14 de Outubro de 2025 archive

Monodocência em Portugal: a injustiça estrutural e a omissão sindical – Manuel Alho

 

Num país que se orgulha de investir na Educação, há uma classe de professores que continua a ser tratada como subalterna: os monodocentes. Neste artigo denuncio a injustiça estrutural que os afeta, a omissão prolongada dos sindicatos e a urgência de uma reforma que dignifique quem, todos os dias, constrói os alicerces da aprendizagem. Com as negociações para a revisão do Estatuto da Carreira Docente prestes a iniciar-se, impõe-se que esta seja a oportunidade histórica para reparar décadas de desigualdade. É tempo de romper o silêncio e exigir justiça para os professores que carregam, sozinhos, o peso de uma escola inteira.

Monodocência em Portugal: a injustiça estrutural e a omissão sindical

Monodocência em Portugal: a injustiça legal e o silêncio dos sindicatos

A legislação vigente sobre os professores monodocentes em Portugal, particularmente no 1.º Ciclo do Ensino Básico, revela um quadro de desigualdade institucionalizada que perpetua iniquidades históricas. Apesar de reconhecerem a especificidade do trabalho em monodocência, as normas atuais mantêm um regime de direitos claramente inferior ao dos docentes de outros níveis de ensino, especialmente em matéria de redução da componente letiva e de aposentação. A negligência dos sindicatos em defender esta categoria desde o início do século XXI agravou ainda mais esta situação, deixando os monodocentes à mercê de uma lógica burocrática que ignora o desgaste físico e psicológico inerente à sua função.

Direitos atuais e desigualdades estruturais

Os direitos dos monodocentes estão consagrados no artigo 79.º do Estatuto da Carreira Docente (ECD), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 41/2012. Segundo este artigo, os docentes da educação pré-escolar e do 1.º Ciclo em regime de monodocência podem requerer a redução de cinco horas da componente letiva ao completarem 60 anos de idade, independentemente de outros requisitos. Em contrapartida, os docentes dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e do ensino secundário beneficiam, automaticamente, de uma redução progressiva: duas horas aos 50 anos com 15 anos de serviço, mais duas aos 55 com 20 anos, e mais quatro aos 60 com 25 anos, totalizando oito horas. Esta diferença é profundamente injusta, pois o trabalho em monodocência implica a gestão de todas as áreas curriculares, funções de coordenação pedagógica e uma carga emocional e organizacional muito superior.

Ainda mais grave é a dispensa total da componente letiva, prevista no n.º 3 do artigo 79.º, que pode ser requerida após 25 ou 33 anos de serviço em regime de monodocência, por um ano letivo. Este direito, embora importante, é temporário e não se traduz numa aposentação antecipada, ao contrário do que ocorria anteriormente. A comparação com os docentes pluridocentes evidencia uma clara discriminação, já que estes últimos acumulam reduções mais cedo e com menos exigência de idade.

Da equidade perdida: o regime antes de 2004

Antes da reforma de 2004, os monodocentes beneficiavam de um regime especial de aposentação, reconhecendo-se o desgaste acelerado da função. O Decreto-Lei n.º 1/98, de 2 de janeiro, previa que os docentes em monodocência com 55 anos de idade e 30 anos de serviço pudessem aposentar-se com carreira completa. Este regime foi progressivamente desmantelado, culminando com a Lei n.º 1/2004, que alinhou os critérios de aposentação com o regime geral da segurança social, sem considerar as especificidades do 1.º Ciclo. A Lei n.º 77/2009 e a Lei n.º 71/2014 tentaram repor parcialmente este direito, mas apenas para docentes que concluíram o Magistério Primário em 1975 e 1976, deixando a maioria dos atuais monodocentes de fora.

