Há alturas, locais e pessoas que não se esquecem…
Não há dúvida de que os alunos estão cada vez mais indisciplinados e lidar com os pais vai-se tornando mais difícil a cada ano.
Dominados pelo peso do trabalho, as semanas não passavam, os dias arrastavam-se e, sem aviso, num ápice, somos apanhados pelo inesperado do último dia, da última aula, do derradeiro sorriso, daquele brilho no olhar…
Quantos de nós, na última aula não recebemos cartazes, cartas, desenhos e palavras de gratidão e de afeto dos nossos alunos?
Quantos pais, nas reuniões de entrega das avaliações, ou mesmo, ocasionalmente, na rua, nos endereçaram palavras de gratidão pela influência que fomos para os seus filhos?
Quantos não foram os alunos que nos abraçaram, choraram e nos endereçaram palavras comoventes no último dia de aulas?
Mesmo aqueles alunos de quem menos esperávamos, vimos reações que nos emocionaram. Possivelmente, mesmo quando os repreendíamos, fomos os únicos que lhes prestávamos tenção. No meio de toda a partilha de conhecimento, sem nos darmos conta, transmitimos ensinamentos para a vida e figurámos como modelos de referência para muitos deles e, essencialmente, estivemos presentes.
Mas isto não passa nas notícias, não vende jornais, não aumenta o salário, não abre vagas nas escolas mais perto de casa, não alivia o excesso de trabalho nem repõe muita da injustiça que nos tem sido dirigida, mas define o que realmente somos para quem diariamente está connosco nas nossas aulas. Na verdade, à imprensa, que procura sangue farejando atrás de alguma imprecaução do pedagogo, não lhe interessam estas miudezas insignificantes.
Se calhar sou eu que estou a ficar demasiado mole… se calhar, no meio de tantas lutas, burocracia, ofensas propagadas na comunicação social e a cíclica incompreensão ministerial e popular, acabamos por nos esquecer da importância que representamos na vida dos nossos estudantes e a perceção por parte de alguns pais. Expressões como “agradecido pela paciência, pela partilha de conhecimento, pelos ensinamentos para a vida”, “respeito pelo seu trabalho”, “admiração”, “fez pensar e refletir”, “gratos e honrados pelos professores que teve e por todos os ensinamentos” e tantas outras palavras, fazem-nos acreditar que, apesar de tantos sacrifícios, ainda vale a pena sermos professores.
Mas, escutar as palavras que afloravam da boca dos alunos “vamos ter saudades suas” ou “gostávamos tanto que continuasse a ser nosso professor”, tocam-nos e lembram-nos da enorme responsabilidade e do privilégio ímpar de estarmos a desempenhar a mais importante profissão do mundo; uma profissão que faz mudar vidas; que algures no meio do desempenho das nossas obrigações, nas nossas salas de aula, está a acontecer algo muito especial; que diante nós, diariamente, estão os jovens que irão mudar o mundo, cada um deles uma pessoa especial que irá fazer coisas extraordinárias ao longo da vida (palavras que faço sempre questão de partilhar com eles); mas, acima de tudo, termos a noção de que, mesmo com as nossas falhas, de uma ou de outra forma, todos nós contribuímos para aquilo que mais desejamos – que eles venham a ser felizes.
Mais outra escola que irei deixar ficar para trás, deixando mais pedaços de mim espalhados por todos os que conheci. Carregando na bagagem este misto de bênção e maldição, na hora da despedida, levamos connosco um aperto no peito de saudade de todos os que iremos deixar para trás e a riqueza das experiências que acumulámos e dos laços que criámos, que irão ficar incrustados para sempre na nossa memória.
Parabéns a todos os professores pelo excelente trabalho que realizámos, o qual não é possível ser mensurado em nenhuma grelha Excel, nem cabe em nenhuma quota de avaliação, porque abarca emoções, formação de caráter e o trabalho que realmente conta, que só quem está diariamente nas escolas é que compreende e sabe o que efetivamente significa e a importância que representa na vida das nossas crianças e jovens.
Carlos Santos