O bicarbonato de sódio efervesce ligeiramente na água. Observo o corropio espiral das minúsculas partículas dissolvendo-se com indiferença num bailado circular, enquanto vislumbro as primeiras lágrimas a escorrer-lhe pelo rosto.
Estendo-lhe o líquido juntamente com um lenço, como se a dor da perda se colmatasse com um medicamento qualquer para a indisposição.
É fácil, tão fácil estar de fora e apenas consolar os outros. Consolar aqueles que observam o fundo do copo e o veem, ano após ano, apenas vazio.
Consolar aqueles que apostam tudo na geografia do impossível.
Consolar aqueles que se despedem dos amores com o coração rasgado ao meio.
Consolar aqueles a quem faltam moedas e sobram despesas.
Consolar aqueles que, estupidamente, sonham um dia chegar ao destino.
É fácil estar de fora, percorrer apenas nomes, números, posições e seguir caminho sem olhar para trás. E exigir muito sucesso no final das contas feitas.
Mas difícil mesmo é não perder a esperança, não deixar de amar o que se faz.
Difícil é sobreviver à injustiça de legislação que merecia, apenas, ser abundante papel higiénico de uma casa de banho pública qualquer.
Difícil é dizer basta e tomar a decisão corajosa de criar uma escada equilibrada, estável que verdadeiramente permita uma graduação justa.
Sorte de uns, azar de outros. Pois, coisas da vida…
Isso, agora sorve o bicarbonatozinho enquanto ainda tens a possibilidade de sofrer mais uns quantos murros no estômago.
E observa como, lá em cima, no 12º andar de uma rua em Lisboa, te consideram nada mais do que uma breve formiga indiferente.
Aproveita, limpa as lágrimas, mas mantém a cabeça baixa, baixinha. Não respires demasiado alto e prepara-te para recomeçar a rastejar.
Nada mais esperam de ti, professor eternamente contratado.