Arrisco afirmar que, no momento actual, todos os Professores que exercem funções nos Ensinos Pré-Escolar, Básico e Secundário da Escola Pública já foram prejudicados em algum momento da sua Carreira, ou em vários, independentemente da situação profissional em que cada um desses Professores se encontre e da muita ou pouca experiência que possa ter enquanto Docente…
Por certo, todos terão motivos para se poderem sentir insatisfeitos, injustiçados ou frustrados, o que não poderá deixar de se considerar como extraordinário, sobretudo se pensarmos que, no presente, existirão mais de 150.000 indivíduos a exercer funções docentes no Ensino Público (Pordata, dados relativos ao ano de 2022)…
E, neste caso, a expressão todos também significa muitos…
E significa, ainda, que o desânimo, a tristeza e a desmotivação vão consumindo e tomando conta de uma classe profissional numerosa que, ao longo dos últimos anos, foi reiteradamente desrespeitada e humilhada…
A Carreira Docente, actualmente afectada por quotas, afunilamentos, vinculações, reposicionamentos, concursos, travões, progressões, ultrapassagens, acelerações, congelamentos, avaliações de desempenho e mais um infindável número de outras manigâncias e malabarismos concebidos pela Tutela ao longo dos últimos anos, encontra-se em frangalhos…
A Carreira Docente encontra-se em frangalhos, já não aparenta, em stricto sensu, ser uma Carreira, apresentando-se antes como uma “manta de retalhos”, constituída por muitos pedaços desalinhados e incombináveis, executada de forma atabalhoada, sem preocupações de coesão ou de harmonia entre as partes que a compõem…
Depois de tantos malabarismos, ilusionismos e contorcionismos impostos pela Tutela já não há margem para qualquer coerência, unidade, equidade ou justiça numa Carreira cujas virtudes dificilmente alguém reconhecerá…
A Carreira Docente transformou-se num emaranhado de procedimentos tão confusos e tortuosos que até os próprios Professores têm, por vezes, dificuldades em compreender e dominar tais hermetismos…
Como se isso não bastasse, uma parte significativa daquela que é hoje a Classe Docente sofre, desde 2017, os efeitos ruinosos de um roubo inédito em Portugal, nunca visto noutras classes profissionais…
Com implicações definitivas e prejuízos irrecuperáveis na Carreira, o Governo de António Costa não teve qualquer reserva em prejudicar gravemente a Classe Docente:
– Mais de nove anos de tempo de serviço foram sonegados aos Professores, sem que essa decisão tenha tido, até hoje, alguma explicação aceitável do ponto de vista racional…
– Na realidade, os Professores foram roubados porque o Governo da altura assim o quis… E dificilmente se poderá encontrar outra explicação que não passe pela discricionariedade dessa decisão…
– A inadmissível chantagem realizada por António Costa em 2019, ameaçando com a demissão do Governo, se a Assembleia da República aprovasse o Diploma que previa a recuperação integral do tempo de serviço dos Professores, ilustra bem a obstinação de lesar essa classe profissional…
– Em 2024, continuam por recuperar 6 anos, 6 meses e 23 dias do tempo de serviço, roubados em 2017…
A transformação da Carreira Docente numa amálgama de partes sem coerência entre si, a barafunda de quotas, afunilamentos, vinculações, reposicionamentos, concursos, travões, progressões, ultrapassagens, acelerações, congelamentos, avaliações de desempenho e mais um infindável número de outras manigâncias e malabarismos concebidos pela Tutela terá tido como plausível objectivo fomentar a desunião e a discórdia entre Professores…
Da parte da Tutela, o objectivo de fomentar a desunião e a discórdia entre Professores parece ter sido alcançado com êxito e, pior ainda, algumas vezes, com a participação activa dos próprios Professores…
A forma como, dentro da Classe Docente, muitas vezes se hostilizam os pares, depreciando-os a propósito dos mais variados acontecimentos, demonstra bem que a indignação, a frustração ou o descontentamento são facilmente projectados e direcionados para os colegas de profissão…
Demasiadas vezes, os Professores parecem embrenhar-se em querelas autofágicas, travando algumas lutas fratricidas, cujo resultado mais óbvio acaba por ser a divisão insanável e permanente dessa classe profissional…
Enquanto os Professores estiverem entretidos com competições supérfluas e quezílias internas, bem poderão continuar os desvarios da Tutela…
Contudo, seria fácil boicotar vários desses desvarios, se os Professores estivessem predispostos a isso, mas a muitos parece faltar a coragem e o ânimo necessários para o concretizar…
Imagine-se, por exemplo, o “rebuliço” que se poderia causar na Avaliação do Desempenho Docente se Avaliadores e/ou Avaliados recusassem participar no logro das “Aulas Observadas” ou se todos os Avaliadores atribuíssem a classificação máxima aos seus Avaliados… O sistema aguentaria ou o seu colapso seria a consequência mais óbvia?
