Contratação de mais de 1000 assistentes operacionais demorou a ser iniciada, lembra Tiago Brandão Rodrigues: “Chegámos a pôr em causa se eles tinham necessidade real de os contratar”.
Durante uma operação do programa Escola Segura a PSP apreendeu armas encomendadas pela Internet por um aluno de 16 anos. Uma operação acompanhada pela reportagem da RTP numa altura em se registam vários casos de agressões nas escolas.
Violência entre alunos mas também contra professores, como foi o caso de Carla, uma professora que não esquece o dia em que a sua vida mudou para sempre.
a passada terça de manhã, mal cheguei à escola, ouvi o meu colega Hugo (que habitualmente tem sobretudo turmas do ensino básico) afirmar com espanto e alguma ironia: Ah, ouviram? O melhor professor de Portugal diz que nunca teve um dia em que pusesse um aluno na rua. Já eu, não tenho um dia na vida em que isso não me aconteça… O meu colega Hugo é um excelente profissional. Dedicado. Aplicado. Assíduo. Sensível. Amigo dos alunos. Solidário. Bom colega. E ainda jovem, o que lhe concede uma enorme paciência, por mim já várias vezes testemunhada. Porém, ensina Matemática e, como se tal não bastasse, numa escola de território educativo de intervenção prioritária.
Todo este intróito para fazer uma breve apreciação ao debate sobre Educação do passado dia 12, moderado pela jornalista Fátima Campos Ferreira, no Canal 1, apregoado e realizado com pompa e circunstância, num auditório repleto de professores. Pretendia-se discutir as causas e as consequências da violência nas escolas mas também a urgência em dignificar a profissão docente, à mistura com o que deve ser hoje a aprendizagem, a polémica das notas e dos exames bem como o atual ponto de saturação de professores e alunos, entre outros assuntos sem dúvida importantes. Comecei por ouvir com atenção, não sem considerar que talvez se estivesse a meter o Rossio na Rua da Betesga.
O depoimento de um professor, Luís Sottomayor Braga, antecedeu o debate. O colega confessou ter sido agredido várias vezes. Sete, em bom rigor. Numa escola de um agrupamento T.E.I.P., como a minha. Outros casos de violência foram narrados, como o caso da agressão de um pai de uma aluna a professores e a auxiliares de ação educativa. Ali estava, pensei, um importante tema de interesse público, com grande atualidade, urgente e necessário. Segundo dados do Ministério da Educação, os casos de violência nas escolas têm vindo a diminuir (1500 casos de violência escolar em 2018, mas números estão a diminuir, avança a SIC). Será mesmo assim? Pela minha vivência diária numa escola T.E.I.P., tenho dúvidas. Acredito que a maior parte dos casos de indisciplina e de violência nas escolas fica em silêncio. Existe também a hipótese de muitas vezes se desincentivar a queixa uma vez que pode estar em causa a imagem da instituição, caso o número de casos de indisciplina / violência se revele elevado. Outros casos haverá em que os prazos para a participação disciplinar foram ultrapassados, a aplicação das penas demorou ou não chegou a acontecer, etc. Certo é que, quer sejam casos de bullying, injúrias, atentados à nossa integridade ou meros atos de indisciplina com que lidamos numa base diária, a maior parte destas situações são geridas em sala de aula pelos professores, com graves consequências para a sua saúde mental. Mas com tudo isto já nós vivemos há muito tempo e quase que estamos habituados. O que me preocupa é a afirmação de que haverá professores por esse país fora com medo de dar aulas.
Também eu já fui injuriada. A minha experiência profissional com três décadas de escola pública mostra que os alunos dos cursos profissionais são, em regra, mais indisciplinados do que os alunos dos cursos do ensino regular e que os do ensino básico provocam mais problemas do que os do secundário. Porém, é tudo uma questão de sorte. Já me chamaram “filha da puta”. Já entraram e saíram da sala com estrondo, aos pontapés e aos palavrões. Já me ameaçaram. Já amarrotaram e rasgaram testes corrigidos, atirando-os para o caixote do lixo, ali mesmo à minha frente. Todos os dias, dia após dia, há professores a passar por alguma situação de violência. São atos contínuos que vão corroendo a mente e o corpo. Num dia normal de trabalho, um professor lida com cerca de 90 a 120 alunos. Todos diferentes, sim! Mas também todos iguais na sua adolescência, na sua atribulada vida familiar, no seu (des)interesse pela escola, na sua (des)preocupação com as notas, na sua obsessão pelo telemóvel, na sua descoberta da sexualidade, na sua atitude de revolta.
