O homem, não se contendo, olhou-me e chorou, evidência de que os homens também choram. Um colega que, na impossibilidade de um futuro melhor, com angústia, suplicava no olhar que lhe devolvessem o passado. Décadas de sacrifícios familiares para conseguir ficar próximo de casa e, de súbito, arrancado das entranhas da família, foi novamente arremessado para longe da sua vista, deitando por terra anos de suado esforço percorrendo estradas até ter conseguido, finalmente, estar próximo do seu lar.
Nada é mais injusto do que tratar de forma diferente o que é igual.
Esta é a história da classe docente acometida por uma tutela indolente que tem vindo a criar desigualdades de tratamento; não bastando a desigualdade imposta na progressão da carreira, a nível da colocação de professores têm vindo a multiplicar-se as prioridades, diretivas e normas que transformaram o mundo dos profissionais de ensino numa terra sem lei.
E o último grito da estupidez e da iniquidade chegou até nós no concurso de Mobilidade Interna através da remoção dos horários ditos incompletos (os quais acabavam sempre por serem completados pelas escolas com o imenso trabalho que existe para atribuir). Como consequência, professores que, por mérito próprio, nos últimos anos iam ficando a trabalhar perto da sua residência, foram atirados para as últimas escolhas que fizeram na ordem de preferências, enquanto as suas primeiras escolhas ficaram para 1 de setembro para professores menos graduados. Professores com menos tempo de serviço e, alguns, com médias de curso mais baixas, serem brindados com lugares perto de suas casas, enquanto os mais graduados são atirados para longe, é bem demonstrativo da injustiça deste concurso que desvaloriza o mérito e o esforço.
Mas, mais preocupante é o facto de haver colegas que acham correto poderem ficar com esses horários, pouco se preocupando se é justo, esquecendo-se que um dia lhes poderá vir a acontecer o mesmo. Um tenebroso mundo de miséria demonstrativo de que tudo o que aprendêramos foi tentar conseguir ultrapassar os outros agarrados ao medo de que estes nos pudessem ultrapassar a nós.
Não supunha, por certo, que depois de no concurso extraordinário de 2018 se ter corrigido uma medida idêntica que havia sido implementada no ano anterior, obstinadamente a tutela se tenha lembrado de, em 2021, repetir a mesma medida repisando a atrocidade cometida a milhares de professores, demonstrando trejeitos de prepotência, mesquinhez e vingança.
A recusa em ser parente passivo da injustiça leva-me a não aceitar ser concebível que se continue a decidir em manobras de secretaria o futuro dos professores, num contínuo processo de desprezo pela graduação profissional.
Tudo isto se reveste de supina gravidade numa profissão onde os professores são porta-vozes dos valores de esforço, mérito e justiça tentando incuti-los nas novas gerações, mas que para si veem estes valores serem completamente ignorados.
Este ato desumano e iníquo levará a quatro anos de vidas dificultadas, famílias separadas e muito desespero a desabar sobre professores que deveriam ser valorizados e merecerem o respeito pelos sacrifícios de tantos anos de trabalho e mérito profissional que os colocaram à frente nas listas de graduação. Mas não! Num país onde tudo funciona ao contrário, onde se pratica a injustiça com incúria e desprezo, brinca-se com a vida das pessoas como se elas fossem lixo. Depois exigem que os professores sejam diligentes e se apresentem nas escolas com uma motivação profissional extraordinária, quando são maltratados e castigados, vítimas de injustiça altamente perniciosa que semeia o desestimulo.
Infelizmente, não faltavam razões para acreditar que atos destes seriam espectáveis numa classe política maculada por um manancial de suspeitas de corrupção, sem escrúpulos nem sentido de estado, muito menos sentido de justiça e de equidade no tratamento dos cidadãos perante uma Constituição que defende que todos os cidadãos deverão ser tratados de igual modo perante a lei.
Manejam habilmente decretos-lei e portarias em atos de governo contra o povo, longe do propósito de melhorar a qualidade de vida das populações de acordo com o valor maior de justiça e equidade que norteia os estados de direito.
É por estas e tantas outras que a profissão é cada vez menos atrativa, o desgaste físico e psicológico são elevadíssimos e o grau motivacional dos seus profissionais estão em níveis perigosamente baixos.
A despeito desta aberração legislativa, é absolutamente necessário que alguém de direito tenha a consciência de que não se podem tratar as pessoas desta forma leviana, perversa e facciosa e que tenha a dignidade de intentar para que se reponha justiça.
Carlos Santos
19 comentários
Passar directamente para o formulário dos comentários,
Meu caro, sem pôr em causa a angustia que hoje assola muitos dos nossos colegas e que aqui descreve. A verdade é que num país de miséria s várias tb não me parece de todo justo que professores do quadro ( seja ele qzp ou de escola) com ordenado garantido sejam colocados a reboque da tal mobilidade em horários incompletos beneficiando assim de uma, por vezes significativa, redução da componente letiva de forma administrativa.
