O problema mantém-se, pelo que importa regressar à ameaça do governo de pedir a verificação da constitucionalidade de duas leis aprovadas pela Assembleia da República (AR) que abordam, em diferentes âmbitos, a precariedade laboral na profissão docente.
António Costa, PS e precariedade na docência
Animado pela decisão do Tribunal Constitucional sobre a lei que manteve e alargou alguns apoios em tempos de pandemia, o governo avisou estar inclinado para fazer o mesmo em relação às duas leis em crise. Considerou estar a AR a invadir terreno alheio, a propósito, neste caso, de problemas de professores que o executivo não quer sanar.
Nos média o assunto foi tratado, grosso modo, reduzindo a situação a um conflito (?) entre Belém e São Bento. Para além da espuma dos dias, a questão está longe de ser um simples atrito entre órgãos de soberania.
Uma das leis aprovadas com o voto contra do PS pega numa questão que o governo devia e teve mais do que tempo de resolver. Não muitos, o que não é o relevante, algumas dezenas de professores de técnicas especiais do ensino artístico especializado, imprescindíveis ao funcionamento das suas escolas e respetivas ofertas educativas, são sistematicamente contratados a termo, como se o trabalho que desenvolvem fosse coisa transitória. A bem dizer, o governo marimbou-se. Preferiu manter o recurso abusivo a contratos precários. Não quis impedir, pois, que tais trabalhadores tenham de se submeter a uma precariedade sem travão, ao arrepio da lei, do direito comunitário e da Constituição que o governo quer usar para bloquear o que a AR aprovou.
O executivo conhece bem o assunto. Os sindicatos têm-no exposto, repetidíssimas vezes. A FENPROF, acompanhando a luta daqueles professores, entregou, não há muito, uma proposta para negociação que o Ministério da Educação (ME) ignorou ostensivamente. A Assembleia da República emitiu recomendações que o governo desprezou. Perante tudo isto, a Lei n.º 46/2021 veio estabelecer que é preciso, de imediato, organizar um processo extraordinário que permita a passagem de contratados aos quadros e, de seguida, a negociação de um mecanismo para que os abusos não voltem a pontificar. Nada de mais.
A outra lei – Lei n.º 47/2021 – cuja constitucionalidade o governo admitiu questionar, não fala só de vinculação. Dispõe sobre a revisão das regras de concursos e colocação dos professores em geral. Não impõe soluções, mas indica o que também já devia ter acontecido: a abertura de um processo negocial. Aliás, o próprio governo, conhecendo o que que já tinha sido aprovado no parlamento, apressou-se a apontar (apenas) outubro para iniciar as negociações. O agendamento não é ingénuo, é claro, mas há mais razões para, também aqui, o governo tentar torpedear a decisão da AR.
O diploma – que dá trinta dias para desencadear negociações – define alguns critérios que devem nortear a revisão. Um é o de alcançar uma vinculação mais célere e sistemática dos professores que trabalham contratados a prazo, muitos deles há dez, vinte ou mais anos! O governo prefere como está: com regras ineficazes em vigor, para que um professor continuadamente contratado a termo vincule, tem que somar quase 16 anos de precariedade e estar para lá dos 45 de idade… Não se admite, nem nesta, nem noutra área de trabalho.
Quando pensa em jogar a cartada do Tribunal Constitucional, longe já vai o que o PS, em 2015, subscreveu com outros partidos nas declarações conjuntas sobre a solução política para a constituição do governo. Aí anunciava “um combate decidido à precariedade”. Afinal foi e é poucochinho, muito poucochinho…
“É inaceitável o grau de precariedade que se instalou nas relações de trabalho […]”, retumbava Antonio Costa, há dias, em apresentação de candidatos autárquicos do seu partido. E prosseguia, almejando, em confronto com a precariedade, uma “sociedade decente que respeita e assenta na dignidade humana”… O secretário-geral do PS, não é, ainda, o primeiro-ministro?!
Não parece.