1. Interpelado por Rui Rio no último debate quinzenal, António Costa meteu os pés pelas mãos no discurso, mas esclareceu as intenções: invocando argumentos não demonstrados, travestiu de progresso mais um retrocesso, qual seja o de acabar com as reprovações no ensino básico. Petulante, acusou Rui Rio de se guiar pelo “senso comum”, em lugar de seguir “decisões informadas”. O problema é que qualquer pavão que use as decisões do PS em matéria de Educação, “assentes nos estudos pedagógicos mais informados”, ficará reduzido a espanador pelo simples “senso comum”.
Na altura, António Costa exibiu a primeira página de um estudo que não leu, sobre uma matéria que nunca lhe importou. O estudo, que não diz o que ele disse que diz, é teoricamente bem construído, mas deve ser confrontado com a realidade. E a realidade mostra que as reprovações estão associadas a alunos carenciados e à falta de recursos das famílias e das escolas. Eliminá-las passa por políticas sociais que combatam as desigualdades, que não por colocar ainda mais pressão sobre professores desmotivados, mal pagos, expostos à indisciplina e à violência que grassam nas escolas e escravizados por trabalho sem sentido e normativos manicomiais.
3. Quando se retomou a actual polémica sobre a validade das reprovações, li e reli que a sua abolição significaria uma poupança de 250 milhões de euros por ano. É fácil perceber como os criadores da cifra a calcularam: multiplicaram o número de reprovados pelo custo médio anual por aluno. Só que as coisas não se passam assim, já que uma eventual passagem automática de todos não iria originar a redução de professores, de assistentes operacionais e técnicos e o encerramento de escolas, variáveis que determinam os custos.
No que toca ao secundário, com o tempo decorrido sobre o prolongamento da escolaridade obrigatória de nove para 12 anos, o país ganharia em discutir, sem preconceitos, a continuidade ou a reversão da medida (na UE só seis países têm 12 anos obrigatórios), bem assim como repensar toda a lógica organizativa e curricular da via profissionalizante.
Ao anterior acresce que as “aprendizagens essenciais” assentam na ideia equívoca de que o aluno é capaz de construir autonomamente o seu próprio conhecimento, através de “projectos” funcionais e imediatamente utilitários, desenvolvidos preferencialmente com metodologias lúdicas. Este conceito, que se foi impondo insidiosamente, vem originando uma organização avulsa e destruturada do currículo nacional. A ênfase dada às competências vem negligenciando o conhecimento, quando o conhecimento é nuclear para qualquer tipo de desempenho. Por outro lado, a interpretação que alguns fazem da autonomia curricular põe em perigo a garantia de que um conhecimento principal e nacional seja proporcionado a todos os estudantes, de modo equitativo e universal.
3 comentários
Excelente, como sempre. E deixo também o meu testemunho:
Lembro-me, há algum tempo, que vi um jornalista da RTP com um ar de satisfação, dizer qualquer coisa do género: “Há escolas que já decidiram que os alunos não chumbam mesmo que não estudem…”.
Estávamos no início do ano letivo, nas reuniões preparatórias para o começo das aulas e tanto eu como os meus colegas, pensámos:” Recado da tutela. Que tristeza ser RTP e estar subordinado ao Estado”.
O tempo foi passando e “palavras loucas, orelhas moucas”, como se diz. Porém, essa “boca foleira” está a prejudicar a escola.
Já há alunos que dizem que já não se chumba até ao 9º ano e que já não fazem nada, que respondem aos professores: “Não vê as notícias? Está mal informada… Para que é que eu estudo? Passo na mesma”…
Sim, isto está a acontecer, embora a polémica ainda esteja a começar e já circule na NET uma petição dos Encarregados de Educação para que as retenções continuem.
Não sei se os jornalistas têm consciência da “merda” que estão a fazer…
Como docente, eu até poderia aceitar o sistema britânico em que não há retenções mas as mudanças teriam ser de raíz com turmas de nível (exige custos). Contudo, lá também há exame no final da escolaridade e só quem tem aproveitamento recebe Diploma; os que não o têm ficam com um Certificado de frequência que apenas serve para dizer que não são analfabetos…
Eu tenho explicado aos alunos que ainda não está nada decidido, que há depois o exame do 9º e se reprovarem não podem ir para o Secundário ou ficam com um certificado que não lhes serve para nada. Dá resultado com uns, não dá com outros.
É triste. Muito triste…
Pela mesma ordem de ideias do PS, acabe-se com as multas por falta de carta de condução dos condutores que provarem terem chumbado ao realizar o exame. Afinal, para quê chumbá-los? Vão conduzir à mesma…
(…) ” Há matérias que requerem aprendizagens incrementais e acumulativas, sendo garantido o desastre quando se pula para um nível superior sem domínio do anterior”.
Brilhantemente, S.C. disse tudo em poucas palavras. É uma verdade óbvia e indesmentível, excepto para os arautos dos 54 e quejandos – destemidos “salta – pocinhas” – cuja abordagem àquelas matérias, remontando à longínqua adolescência, imitou o salto do gato sobre brasas. Muito mais tarde, maquilharam a sua escassa formação de base com umas dificílimas pseudo “ciências”. E como a ignorância é atrevida…
Análise magistral, como sempre! Continuam a ser os únicos textos, neste blog, que eu consigo ler até ao fim.