30 de Julho de 2022 archive

A lotaria do inferno

Não estava certo de que este espetáculo pouco edificante, nomeado de concurso de Mobilidade por Doença, pudesse consumar-se recorrendo aos decrépitos, moribundos desgraçados enfermos para figurantes de uma farsa com ambições de ascender a tragédia grega… mas a realidade é que aconteceu.

Bem sei haver colegas de profissão que, depois de terem sido contemplados com colocação para uma das escolas da sua preferência, sem parcimónia, andaram a farejar a existência de uma possibilidade suplementar de concorrerem a uma outra escola ainda mais perto da sua residência; que outros manifestam o desejo de poder optar entre a MPD ou a Mobilidade Interna (ainda esta nem sequer a lista de graduação viu publicada). Diligências que empurram para o descrédito todos os professores com doenças crónicas ou incuráveis.

Mas parece-me que encontramos raízes mais profundas que pouco dignificaram todos os que padeciam de doenças incapacitantes se rememorarmos a um passado recente povoado por professores que requeriam MPD para se darem ao luxo de dar uso às passadeiras saltitando entre escolas na mesma rua.

É incontornável colocar-se a questão sobre a possibilidade de terem existido abusos nas MPD anteriores. Evidentemente que essa hipótese nunca poderá ser absolutamente descartada, uma vez que há burlas em todo o lado onde existem esses símios imperfeitos que, polidamente, chamamos de «seres humanos».
Entrementes, prosseguindo o seu périplo persecutório, ao ministro da Educação não lhe cabia o direito de emitir juízos de valor sobre uma suposta existência de fraudes sem ter apresentado provas, pelo que, tais acusações se enquadram em moldura jurídica e não deixavam margem para dúvidas acerca da idoneidade moral de todo um processo negocial e legislativo que se revelou morto logo à nascença. Decerto, a maneira como se comportara, intuía a noção de que os professores que requereriam a MPD não eram doentes, mas infratores. Um abusivo malabarismo de palavras que substituiu o real dever profissional que se impõe a quem detém tão relevante pasta e não o fez: mandar fiscalizar. Em vez disso, preferiu desfazer-se em conjeturas que atiraram ainda mais para a lama a reputação dos professores. Sempre que abre a boca, a vida dos professores – que parecia dificilmente poder piorar – consegue descer mais um degrau neste poço de frustração.

Todavia, neste momento, o sentimento que experimento é de profunda injustiça ao perceber que neste sorteio as pessoas iriam ser punidas duplamente: pela falta de saúde e pela ideia de suspeição que haveria de castigar todos quantos a ele se vissem obrigados a recorrer.
À luz da Constituição e leis do trabalho que aludem à proteção na doença, este processo nunca poderia ser um concurso. A sê-lo, como pretendeu o ME, pergunto-me, então, onde está a lista de ordenação dos candidatos, a publicação das vagas disponibilizadas pelos AE/ENA e a lista de colocação?
Como pode ser comprovada a transparência deste sistema e o cumprimento dos critérios estipulados na lei?
E, desde quando, uma doença pode estar sujeita à abertura de vagas?
Assistir a casos de cidadãos professores com graus de incapacidade acima de 85% a não obterem colocação, enquanto outros com menos incapacidade a obtêm, fruto da arbitrariedade das vagas abertas indiscriminadamente pelas direções das escolas, não será, por si só, a prova da injustiça de um processo que foi tudo menos transparente e equitativo?

Um ME que admitiu a necessidade de deslocação de agrupamento para perto do domicílio a professores com doença incapacitante, mas que, com um vento repleto de desumanidade, varreu para longe milhares deles ignorando a necessidade que acabava de admitir. Seres humanos alquebrados que não representam mais do que meros danos colaterais de todo um processo repleto de culpados que saíram impunes da pouco honrosa conduta que prejudicou a vida a tanta gente enferma.

Esta é apenas mais uma página negra neste atoleiro de miséria em que se transformou a Educação em Portugal que não deixa imaculada a equipa ministerial. Mas, bem vistas as coisas, talvez a horda de professores e dirigentes escolares possuidores de língua descontrolada difamatória dos próprios colegas de profissão e outros que espalhando um silêncio incómodo desprezaram problemas alheios que consideram de somenos importância para a as suas vidas, refletem esta coisa rotulada de «classe docente». Pessoas imprudentes que desconhecem que o eco das suas palavras, mais cedo ou mais tarde, voltará até si no próximo atentado aos professores e à Educação.
Sempre pensei que ainda houvesse o mínimo de bom-senso, mas rendi-me à evidência de que não passa duma absurda quimera.

