Escolas pedem centenas de professores por semana
Ao Agrupamento de Escolas da Baixa da Banheira, na margem sul do Tejo, tem aparecido “de tudo”: farmacêuticas, um ex-engenheiro da Telecom à beira da reforma, um médico interno à espera de iniciar o internato, pessoas de 50 anos que nunca deram aulas. “Só no grupo de Matemática tenho cinco professores com habilitação própria”, descreve o diretor, referindo-se à necessidade cada vez maior que as escolas têm tido de recorrer a diplomados sem mestrado em ensino. Só no 1º período, as escolas públicas contrataram 3100 pessoas sem formação pedagógica (15% do total de contratações), mais do que em todo o ano letivo anterior.
Este agrupamento do concelho da Moita, inserido num meio socioeconómico carenciado (e que tem por isso o estatuto de Território Educativo de Intervenção Prioritária), é um dos que mais tem sofrido com a falta de professores disponíveis para fazer substituições de quem se aposenta ou adoece. E muitas das pessoas que têm respondido aos horários publicitados pelas escolas ao longo do ano — fase que acontece depois de esgotadas as listas nacionais de recrutamento, onde constam os professores profissionalizados — não têm formação em ensino e/ou experiência. “Tenho 20 professores que é a primeira vez que dão aulas e a quem tivemos de atribuir direções de turma. No de Física e Química, tirando eu, não há mais nenhum professor do quadro”, desfia o diretor, José Manuel Lourenço, que não esconde a “dor de alma” de assistir a estas dificuldades.
Aparecem farmacêuticos, engenheiros, pessoas à beira da reforma que nunca deram aulas. E desistem
Com 65 horas extraordinárias já atribuídas a professores da casa e a quem já não pode atribuir mais trabalho, a manta não estica mais. E há dois horários que, desde o início do ano letivo, não conseguiu atribuir a ninguém. Um de Biologia e Geologia e outro de Educação Física. “O último candidato que aceitou era do norte e acabou por denunciar porque não compensava”, conta. Outros que aceitam acabam por ter de viver em “condições degradantes”, em quartos onde pagam “trezentos e tal euros”. Quanto aos alunos, mais de metade apoiados pelo escalão mais alto da ação social, acabam por ser “dupla e triplamente prejudicados”.
SEM AULAS DESDE O INÍCIO DO ANO
Apesar de esta não ser a situação generalizada no país, outras escolas de Lisboa, Setúbal e Algarve enfrentam dificuldades semelhantes. “Temos muito mais dificuldade em preencher os horários em oferta de escola, uma boa parte são ocupados por professores com apenas habilitação própria e outros acabámos por ter de partir aos bocadinhos e distribuir em horas extraordinárias. Há professores a quem já atribuímos mais seis horas”, conta Rosa Chaves, da direção do Agrupamento de Silves e outro dos que mais horários pediu até agora. Ou seja, cujos alunos têm tido mais furos. Há uma turma do 9º ano que ainda não teve qualquer aula de Física e Química e duas do ensino profissional, incluindo uma do ano terminal, com falta de um formador. Sem esse módulo concluído não podem terminar o curso.
Ao Expresso, o Ministério esclarece que nesta situação — horários em falta desde o início do ano letivo — há “apenas sete, na sua maioria parciais”, quase todos em Lisboa e correspondendo a muito poucas turmas face ao universo total.
MAIS BAIXAS MÉDICAS
Ao longo do 1º período, as escolas registaram na plataforma do Ministério da Educação (ME) 13 mil pedidos de horários em oferta de escola, a esmagadora maioria dos quais decorrentes da inexistência de professores interessados nas listas nacionais de recrutamento. Dividindo por 15 semanas de aulas, dá uma média superior a 800 horários por semana, contabiliza Davide Martins, professor de Matemática e que costuma fazer a análise das colocações no blogue de “Educação DeArLindo”. Nem todos correspondem a novas necessidades: os que não receberam candidatos, por exemplo, têm de ser registados de novo e o Ministério diz que o número mais correto andará à volta dos 8 mil (sem duplas, triplas e mais contagens) nos primeiros três meses do ano letivo.
Mas mesmo olhando apenas para esse número, o facto de haver horários que semana após semana se repetem na plataforma confirma as dificuldades em arranjar professores disponíveis e que, pelo menos durante esse período, há alunos nessas escolas que ficam sem aulas a uma ou mais disciplinas.
A análise destes horários lançados para contratação de escola também mostra que 70% se situam nos distritos de Lisboa, Setúbal e Faro. E, dentro destes, há escolas que se destacam por já terem lançado mais de uma centena de pedidos desde o início do ano letivo. A ressalva volta a ter de ser feita: vários dizem respeito ao mesmo horário vazio, que têm de ser novamente registados se não aparecerem candidatos.
Quanto aos motivos que dão origem ao surgimento de vagas, o Ministério diz que são os habituais e que “não diferem do que aconteceu em anos letivos anteriores”, nomeadamente baixas médicas, licenças de maternidade e paternidade e aposentações. E rejeita um agravamento das dificuldades no recrutamento.
Davide Martins discorda do diagnóstico da tutela e apresenta outras contas. Comparando o número de horários que estiveram em oferta de escola no início do ano letivo passado até meados de novembro e igual período deste ano letivo, passou-se de 6600 para 10.400, exemplifica.
Já o dirigente sindical da Fenprof Vítor Godinho refere o problema das baixas como estando a ganhar dimensão: “As situações de doença estão a ter muito impacto. Pelas nossas contas, esta semana iniciou-se com 44 mil alunos sem a totalidade dos seus professores. Desses, em cerca de 35 mil estão em causa horários temporários (por um mês ou vários), que decorrem, na sua maior parte, por situações de baixa por doença. E cerca de 8500 têm que ver com horários anuais, que decorrem, na sua maioria, por aposentações.” O envelhecimento da classe docente torna mais prováveis e frequentes as situações de doença, a que acresce um “desgaste brutal” decorrente de muitas horas de trabalho além do normal, explica.
Outro dos problemas recorrentes prende-se com os candidatos que aceitam o horário, mas depois os rejeitam. “Na maior parte dos casos a desistência tem a ver com o facto de não conseguirem encontrar alojamento a preços que sejam sustentáveis em relação ao que vão ganhar na escola. O salário associado a um horário de 14 horas não chega para pagar um quarto na zona de Lisboa. E também há casos de pessoas que começam a dar aulas e depois desistem porque não estavam à espera da dimensão das exigências da profissão ou porque apanham turmas muito complicadas e não aguentam”. Mas estes são “casos pontuais”, diz, lembrando que só Ministério poderá saber quantos são aceites e depois recusados. “A única coisa que sabemos é quantos horários são colocados pelas escolas em cada dia”.