Todos sabemos que uma casa não se constrói a partir do telhado mas a partir dos alicerces. É verdade que há muito que mudar no sistema de ensino, mas se não encararem as mudanças a fazer no 1º ciclo esqueçam… o que vier depois serão remendos quando o sentimento de insucesso e a rejeição à escola já está instalada, diria mesmo enquistada.
SUCESSO ESCOLAR, SR. MINISTRO? COMECE-SE PELO 1º CICLO!
Se não se mudar radicalmente o 1º ciclo, continuaremos a ter crianças e jovens que cedo perdem a curiosidade e o interesse pela aprendizagem, fragilizadas, desconfiados, descrentes, sem confiança em si e na sua capacidade de aprender. A pressão diária instalada na escola e seguida pelas famílias dá cabo da capacidade de SER criança, de SER jovem. Em plenitude.
O que se passa hoje no 1º ciclo é completamente absurdo. Perante tal absurdo pergunto-me: quem decide ainda saberá o que é SER CRIANÇA? Terá crianças por perto ou vive numa bolha?
Compartimentou-se de tal modo o conhecimento em disciplinas que as crianças não vislumbram a associação à realidade. Qualquer pequena fatia de jardim perto da escola, com diferentes árvores, arbustos, flores, em que se passeiam lagartixas, minhocas, formigas em que esvoaçam melros, pardais, borboletas, escaravelhos, pode dar lugar a um exercício vivo de interação e descoberta em que a identificação, o registo, a categorização, a pesquisa sobre os diferentes seres vivos observados e suas caraterísticas alimenta a curiosidade e traz um conjunto inesgotável de conhecimento à medida da idades das crianças. Não será seguramente um conhecimento assente em ler e copiar páginas do manual de Estudo do Meio mas sim algo natural e vivo que casa o Estudo do Meio, a Matemática, a Escrita, a Leitura e a conversação, as Expressões.
Do mesmo modo aprender a ler não pode continuar a ser uma corrida de alta velocidade com metas estapafúrdias ditadas de cima. Não pode ser centrado em metodologias únicas, antiquadas e ineficazes que com umas pinceladas de novidade são apresentadas nos manuais escolares. Aprender a ler, a escrever e ficar com o bichinho da leitura exige uma outra abordagem que faça sentido no mundo em que estamos.
Como no passado e no presente não poderá continuar-se a ensinar uma classe como se fosse um só aluno, isto é, fazendo igual para todos; não podem mandar-se repetir e repetir de novo as matérias em aulas de apoio suplementar como se as crianças fossem atrasadas. Dê-se-lhes tempo, puxe-se pela sua curiosidade inata, estimulem-se os progressos, faça-se da avaliação algo em que tudo conte incluindo o trabalho que todos os dias é feito pela criança em aula, cinco dias por semana, mês após mês. A avaliação centrada exclusivamente em testes é um absurdo para crianças desta idade, como se o imenso trabalho que fazem todos os dias fosse de deitar ao lixo. A obsessão dos últimos anos de tornar a organização do 1º ciclo igual à dos ciclos seguintes tem causado imensos danos às crianças.
Quem está atento sabe que há pouco para inventar, o que há de melhor também se faz em Portugal ainda que em pequena escala. Temos escolas e salas de aula que fazem diferente. Temos tido muitos projetos inovadores com instituições de suporte, temos escolas e professores que os podem partilhar como estímulo para outros. Temos dados disponíveis, investigações que apontam caminhos, pedagogos, pensadores e cientistas interventivos. O diretor do Departamento da Educação da OCDE, Andreas Schleicher, diz que é preciso reorganizar a aprendizagem, com “ousadia”, diz que “Portugal tem obviamente assistido a um enorme progresso, mas precisa de ter cuidado para educar as crianças para o seu próprio futuro e não para o nosso passado. “
Para mudar o processo de ensinar no 1º ciclo é preciso esperar mais tempo SENHOR MINISTRO? Mais experiências? Andamos há décadas nessa lógica. Poupem-nos! A nós, às crianças, aos professores.
Maria de Lurdes Monteiro
aescolanaoetudomasquase.blogs.sapo.pt
6 comentários
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Enganou-se no destinatário do texto.
Com excepção da referência as metas, tudo o resto é da responsabilidade das escolas e dos professores.
São os professores quem define, elabora e aplica as metodologias, atividades e instrumentos de avaliação.
Os critérios de avaliação são defendidos pelas escolas, aprovados pelos respetivos CP.
Tudo isto faz parte da AUTONOMIA da escola e dos professores
Com o fim das provas finais de ciclo no 1º ciclo já nem sequer existe essa desculpa para se fazer tudo igual.
Se não se mexerem naquelas metas loucas deixadas pelo ministro Castro… tudo o resto é utopia. O destinatário em certa medida está certo…
Os alunos do 1º ciclo têm carga a mais e essa vai, aparentemente, manter-se.
Pois são! Os professores.
Também são os professores que definem o horário e a matriz curricular! Tudo. Os professores decidem tudo. Por isso, com 3 tempos por semana de lecionação de Estudo do Meio, MUITO se pode fazer!!! E a disciplina que “mais liga os alunos à natureza”, e da qual se poderia partir como motivação para todas as outras aprendizagens, desenvolve-se assim- 3 tempos em 25 semanais. Ah! E a componente experimental, que delicia os miúdos, pode ser GRANDEMENTE explorada!!!!!
Há pessoas que estão por fora… Nada a fazer!
Concordo.
Obrigada Fátima, só agora vi que o meu texto foi publicado aqui. Sabe que o PAÍS (incluindo as UNIVERSIDADES, PAIS, DECISORES, desde a Junta de Freguesia ao 1º ministro ) NUNCA quis assumir que, como a Fátima diz, as metodologias, as atividades e os instrumentos de avaliação teriam de ser encarados de outra forma, porque, ao dizê-lo, teria que mexer em TUDO e tanto é… é fácil culpar só os professores; não é por aí que vou e perceberá isso se quiser aceder ao meu blog… todos somos poucos para mudar o que tem de ser mudado!
Lá está. O estudo do Meio só se dá em 3 tempos, ou não se pode articular com outra coisa? Há pessoas que estão por fora, e outras estão por dentro… Dentro das crianças e da sua maneira de ser; dentro do universo das disciplinas e menos das metas; dentro do que interessa e me levou a seguir a profissão. Há turmas e turmas, culturas, etnias, e personalidades. Nada disso devia desculpar o facto de as aprendizagens serem transversais… Os escrever um relatório de observação está a praticar a escrita e o português; ao contar espécies, organizá-las em tabelas, quadros estatísticos, medir coisas, etc está a trabalhar a Matemática. Tudo enquanto trabalhou Estudo do Meio. Secalhar pode trabalhar conteúdos de uma coisa por meio de outra, e assim duplica o real tempo de trabalho sobre o conhecimento e as CAPACIDADES. Mas isto sou só eu que digo…