Mais me admira que se esqueça de referir no seu artigo que os professores a que se refere estejam vinculados em qzp aos quais concorreram e que por força da mobilidade de que defende deixam um sem número de alunos sem professor ao longo do ano todo, mas isso já não lhe interessa destacar certo!?
Muito difícil encontrar um sistema de concurso que a todos agrade.
Vai haver sempre gente colocada longe de casa e descontente com a situação, seja de que modo for feito o concurso.
Do meu ponto de vista, não me parece ser uma profissão aliciante para quem é contratado.
Sempre sem saber se vai ter horário, se vai ficar longe de casa, sem ver a família, se o que ganha chega sequer para as despesas mensais.
Mais vale enveredar por outra profissão ou concorrer somente para escolas perto de casa.
Relativamente aos QA/QE e QZPs, ninguém os obrigou a concorrerem para esses quadros e reclamam porque têm de estar a trabalhar no local de trabalho para o qual concorreram de livre vontade.
Não se compreende.
Não fui eu que escrevi o artigo mas não está certo não Vitor. Para que não hajam dúvidas eu não tenho esse tipo de problema, fiquei na escola que coloquei em primeiro lugar nas preferências e, em princípio, não terei dificuldade em ficar próximo de casa no futuro. Mas isso não me impede de ver as coisas como elas são e de perceber e estar solidário com quem sofre com estas situações… não são «meia dúzia», são milhares que podia ser realmente «meia dúzia» se houvesse um pouco de sensatez e preocupação com os outros.
Quando diz que ficam em escolas para as quais concorreram, também se esquece de dizer que foram obrigados a concorrer a todos os QZP. A mim parece-me que nem isso ainda percebeu?! Até concordo que não deveriam entrar nestas contas todos os horários incompleto mas, por exemplo, podiam ser todos os horários superiores a 15/16 tempos (ou 18), só os completos é que não faz grande sentido. E depois há muitos horários completos que (estranhamente) não foram colocados pelas escolas na contratação inicial, aparecendo agora na 1ª reserva de recrutamento… no meu grupo, o 600, deve haver uns 20 ou 30, não os contei, mas as listas são públicas, qualquer um pode verificar isso!
Pois é, é uma Injustiça ser ultrapassado por colegas menos graduados! Sinto isso na pele há 16 anos! Desde que dividiram os quadros em prioridades, desde que os QZP passaram à frente e continuam a ser colocados antes dos QA/QE! No Concurso interno, as vagas são escassas, na Mobilidade interna os QZP menos graduados são colocados antes dos QA mais graduados! É por isso que estou há 16 anos a 65 km de casa (130 por dia)! Quando podia estar a 8 km de casa onde estão 4 colegas de QZP menos graduadas do que eu!!!
Deixe de ser QA/QE e mude para QZP, se acha que é assim tão vantajoso.
Se as vagas continuam anos seguidos ao longo de vários concursos de mobilidade porque não abrem vagas de quadro de escola.
Vagas de quadro de escola guardadas para vagas de qzp, vagas de qzp guardadas para contratação.
Cargos de coordenação guardados para os amigos que querem ficar na escola com pedidos de mobilidade.
“Professores com menos tempo de serviço e, alguns, com médias de curso mais baixas, serem brindados com lugares perto de suas casas, enquanto os mais graduados são atirados para longe, é bem demonstrativo da injustiça deste concurso que desvaloriza o mérito e o esforço.
Mas, mais preocupante é o facto de haver colegas que acham correto poderem ficar com esses horários, pouco se preocupando se é justo, esquecendo-se que um dia lhes poderá vir a acontecer o mesmo.”
E é com mentalidades destas que se vê como é desunida a classe dos professores. Em vez de procurar união e lutar contra o patronato que fez o mal vira-se contra os colegas que ocuparam os horários.
porque dizem que os professores colocados depois, portanto CI e RR, ficam colocados ao pé de casa? com sabem onde é a casa deles?
já só faltam as chibatadas e cortarem-lhes a língua também
…há muito que os professores são PERSEGUIDOS e MALTRATADOS…
https://capasjornais.pt/Capa-Jornal-Publico-dia-12-Agosto-2018-9909.html
As perseguições têm vindo dramaticamente a agravar-se, num país que se diz democrático!
Igec não existe e ME dá cobertura a todos os atropelos.
Sou QZP, estive os últimos 4 anos numa escola perto de casa. Nesses 4 anos foi-me atribuída uma disciplina que nenhum dos meus 10 colegas de grupo (em QA há muito anos) queria dar, todos se recusavam… Eu, quando cheguei á escola, como não tinha escolha, tive que assumir.
No final deste ano letivo, sabendo eu das alterações na MI, dei a conhecer que só conseguiria ficar novamente na escola se fosse lançado um horário completo. Na escola tinham para lançar do meu grupo cerca de 16 horas, mas tendo em conta a necessidade de eu ter horário completo para permanecer na escola e também a dificuldade que a escola poderia ter em substituir-me, dada a resistência dos meus colegas QA em lecionar a disciplina que me estava destinada, a escola lançou um horário completo onde incluíram logo cargos, etc.