A crítica de autores como José Manuel Malhão Pereira e António Nóvoa reforça esta análise, ao afirmarem que a desconsideração do trabalho pedagógico nos primeiros anos de escolaridade é um reflexo de uma sociedade que subestima a infância e a formação inicial. A monodocência, longe de ser uma opção de menor prestígio, é uma função complexa que exige competências multidisciplinares e uma capacidade de gestão emocional e pedagógica excecional. A sua desvalorização legal é, portanto, uma negação do valor educativo dos primeiros anos de escolaridade.

Cinco alterações estruturantes para a justiça que tarda

Face a esta realidade, proponho cinco alterações prementes para corrigir as iniquidades:

  1. Aposentação aos 60 anos com carreira completa para todos os monodocentes com 25 anos de serviço efetivo em regime de monodocência, independentemente do ano de ingresso na carreira. Esta medida reconhece o desgaste acumulado e alinha-se com os princípios de equidade social.
  2. Redução progressiva da componente letiva a partir dos 50 anos, com dois tempos de redução aos 50 com 15 anos de serviço, mais dois aos 55 com 20 anos, e mais quatro aos 60 com 25 anos, equiparando-se aos docentes dos outros níveis de ensino.
  3. Dispensa total da componente letiva por dois anos consecutivos após 30 anos de serviço em monodocência, com manutenção de funções de orientação pedagógica e mentoria a docentes em início de carreira, promovendo a transmissão de saberes.
  4. Criação de um escalão remuneratório específico para monodocentes, com um acréscimo de 15% na remuneração base, reconhecendo a complexidade e a responsabilidade acrescida da função.
  5. Inclusão automática no regime de aposentação especial para todos os docentes em monodocência com 55 anos e 30 anos de serviço, revogando as restrições temporais e geracionais impostas pelas leis de 2009 e 2014.

 

A persistência da desigualdade no tratamento dos monodocentes é um escândalo ético e pedagógico. Os sindicatos, que deveriam ser os primeiros a denunciar esta situação, falharam sistematicamente nesta missão desde o início deste século, optando por agendas corporativas que negligenciam os mais vulneráveis da profissão. É urgente uma reforma estrutural que restabeleça a dignidade do trabalho docente nos primeiros anos de escolaridade, onde se assenta o futuro da educação nacional.

Justiça para os monodocentes: o momento da verdade para ministério e sindicatos

Com a revisão do Estatuto da Carreira Docente (ECD)à porta, o Ministério da Educação tem uma oportunidade histórica para corrigir as injustiças que há décadas assolam os professores monodocentes, designadamente do 1.º Ciclo. Não é (mais) aceitável que se continue a protelar uma reforma que deveria dignificar uma das profissões mais exigentes e fundamentais do país. Os sindicatos, especialmente os tradicionais, têm de abandonar a sua postura complacente e omissa sobre esta questão específica, assumindo verdadeira e finalmente o papel de guardiões dos direitos de todos os docentes, incluindo os monodocentes, cuja voz foi sistematicamente silenciada e negligenciada. Se persistirem as negociações lentas, vagas ou superficiais, a mobilização unida e veemente dos professores do 1.º Ciclo levá-los-á a pagar um preço político e social alto. O tempo do silêncio cúmplice e da negligência acabou: é chegada a hora de exigir, com rigor e sem descanso, que esta revisão do ECD seja efetivamente a reparação estrutural que a monodocência e a educação infantil há tanto carecem.

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Mais uma medida de “valorização da profissão docente”

 

Temos que esperar para ver quais os efeitos desta medida…

Define as condições e os montantes das bolsas a atribuir aos estudantes de mestrado com prática de ensino supervisionada em estabelecimentos de educação pré-escolar e de ensino básico e secundário, nos termos do Decreto-Lei n.º 79/2014, de 14 de maio, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 9-A/2025, de 14 de fevereiro.

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Diretores escolares e poder político – Ana Mercedes Pescada

A escola é um espaço político, na medida em que replica as pulsões sociais e é onde se ensinam os valores que permitem desenvolver o pensamento crítico e assumir e defender ideais de liberdade, responsabilidade e humanidade; mas não é – nem pode ser – um espaço partidário

Diretores escolares e poder político – Ana Mercedes Pescada

Andam por aí alguns diretores escolares muito incomodados com uma corrente de opinião que considera que, face à escassez de professores, bem que podiam os diretores ter uma turma.

