Violência escolar: a falta de “funcionários” explica tudo?

Quando ocorre algum episódio de violência em contexto escolar vem quase sempre à baila o argumento da falta de “funcionários”, muitas vezes apontada como a principal causa que impede a vigilância adequada dos espaços existentes em cada estabelecimento de ensino…

Sem fugir a essa “regra”, e apenas como mais um exemplo do anterior, também a Direcção do Agrupamento de EscolasFragata do Tejo (Moita) mencionou esse problema, na reacçãoàs agressões bárbaras infligidas a um aluno autista de uma Escola Básica desse Agrupamento no passado dia 24 de Janeiro:

A direção do estabelecimento de ensino disse à RTP que já suspendeu o agressor e explicou que no local não estavam adultos porque há falta de funcionários. Já no dia anterior tinha havido outro caso de agressão na mesma escola.” (RTP Notícias, em 28 de Janeiro de 2025)…

Fazendo fé nas declarações anteriores, que alegam a falta de funcionários, e acreditando que essa carência também se verifique em muitas outras escolas, pergunta-se:

Se efectivamente não existem funcionários em número suficiente para assegurar as imprescindíveis condições de segurança porque se arrisca manter abertas as escolas onde exista tal insuficiência?

Se existe uma correlação entre a insuficiência de “funcionários” e a ocorrência de episódios de violência em contexto escolar, se não é possível exercer uma vigilância interna adequada, porque não se assume isso de forma peremptória, em primeiro lugar perante a Tutela, mas também junto dos pais/encarregados de educação?

Frequentemente, gera-se a desconfiança de que existirão muito mais casos de violência escolar do que aqueles que são conhecidos ou reportados…

Se assim for, muitos desses casos acabarão escondidos, “atirados para baixo do tapete”, mantidos na penumbra ou disfarçados, pelo que nunca constarão em qualquer registo ouestatística oficial, tanto ao nível de escola como ao nível das estruturas do Ministério da Educação… No fundo, acabarão como se nunca tivessem existido…

 Quantas mais “desgraças” serão necessárias para deixar dese “varrer para baixo do tapete”, o fenómeno da violência em contexto escolar?

No geral, as Direcções de Agrupamentos parecem considerar a violência em contexto escolar como um tema “maldito” e de difícil admissão, independentemente de quem sejam as vítimas ou os agressores…

 

A actuação de muitas Direcções face ao fenómeno da violência escolar parece ir, frequentemente, no sentido de tentar preservar, a todo o custo, uma imagem pública da escola que se pretende “imaculada”, minimizando-se, muitas vezes, o número de ocorrências daquela natureza, ao mesmo tempo que se costuma relativizar a gravidade das mesmas…

 

Aqui, como em tantas outras situações, importa salvar as aparências…

 

E a principal consequência dessa conduta pode resultar numa certa “normalização” da violência escolar, acabando-se por aceitá-la, implicitamente, como uma inevitabilidade…

Obviamente que a escola, enquanto palco de múltiplas relações interpessoais, nem sempre será um lugar idílico e pacífico…

A escola poderá constituir-se como um contexto propício para se estabelecerem muitos companheirismos, solidariedades, desafios, realizações e vitórias, mas também, e em simultâneo, muitas frustrações, fracassos, tensões, competições e conflitos, individuais e/ou de grupo…

 

Em suma, e sem dramas desnecessários, a escola é uma entidade passível de suscitar uma certa ambivalência afectiva e emocional, um lugar onde poderão coexistir sentimentos opostos e contraditórios, um lugar onde facilmente se misturam e alternam o “Amor” e o “Ódio”… 

 

 E isso parece válido para todos os que diariamente passam a maior parte do seu dia numa escola

 

Apesar da “natural e expectável turbulência” presente em cada escola, inerente à convivência entre seres humanos, poderão existir vítimas de violência psicológica e/ou físicaque, sejam quem forem, não poderão ser silenciadas nem ignoradas…