Mas quando se fala em divisão insanável e permanente, em desunião e discórdia entre Professores, é impossível não falar também dos Sindicatos que supostamente os representam…
De modo geral, os Professores olham para os Sindicatos de Educação e dificilmente vislumbram algum em que consigam confiar sem relutâncias ou que possa ser percepcionado e sentido como um autêntico Sindicato de todos os Professores…
Nos últimos anos, apenas o STOP, no início da sua actividade, pareceu capaz de alcançar esse feito, mas lamentavelmente também acabou “moribundo” e desacreditado…
No momento actual, os Sindicatos parecem ter “hibernado”, talvez remetidos ao conforto das “poltronas douradas”, como se nas escolas estivesse tudo bem ou como se não existissem motivos para contestações ou reivindicações…
No momento actual, os Professores olham para os Sindicatos que supostamente os representam e parecem considerá-los como sinónimos de submissão à Tutela, inércia e muita encenação, todos culminando na aceitação e na manutenção do statu quo…
Pelo que se viu ao longo dos últimos anos, parece claro que os Sindicatos de Educação dificilmente manifestarão a vontade de alterar “o estado actual das coisas” porque eles próprios fazem parte do “estado actual das coisas”…
Há muitos anos que os Professores se queixam dos mecanismos de progressão na Carreira, em particular da Avaliação do Desempenho Docente, e do actual modelo de Administração e Gestão Escolar…
Quantas acções concretas e eficazes, capazes de suscitar a adesão maciça dos Professores, foram empreendidas pelos Sindicatos no sentido de forçar a alteração, ou até mesmo a revogação, desses paradigmas?
Paradoxalmente, os Sindicatos de Educação também não têm servido para aglutinar e unir os Professores, constituindo-se, eles próprios, como focos de desunião docente…
Em vez de capitalizarem a insatisfação generalizada que grassa na Classe Docente em prol da união de classe profissional, têm vindo a desbaratar qualquer hipótese de concretizar essa convergência…
Quando existem, a “revolta” e a “indignação” dos Sindicatos face à Tutela costumam durar muito pouco tempo, como ilustra este emblemático exemplo:
– Em 15 de Maio de 2023, a FENPROF abandonou a reunião com o Ministério da Educação, que fazia parte da negociação suplementar, solicitada pelos próprios Sindicatos;
Após a saída, intempestiva, dessa reunião, o líder da FENPROF, Mário Nogueira, qualificou o que se passou nesse dia como: “Indecente, inaceitável, revoltante e um nojo” (Jornal Observador, em 17 de Maio de 2023), manifestando a sua indignação pela postura do Ministério da Educação;
Em 17 de Maio de 2023, a propósito dessa reunião, Mário Nogueira terá, ainda, afirmado: “Fomos figurantes de teatro” (Jornal Observador, em 17 de Maio de 2023), referindo-se às peripécias da reunião do dia 15 de Maio com o Ministério da Educação;
A acreditar nessas afirmações de Mário Nogueira, infere-se que a atitude do Ministério da Educação foi interpretada como uma afronta às estruturas sindicais;
Contudo, e passado menos de um mês, a FENPROF pediu a reabertura do processo negocial com a Tutela, conforme consta na Carta Aberta dirigida ao Ministério da Educação por essa estrutura sindical (Site oficial da FENPROF, em 12 de Junho de 2023);
Portanto, em menos de um mês, os alegados “figurantes de teatro”, não satisfeitos com a humilhação a que já tinham sido sujeitos, solicitaram, eles próprios, a reposição da mesma “peça de teatro”…
Que seriedade poderá ser atribuída a um Sindicato que pediu a continuação do mesmo “folhetim”, logo a seguir a ter qualificado a atitude da Tutela como “indecente, inaceitável, revoltante e um nojo”?
Segundo as estimativas dos próprios Sindicatos terão estado presentes na Manifestação de 11 de Fevereiro de 2023 em Lisboa mais de 150.000 profissionais de Educação, na sua maioria Professores…
Mas a “maior manifestação de sempre de Professores”, conforme propalado pelos Sindicatos, acabou por não ter reflexos concretos na acção posterior das estruturas sindicais, que não souberam, ou não quiseram, tirar proveito e rentabilizar a força de união e a mobilização, conquistadas por esse evento…
Portanto, tanto faz reunir 150.000 pessoas como 15.000, que o resultado final será sempre o mesmo: muito folclore mediático, muita cobertura televisiva, mas no dia seguinte volta tudo ao mesmo e os Sindicatos continuarão a desempenhar o seu papel de parceiros condescendentes da Tutela e de elementos indefectíveis do statu quo…
E agora?
Agora, a menos de dois meses das eleições legislativas, enquanto outras classes profissionais evidenciam a sua identidade e a sua união, aproveitando a oportunidade para protestar publicamente, tentando dessa forma obter determinados dividendos, a maioria dos Professores e os Sindicatos que supostamente os representam estão remetidos ao quase silêncio, contentando-se com uma “paz podre”, como se tudo estivesse bem, dentro da cada escola…
Nas escolas está tudo bem, certo?
Paula Dias