Todos sabemos que o problema da falta de professores passa por outras questões que implicam medidas estruturais de revitalização da carreira, com a criação de medidas geradoras de atratividade, que vão demorar anos a surtir os seus efeitos, mas que têm de ser levadas a cabo no imediato. Esta não resolveria o problema, mas serviria para demonstrar o exemplo que é pedido aos docentes quando lhes atribuem horas extraordinárias e mantê-los-ia perto da realidade de sala de aula de que muitos já estão ausentes há décadas.

Revolta os diretores que o comum dos professores não entenda a responsabilidade e a magnitude do cargo que desempenham, embora se esqueçam de mencionar que se candidataram ao lugar, recebem suplemento remuneratório e que raros querem regressar ao seu anterior papel de professor terminados os seus mandatos (até ao limite de 4).

Nos meus quase 40 anos de serviço, vi diretores muito bons, que nunca esqueceram que eram professores e não meros gestores de recursos humanos e financeiros, reconhecendo e valorizando os limites e as competências funcionais da sua profissão, respeitando os seus colegas. Mas também alguns muito maus que se encostaram ao poder político e o usaram para se promover e perseguir professores em nome de interesses que nada tinham de pedagógico ou de ação social humanitária.

Estes últimos conheci-os quando a contaminação aconteceu e as fronteiras entre as escolas e as autarquias se esbateram, dando às últimas poder de decisão em órgãos como o Conselho Geral. Os poucos que vi recusar esta contaminação foram exonerados ou demitiram-se. E, pasme-se, muita da opinião pública que fica surpreendida quando ouve dizer que há direções que pedem aos professores que sejam parcos na utilização do papel higiénico, porque a estes últimos – aos que se recusam a deixar entrar a política pelo espaço do que deveria ser eminentemente pedagógico – será negado e atrasado o pagamento destas contas de necessidades básicas por parte das autarquias e isso diz tudo sobre todo o resto, que é o essencial.

A escola é um espaço político, na medida em que replica as pulsões sociais e é onde se ensinam os valores que permitem desenvolver o pensamento crítico e assumir e defender ideais de liberdade, responsabilidade e humanidade; mas não é – nem pode ser – um espaço partidário, de defesa de cores políticas e perseguição aos que, democraticamente, instituem espaços de reflexão diferentes dos que detêm o poder.

Tenho, por isso, alguma incapacidade para entender todos os diretores professores que se encostam ao poder político para prosseguir caminho nas suas carreiras. Será interessante percorrer as listas candidatas às próximas eleições autárquicas e verificar a quantidade de diretores que constam delas e até aqueles que, de anteriores campanhas, se encontram agora em funções, quando a lei refere o caráter de exclusividade em que devem manter o desempenho do seu cargo de diretores.

Serão estes seres mutantes que se adaptaram e entenderam que já não é possível à escola sobreviver sem esta contaminação? É que parece-me mais lógico que, face à escassez de professores qualificados e ao facto de terem tempo para outras funções, estes optassem por assumir uma turma, dando continuidade à pulsão pedagógica que anima intrinsecamente qualquer professor. Existe, aliás, um ou dois (num universo de cerca de 800), que já começaram a dar o exemplo, provando que afinal é possível continuar a ser professor, apesar de ser diretor.

Por isso, perdoem-me as falsas virgens ofendidas, mas perante esta “sobrequalificação” de tantos diretores, não consigo compreender como pode o MECI (Ministério da Educação, Ciência e Inovação) desperdiçar o recurso de um diretor, face ao deserto em que se está a tornar a Escola Pública.

A menos que já tenha assumido o seu carácter híbrido, a caminho de um outro ser que está longe de ser professo

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