante o dia entrar a horas e à hora certa na sala de aula não vá haver uma queixa e há sempre quem esteja de olhos nas câmaras de circuito fechado.
As idas à casa de banho são portanto e por conseguinte devidamente controladas, não vá o Luís demasiadas vezes à casa de banho e de imediato a conduta profissional em causa e a devida reunião com o Coordenador de Departamento.
Talvez por ser este um dos poucos poderes à disposição de quem trabalha na escola do Luís e a bufaria a melhor maneira de passar o tempo.
E o Luís a vítima ideal a dançar ao tom da música e quem a toca é quem verdadeiramente manda.
E o emprego do Luís em causa, sempre em causa, e os colegas já lhe disseram, tal como dizem todos os dias, serem as suas ameaças apenas uma piada só porque o Luís é estrangeiro e o Luís cala e consente por não querer voltar para a sua terra onde para além de terra não há mais nada.
Entretanto, o Luís já deixou de ir à casa de banho e para não ter de ir deixou de comer e beber durante o dia em longos jejuns de praticamente 24 horas e comer só mesmo em casa, longe das câmaras, longe da vigilância, longe da denúncia.
Poder-se-ia dizer estarmos de volta ao tempo da outra senhora e a outra senhora somos nós entre câmaras de videovigilância, alunos de telemóvel em riste e agora e claramente visíveis e audíveis todas as manifestações na rua mais a mensagem clara para quem neste país pretende trabalhar.
E sim, existe o direito individual à objecção de recolha de imagem mas ai de quem objecte e nas outras escolas é igual.
Nas ruas é igual, a caminho de casa é igual, mas compras também, a ida ao cinema, o café ao balcão, à entrada da praia e graças à inteligência artificial agora já temos câmaras com reconhecimento facial e a vida do Luís é um verdadeiro filme e o Luís o cidadão exemplar, o profissional exemplar, o professor exemplar e devidamente bem comportado a começar todas as frases com “desculpe” e a acabar num “obrigado” e o porquê de pedir desculpa para existir.
Subserviência.
Devidamente bem comportado e uma presença regular nas redes sociais dos seus alunos apesar da proibição do uso de telemóveis na sala de aula e o Luís uma estrela do YouTube, TikTok, Instagram, Facebook,
X, WhatsApp, Telegram e a lista continua ao ritmo das novidades e das idades dos petizes.
Não há fim à vista a não ser quando o Luís chega a casa, o seu porto de abrigo, e não fosse o facto de o vizinho da frente ter agora uma daquelas campainhas com câmara e talvez tudo estivesse bem.

 

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