Escusamos de ter ilusões: com maior ou menor frequência, com maior ou menor intensidade, em todas as escolas se verificam episódios de violência... Em algumas, esses episódios assumem um carácter esporádico, noutras tornam-se praticamente endémicos…

 

Em qualquer dos casos, o pior que poderá acontecer numa comunidade escolar será enraizar-se a convicção generalizada de injustiça e de impunidade perante actos de violência, por vezes traduzido por esta afirmação: “Todos sabiam, mas ninguém fez nada”…

E essa cobardia será sempre absolutamente indesculpável e inaceitável

Não pode deixar de haver condenação e punição efectiva dos comprovados agressores, sempre proporcional à gravidade dos actos praticados

Não é possível enfrentar o problema da violência em contexto escolar com a seriedade que o mesmo exige sem que as escolas, sobretudo na figura das suas Direcções, consigam, em primeiro lugar, assumir a existência do problema e, em segundo, exigir junto da Tutela, entre outros, os recursos humanos em falta

E, já agora, em vários dicionários de Língua Portuguesa,exigir significa reivindicar, intimar ou impor como condição… Nada menos do que isso…

Sempre que se torna público algum episódio de violência em contexto escolar costumam “acordar” e manifestar-se muitas consciências indignadas, mas depois de algum tempo regressa a “normalidade” e espera-se naturalmente que o mesmo seja esquecido…

Seja esquecido, mas só até à próxima ocorrência… Aí voltar-se a falar sobre o maldito fenómeno, como se não fosse possível a sua existência ou como se o mesmo fosse algo muito estranho, nunca antes visto, ou como se ninguém o esperasse

E é este o nosso fado… Vamos varrendo para baixo do tapete o que nos incomoda, fazendo de conta que, dessa forma, se eliminam os problemas…

Mas não os eliminamos, apenas os colocamos fora do alcance do nosso campo de visão…

A violência em contexto escolar é um fenómeno complexo,com múltiplas variáveis, que não pode ser reduzido à alegada falta de “funcionários” e apenas explicado por essa insuficiência, ainda que essa condição possa, de facto, contribuir para a respectiva ocorrência

Portanto, a falta de “funcionários” não explica tudo… Não pode explicar tudo… Estará muito longe de explicar tudo…

A falta de “funcionários” talvez seja, até, a explicação mais simplista e reducionista do fenómeno da violência em contexto escolar…

A falta de “funcionários” talvez seja, até, a explicação mais “confortável” e “asséptica” do fenómeno da violência em contexto escolar…

Paula Dias

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22 comentários

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  1. Muito bom. Boa análise. Agora que alguém acorde e façam o que já deveriam ter começado a fazer há muito.

    • Inspetor ACT on 2 de Fevereiro de 2025 at 11:05
    • Responder

    Se todos os funcionários estivessem as ,35 horas na escola a vigilância seria muito maior.
    Infelizmente os restantes não têm condições para estar na escola 😉

    • F. on 2 de Fevereiro de 2025 at 11:25
    • Responder

    Excelente reflexão.
    A diminuição da violência escolar começa, diria eu, na prevenção. E para isso as escolas têm que trabalhar, concretizar o projeto educativo com ações. Atividades. Projetos curriculares de turmas. Atividades.
    Não são papéis. Papéis. Para boi ver. Como costumamos produzir.

    Se a violência escolar é um problema nessa escola,
    esta tem que/de trabalhar nisso. Mas não é chamando só a escola segura. Polícia polícia. Eles vão continuar na mesma depois de terem ido para casa ou varrer o pátio.
    E vão voltar a ser violentos. Na escola. Na rua. Em casa. E um dia vão matar a mulher ou namorada.