Saídas as listas, vi que não tinha ficado na escola perto da minha casa mas sim numa outra a cerca de 80 kms. Quanto ao horário perto da minha casa, este fora ocupado por outro colega QZP que estava uns poucos lugares acima de mim na lista de graduação mas que reside a cerca de 100 kms de distância, ele não pretendia ficar naquela escola, mas como estava obrigado a concorrer a todo o seu enorme QZP não teve outra solução, não havendo horários completos mais próximos ocupou aquele…
Na 1º RR, obviamente, apareceram vários horários de 16, 18, 20 horas tanto perto da minha área de residência como da área de residência do colega que ficou no horário que me estava destinado.
Para além de tudo isto, sei que não haviam colegas QA/QE, mais graduado que eu, com intensão de pedir destacamento para a escola onde trabalhei nos últimos anos. Não estava a passar à frente de ninguém injustamente, como muitos QA/QE alegam.
Acho esta legislação injusta, demasiado penalizadora para muitos professores. Acho a dimensão da área geográfica de muitos QZPs um absurdo, principalmente após a imposição dos horários completos na MI! A minha motivação para realizar um bom trabalho nos próximos 4 anos é zero.
Pois, o problema é que esta legislação não interessa a ninguém, nem ao próprio ME, porque quanto mais desgastados os professores andarem pior também para eles, alguns não aguentam e acabam por meter baixa, outros mudam de profissão e tudo isto contribui também para que haja cada vez menos interessados em seguir a profissão… tudo isto tem contribuído para a crescente falta de professores.
Magnífico, Carlos.
É o país real, vale tudo. A Chanceler Merkel faz cá muita falta. Em meio ano colocava o Portugal em ordem, acabava com os tachos, diretores, organismos, que só servem para dar lugar aos”meninos e meninas” que colam os cartazes.
Algumas pessoas ficaram com saudades da austeridade.
Não percebo o problema de colar cartazes.
Não percebes “colocar cartazes,”?
Olha, qualquer pessoa minimamente inteligente, chega lá.
Deves ser outro menino para falares assim.
Compreendo o desalento…são muitas as injustiças que assolam os professores, cada vez mais e aos mais variados níveis. Isto desgasta, corrói. Como lutar contra estas “leis” de meninos-bem, que sentados nas suas poltronas se divertem a brincar com as suas marionetas? Professores desmotivados, alunos desmotivados certamente, não há como vencer esta angústia que nos dilacera ano após ano e nos atira para o buraco.
Confesso que estas queixas sobre as injustiças reiteradas durante anos sobre as colocações de docentes já me começam a ser indiferentes e, por vezes, enjoativas.
Peço desculpa pela crueza do comentário.
Sou PQA (“aah… pois, pois, um sortudo”, dir-me-ão.)
Pois bem, mesmo sendo Quadro de Escola há alguns anos que já me consciencializei que ser professor em Portugal não é vida digna! Talvez o seja para os acomodados, o que, absolutamente, não o sou!
Estou em vias de sair desta Carreira, assim tenha sorte.
A Bolsa de Emprego Público publica diariamente concursos externos e internos para licenciados das mais diversas áreas.
Quanto aos “deslocados”, confesso que o choradinho das centenas de quilómetros que fazem diariamente são-me cada vez mais incompreensíveis.
Pergunto: não há mais vida nesta terrinha do que ser professor?
Há um vício cultural segundo o qual a profissão mais segura é aquela em que o patrão é o Estado.
Não é necessariamente assim! Basta observarmos o que se passa fora das nossas fronteiras.
Ou então, há prioridades de vida que as pessoas assumem ao contrário, pondo, como se costuma dizer, o carro à frente dos bois, comprometendo assim a sua qualidade de vida.
Neste aspecto os anglo-saxónicos são bastante pragmáticos na sequência das prioridades. Segundo eles, as prioridades de vida são, genericamente assim:
1 – Tirar um curso e valorizar-se academicamente;
2 – Conseguir um emprego (provavelmente o terceiro ou quarto emprego do currículo…) e assumi-lo com profissionalismo e competência;
3 – Casar ou juntar-se com a cara-metade, assumindo uma relação estável – é importante ter vida familiar como âncora para enfrentar os revezes da Vida;
4 – Tomar decisões de adulto de forma pragmática: Ter filhos, comprar um bom carro, alugar uma casa…
5 – Tomar decisões que afectam a vida de forma mais comprometida: Comprar casa, assumindo assim uma relação com o lugar;
6 – Ascender na Carreira, dependendo da ambição de cada um (a vida em família estimula grandemente os grandes projectos de vida);
7 – Estar preparado para reconstruir tudo de raiz, caso haja algum imprevisto.
Se esta sequência falha em algum ponto, é natural que as dificuldades surjam e se potenciem.
Certo Paulo.
Se assim é já vais tarde… O teu lugar de PQA dava imenso jeito aos “deslocados” que fazem choradinho…Se o teu compromisso com o ensino é esse so tenho pena dos alunos que vão apanhar contigo.