Como não tinha mais nada que fazer a esta hora, divaguei…
(Um Canto de Nepotismo na Cidade-Estado de Burocratópolis)
No salão marmóreo do Grande Tribunal da Palheta e do Papel (G.T.P.P.), que regulamenta tudo o que existe sob o Sol, sentava-se a temível Dr.ª Calceta Olho-Vivo. Ela era a Suma-Sacerdotisa da Divisão da Trama Estrutural e do Ordenamento do Povo (D.T.E.O.P.) e detinha o poder de mover montanhas de formulários.
E, como não há tragédia grega sem laços de sangue, a Dr.ª Calceta, com um gesto de puro hybris (soberba), nomeou a sua irmã, a Sra. Pantomina Parentela, para o cargo dourado de Coordenadora-Mór da Unidade dos Apanhados e Desorientados (U.A.D.). “A virtude corre na família!”, clamou a Dr.ª Calceta, ignorando o gemido sibilino do Coro de Cidadãos.
Mas a intriga espessa-se como a névoa do Pireu!
O esposo de Pantomina, um Técnico Especialista conhecido como Édipo-Sem-Sorte (cujo único talento era aparecer nos sítios certos), foi convenientemente “requisitado” (ou seja, refugiado) para o serviço no Oráculo da Despesa e do Excesso (O.D.E.), um local famoso por pagar bem e perguntar pouco.
O destino de Édipo-Sem-Sorte era unir-se à nobilíssima equipa da Dr.ª Falácia Conversa, a Inspetora-Geral do Serviço de Missões Trans-Marítimas e Ausências Longas.
Falácia Conversa, claro está, era amiga íntima — íntima mesmo! — da mais influente de todas: a Vice-Ministra da Propaganda e da Palheta, Madame Hipócrita Favores, que pessoalmente a havia instalado no posto. “Um favorzinho entre deusas do Olimpo Burocrático,” dizia-se.
Recorde-se, no entanto, que esta equipa de luxo da Dr.ª Falácia Conversa era composto por infames trabalhadores que, num revés, tiveram um destino mais cruel que o de Ícaro.
A farsa chegou ao fim. Os luxuosos gabinetes ficaram vazios e a realidade, essa, bateu à porta. E o Coro, misturando choro com gargalhadas, exclamou: “Que espanto, ó Povo! Tanta manobra e tanto poder para, no final, os lacaios serem obrigados a trabalhar! É a vingança dos Céus de Burocratópolis!”