    Mas as direções não têm tempo para isso há muito que esqueceram o projeto educativo e o mais importante : pedagogia, exaustas que estão com plataformas, com dados em duplicado e triplicado, exames externos e internos. Toda uma panóplia de administração . Um inferno que as consome.
    O diretor/ a diretor devia ocupar se do maus importante da escola: o projeto educativo.
    Mas não. É solicitado é pela administração.
    E a maior parte deles e delas gosta é disso. São uma espécie funcionários da secretaria das 10 as 18.
    As direções tornaram se em extensões das secretarias. Mais nada. Uma pobreza. Um deserto pedagógico.

      • F. on 2 de Fevereiro de 2025 at 11:38
      • Responder

      E os gabinetes de apoio ao aluno e família ( GAAF) que foram criados com pompa e circunstância há praticamente 20 anos o que fazem?
      Nada! Limitam se a guardar os infractores durante uma hora ou 2 produzindo reflexões para arquivar.
      Que medidas implementam nas escolas para prevenir ou diminuir a indisciplina? De que forma coadjuvam as direções nessa área?
      Que fazem psicólogos clínicos, psicólogos comunitários e assistentes sociais nas escolas?
      O que provem nesta área?
      A escola da Moita tinha esse gabinete a ajudar o diretor?
      Colocar a ênfase/ culpa nos funcionários ou na falta deles não é justificação. É desculpa.
      Os funcionários limitam se a políciá los, a guarda los( aos infractores) mas não tratam a doença. Muito menos a curam.
      Mais tarde, como disse, matam a mulher, o vizinho. Mas já quando eram crianças violentas ninguém
      fez nada.

    • Carlos Moreira on 2 de Fevereiro de 2025 at 12:13
    • Responder

    Só quem anda lá dentro é que sabe (como eu)!!
    A grande indisciplina, a falta de respeito dos alunos, falta de educação, as agressões verbais e físicas aos professores e outros alunos grassa nas escolas e não é de agora, é de há décadas!! Mas não se sabe de nada, todos escondem, o pântano mantêm-se e ninguém gosta de agitar as águas podres, é o “manter as aparências”!!!

    • Maria Faria on 2 de Fevereiro de 2025 at 12:33
    • Responder

    “… falta de “funcionários” não explica tudo… Não pode explicar tudo… Estará muito longe de explicar tudo…”
    Concordo plenamente!

    • Mic on 2 de Fevereiro de 2025 at 12:39
    • Responder

    Com um estatuto do aluno que lhe dá tantos mais dias de férias quanto à gravidade da infração, o que se espera?

    • N on 2 de Fevereiro de 2025 at 12:46
    • Responder

    Acabem com projetos e projetinhos para amiguinhos. Os alunos não podem estar tanto tempo na escola. É desumano!

      • Disseste tudo o que és on 2 de Fevereiro de 2025 at 16:03
      • Responder

      Mais vale estarem fora da escola a injetarem-se e a assaltarem bancos.

        • NF on 2 de Fevereiro de 2025 at 16:19
        • Responder

        O melhor é estarem a receber afeto dos encarregados de educação e do Eduardo Sá!

          • Mojo on 2 de Fevereiro de 2025 at 18:32

          Pode sempre ir você dar afeto para eles não estarem tanto na escola.
          Não se podem cansar muito, porque senão ainda aprendem alguma coisa e depois começam a pensar.

        • SuperNabiço on 2 de Fevereiro de 2025 at 21:05
        • Responder

        E na escola a formar gangs e a treinar pugilato no recreio enquanto os papás nem sequer os aturam!