Na realidade, ainda que não o admita, o ministro estará já ciente do absurdo em que se tornou este concurso; não só não resolveu a falta de professores nas zonas mais carenciadas da capital, vale do Tejo e Algarve, como – devido à situação de incapacidade para o trabalho destes professores por impossibilidade de deslocação – o problema irá acentuar-se ainda mais.

Entretanto, tudo continua igual ao que sempre foi debaixo do sol que distribui a sua luz de modo desigual pelos simples mortais.
Já sem réstia de surpresa relativamente ao comportamento de uma classe autofágica, os professores debilitados que, sem vaga, serão obrigados a voltar à estrada, sem ânimo para enfrentar o próximo ano letivo, conformam-se em continuar a viver um dia de cada vez, decididos em não aceitar ser esta uma forma de lentamente estarem a morrer.

Boas férias e bom descanso, pois eu e tantos outros professores, com vidas profissionais instáveis, que há muitos anos desconhecemos o que isso significa – fruto do constante terrorismo psicológico destes e de outros concursos que preenchem a época estival –, vamos carregando às costas um mundo de incerteza e insegurança aguardando a sentença que nos reserva a lotaria do inferno.
Vida de professor… não deveria ser assim.
Carlos Santos

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Ministério da Educação… em linha reta por linhas tortas – Alexandra Parafita

 

Ministério da Educação… em linha reta por linhas tortas

A profissão docente é hoje uma das menos apetecíveis. A dificuldade de encontrar docentes para alguns grupos disciplinares e a rejeição pelos jovens dos cursos via ensino no Ensino Superior são indicadores iniludíveis dessa realidade. Os resultados estão aí: 54% dos docentes do pré-escolar e ensinos básico e secundário têm mais de 50 anos e, em contrapartida, os professores com menos de 30 não atingem os 10%. E também os fatores que para tal contribuem estão estudados: más políticas educativas e socioeconómicas, o fenómeno “burnout” (stress laboral crónico), o cansaço físico e psicológico, a indisciplina e perda de autoridade na escola, a desvalorização social e a dificuldade em conciliar a dinâmica laboral com a familiar.

A este cenário junta-se o drama dos professores colocados a centenas de quilómetros de casa, especialmente quando são portadores, ou por doença ou por idade avançada, de debilidades físicas e mentais, levando a que se avolumem as baixas médicas; um drama que vinha sendo atenuado pela possibilidade legal de recorrerem, com justificação médica, aos programas de mobilidade, que lhes permitem lecionar em escola mais próxima do seu domicílio.

Porém, quando se prepara novo ano letivo, defrontam-se os docentes com uma controversa legislação do Ministério da Educação impondo que as mobilidades por doença contemplem um raio de até 50 km de distância em “linha reta” à sua residência ou ao prestador de cuidados de saúde.

Tal legislação foi, claramente, gizada por quem está em absoluto divorciado da realidade do país, em especial das regiões do Interior, onde as linhas retas são mais tortas que rabo de porca. Porventura, saberá o Ministério da Educação o que são 50 km em linha reta, por exemplo, nos distritos de Viseu, Guarda ou Vila Real, onde essa linha reta implica viagens de hora e meia por estradas íngremes, com terríveis geadas no inverno? Se este esforço é a solução que o Ministério propõe a quem é portador de doença limitadora, valha-nos Santo Cristo!

 

Alexandra Parafita

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Desabafo de um professor

 Desde miúda que o meu sonho era ser professora. Admirava os meus professores e por vezes revia-me no papel deles. 

Estudei empenhei-me e hoje sou professora há quase 30 anos. Formação académica Bacharelato, posteriormente Licenciatura e uma Pós-graduação.

Durante longos anos e como contratada, percorri o Distrito de Castelo Branco de ponta a ponta. Foram milhares de quilómetros, fazendo por vezes mais de 200 quilómetros diários para poder exercer a minha profissão. Gasolina, desgaste do carro e cansaço extremo levaram-me ao limite das minhas capacidades e à dificuldade em sustentar a família. Mas como diz o povo ” Quem corre por gosto não cansa” o que não é verdade, lá me fui arrastando e desempenhando a minha profissão com muito empenho, dedicação e amor pelos meus alunos.

Hoje encontro-me a exercer funções num Agrupamento de Escolas, perto do local onde vivo, não pertencendo ao quadro de escola. 

E o sonho de menina foi decaindo, absorvido por uma triste realidade.  

A abrupta transformação no ensino, aliada a uma sociedade conturbada, leva por vezes a uma profunda reflexão 

Valerá apena ser professor?

Quero ainda acreditar que poderemos contribuir para a construção de uma sociedade íntegra, de valores, justiça e união. 

Quanto ao ensino, é urgente dar mais valor ao empenho do professor, à sua dedicação, formação profissional e às aprendizagens e resultados dos seus alunos, do que à participação em projetos e outras burocracias.

                                  

 

                   De um professor como tantos outros

 

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