Que razões levam os professores a não marcarem faltas disciplinares amiúde ou, em casos mais trágicos, a não denunciar os alunos à polícia? Medo? Vergonha? Sensação de impunidade? No meu caso, é cansaço. É sobretudo cansaço, como diz o poeta. Há dois anos, um aluno do 11º ano de escolaridade, não só filmou as aulas de uma colega minha como fez uma montagem com o meu rosto no corpo de uma modelo em biquíni natalício – obviamente reduzido – que divulgou pelos colegas, acabando tal graça por chegar ao conhecimento de uma auxiliar de ação educativa que de imediato nos informou. Da participação disciplinar, nada resultou. Era necessário apresentar queixa na polícia e aí, mea culpa, demasiado ocupada com cento e vinte seres para ensinar (e perante a garantia de que o aluno abandonaria a escola), não agi. Nem o aluno mudou de escola nem nós fomos poupadas ao encontro com ele nos corredores, sem ter sido alvo de qualquer tipo de sanção.
Voltando ao debate, preocupou-me a ausência de um representante do Ministério da Educação, não menos do que a solidariedade pública perante os professores agredidos. Citando o professor Luís Sottomayor Braga, o mundo de sonhos em que alguns vivem é o pesadelos de outros. Tanto o professor do ano como a investigadora e o economista – que fizeram parte do painel – mostraram-nos uma triste realidade: os verdadeiros especialistas em educação, os professores, foram remetidos ao papel de meros papagaios relatores das suas experiências a peritos que vão explicando aquilo que não viveram. Tudo isto me fez recordar um professor de Mestrado na Universidade Católica, nome conhecido na praça que, sem nunca ter entrado numa sala de aula do ensino básico ou secundário, nos pedia semanalmente narrativas de casos por nós experienciados na escola (com os quais nos avaliava) e que depois transformava em crónicas semanais num conhecido jornal da nossa praça pagas a peso de ouro e em livros que vendiam como castanhas no outono.
O Inquérito Nacional a 16 mil docentes sobre as Condições de Vida e de Trabalho na Educação em Portugal, uma encomenda da Fenprof à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, é revelador do estado em que nos encontramos. Quando cerca de nove em cada dez professores admitem querer reformar-se de imediato, se tal oportunidade lhes fosse proporcionada, pouco mais há a dizer. Lidar com turmas de trinta alunos indisciplinados é, sem qualquer sombra de dúvida, difícil e penoso. Pela exaustão emocional que nos provoca e que vai aumentando à medida que as nossas capacidades de resiliência vão diminuindo. Existe uma forte correlação entre esta exaustão em que nos encontramos e os níveis de desejo de reforma que todos os colegas com quem falo me manifestam. Se os políticos e as políticas de educação continuarem a ignorar esta situação, preparemo-nos para o descalabro que se avizinha.
A sensação de impotência e de vazio espalha-se pelas salas de professores. Lidamos diariamente com comportamentos de baixo impacto mas de elevada frequência. E, pouco a pouco, dia após dia, semana após semana, mês após mês, ano após ano, o reflexo destes comportamentos aliado à urgência em apagar tantos fogos ao mesmo tempo vão-se acumulando dentro de nós. Eis-nos chegados a um ponto em que a nossa caixa de ressonância começa a vibrar cada vez menos com a escola. Vivemos as semanas de trabalho na esperança de que os meses e os períodos se sucedam rapidamente e o ano letivo termine. Por tudo isto, considero urgente um debate honesto sobre o cansaço, a exaustão e a desilusão dos profissionais de ensino em Portugal. Neste contexto, dificilmente conseguiremos chegar aos 66 anos e muitos meses na posse de plenas capacidades mentais. Eu por mim falo!