    • Paula Cardoso on 2 de Fevereiro de 2025 at 13:08
    • Responder

    A violência escolar não é por falta de funcionários, até porque quando algum tenta impedir situações de violência, geralmente é repreendido pela direção. Até já ouvi uma funcionária que teve de receber tratamento hospitalar, pois sobrou para ela, ser acusada por um diretor de excesso de zelo. Educar dá muito trabalho e as direções não estão para ter trabalho a educar os filhos dos outros. As escolas preferem abafar todos os problemas de violência, uma vez que dá má imagem à escola. Mas verdade seja dita, a lei também não dá grande margem para punição de crianças e adolescentes . Parece-me que estamos de “mãos atadas” no que respeita à educação dos nossos jovens. E as consequências dessa hiper proteção estão à vista de todos. Cada vez mais criminalidade juvenil, porque não aprenderam nem em casa nem na escola que atos nefastos têm obrigatoriamente que ter consequências, sendo a punição uma delas. O que se passa neste país relativamente a educar os nossos jovens é vergonhoso. Só têm direitos, mas deveres…enfim, Portugal, Portugal. Por isso já nem me admiro quando ouço estrangeiros a viver em Portugal afirmarem que nunca viram crianças tão mal educadas que tem comportamentos próprios de macacos( embora pessoalmente duvido que os pobres dos macacos tenham tais comportamentos) e que não respeitam os mais velhos.

      • Irmã Lúcida on 2 de Fevereiro de 2025 at 18:19
      • Responder

      e quando havia serviço militar obrigatório eram sujeitos a disciplina e ainda aprendiam alguma coisa…

        • K on 2 de Fevereiro de 2025 at 18:33
        • Responder

        Quando havia serviço militar obrigatório, iam para lá 1 ano ou 6 meses aprender a apanhar ou a bater uns nos outros, e a perder tempo da sua vida.

      • Isa on 3 de Fevereiro de 2025 at 14:17
      • Responder

      Muito bem dito. É isso mesmo!

    • obnóxio on 2 de Fevereiro de 2025 at 13:47
    • Responder

    Falta acima de tudo educação; os chamados pais parideiros raramente a dão.
    Parir é fácil inseminar idem agora educar ui.

    • Eu mesmo on 2 de Fevereiro de 2025 at 15:21
    • Responder

    As escolas fazem de tudo para passar uma imagem limpa.
    1º Não se pode escrever nada sobre indisciplina no que fica visível para a comunidade.
    2º Nem há modelos de participações disciplinares e é obrigatório fazê-las
    3º Quando alguém se dá ao trabalho de marcar falta disciplinar e claro se sujeita a ser apontado porque o fez, nada acontece….
    Muito mau as atitudes da escola face à indisciplina. É mesmo a política do ignorar a ver se passa ou se pelo nemos não aumenta.

      • Anónimo on 2 de Fevereiro de 2025 at 16:05
      • Responder

      Não sei que escola é a sua, mas não conheço nenhuma escola que não tenha modelos de participações disciplinares, ou onde quem marcou participação é apontado por isso.
      Se existe alguma escola assim, é denunciar a situação ao ministério.
      Quanto a mostrar à comunidade educativa o que se faz, quando um aluno é suspenso não o é por “ter ido à missa”.

    • Rosa Maria da Conceição Costa Rodrigues on 2 de Fevereiro de 2025 at 16:38
    • Responder

    Muito bom!

    • zé das couves on 4 de Fevereiro de 2025 at 13:21
    • Responder

    está na hora de acabar com a loucura de ter os miúdos e professores tanto tempo dentro da escola

  2. No dia anterior a esta agressão RACISTA contra uma pessoa vulnerável, um aluno e uma funcionária tinham sido agredidas pelo mesmo bandido. As funcionárias são permanentemente insultadas, ameaçadas e agredidas. É muito fácil passar pelos problemas, nada fazer e sentenciar que “Isso é trabalho das funcionárias, eu sou professora!”. É cobardia e hipocrisia. As funcionárias que se atrevem a enfrentar os gangsters que mandam nas escolas nunca mais têm descansdo na vida, nem elas nem os filhos. As direcções escolares adoram estar nas boas graças dos referidos delinquentes precisamente por essa razão: para não terem o carrinho riscado e o filhinhos espancado.

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