O desgaste dos professores e a falta de condições
As queixas são muitas: falta de financiamento para todos os projetos que a escola tem e pretende ter, sobrecarga de trabalho, falta de recursos materiais e humanos, má gestão administrativa e fraca valorização salarial das carreiras. Estas são apenas algumas das dificuldades sentidas hoje pelos professores e que contribuem para que uma carreira outrora prestigiada pareça cada vez menos atrativa, estando hoje com elevados índices de envelhecimento.
Segundo os últimos dados oficiais da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), referentes ao ano letivo 2017/2018, verifica-se que existiam pouco mais de 155 mil educadores de infância e professores em todo o país. Não é preciso recuar muito no tempo para perceber que este número tem vindo a decrescer ao longo do tempo: em 2010/11, eram mais de 174 mil em todo o país.
De salientar ainda que, apesar deste decréscimo do número de professores, a percentagem de docentes a exercer funções em estabelecimentos de ensino público tem-se mantido constante na casa dos 83% – em 2017/18 representavam 82,6% e em 2010/11 representavam 83,3%.
Para além desta diminuição do número de docentes, há ainda números que provam o acelerado envelhecimento. Segundo o último relatório sobre a educação da OCDE, Portugal é, junto com a Itália, o país com a menor percentagem de professores com menos de 30 anos – menos de 1%, quando em 2005 a percentagem estava fixada nos 16%.
Ainda segundo este mesmo relatório da OCDE, o Education at a Glance, atualmente 41% dos professores tem 50 ou mais anos. Se tivermos mais uma vez em conta o ano de 2005, a percentagem era na altura de 22%.
Segundo Mário Nogueira, secretário-geral da Federação Nacional dos Professores (FENPROF), “os problemas dos professores hoje em dia começam logo na carreira docente, que é algo que o Governo tem desleixado e que está a retirar atratividade à profissão”. O representante da FENPROF considera mesmo que esta questão salarial é um dos principais fatores que está a fazer com que não existam jovens a querer a profissão de docente.
Para além desta questão da valorização da carreira de docente, Mário Nogueira destaca ainda uma série de outros problemas com os quais hoje os professores têm hoje de viver, como é o caso da instabilidade – visto que há “uma precariedade muito grande na docência” -, o envelhecimento, que cria “dificuldades ao nível de desempenho e de facilidade de adaptabilidade” e ainda a questão da sobrecarga de trabalho.
Esta última é, inclusive, destacada por Mário Nogueira pela dimensão: o horário médio docente chega às 46 horas semanais, quando na lei está estabelecido que sejam 35. O dirigente sindical explica ainda que hoje os professores têm demasiadas exigências ao nível da escola. “São exigidas burocracias, como papeladas e reuniões, muitas delas não sei bem para que servem. As pessoas quase que deixam de ter vida pessoal para fazerem todo este trabalho”, afirma.
De facto, um estudo do ano passado realizado pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade NOVA de Lisboa (UNL) e encomendado pela FENPROF, concluiu que que mais de 60% dos docentes portugueses estão em situação de burnout – distúrbio psíquico de caráter depressivo, precedido de esgotamento físico e mental intenso – e que 70% dos professores lecionam em situação de exaustão emocional. No total foram inquiridos 19 mil docentes de todo o país.
Para além disso, 15% dos inquiridos já tinham ultrapassado os limites do cansaço, mais de metade apresentava sinais preocupantes e mais de 40% não se sentia realizado com a profissão. O estudo aponta como principais motivos destes elevados números de cansaço e insatisfação o excesso de burocracia, a indisciplina dos alunos, a idade e a falta de autonomia, por exemplo.
A esta elevada sobrecarga de trabalho juntam-se várias outras situações, como o “elevado número de alunos nas turmas, falta de apoio nas escolas para dar resposta a alunos com exigências maiores, como alunos com necessidades especiais educativas, a falta de organização, falta de recursos e ainda um subfinanciamento do sistema”.
A situação é de tal forma grave que o secretário-geral da FENPROF considera mesmo que “se os professores só trabalhassem as 35 horas que estão na lei e só fizessem aquilo que é possível fazer com os recursos que as escolas têm, estas iriam fechar com certeza”.
A FENPROF calcula que neste momento ainda existam cerca de 10 mil alunos nas escolas portuguesas sem todos os seus professores. Estima ainda que, se o atual panorama de “desvalorização da profissão de docente se mantiver”, daqui a alguns anos existirão mesmo escolas sem professores suficientes não só temporariamente mas em definitivo, devido ao reduzido número – ou inexistência mesmo – de candidatos nas escolas de formação para professores.
“Como é que vou dar Van Gogh a preto e branco?”
Sara Bogarim Sacha tem 61 anos e conta já com 39 anos de serviço, dos quais 29 como efetiva. É professora de Educação Visual no agrupamento de escolas de Nelas, no distrito de Viseu, e este ano está encarregue de uma disciplina chamada Comunicarte, que consiste em analisar a forma como se interpreta a arte, o que é a arte, os seus diversos movimentos artísticos e comunicar através da arte.
Por se tratar de uma disciplina interpretativa, Sara tem muitas vezes que tirar fotocópias e por se tratar de arte, as mesmas têm que ser a cores, ou pelo menos deveriam: “Tenho que imprimir as minhas fotocópias fora da escola porque o plafond que me dão não chega. Se tiro cinco fotocópias a cores fico sem o plafond anual inteiro. Como é que eu vou dar Van Gogh a preto e branco?”, questiona a professora.
Para além destas dificuldades ao nível da fraca disponibilidade de recursos materiais, Sara Sacha é ainda coordenadora do Plano Nacional das Artes, o que implicam deslocações recorrentes, nomeadamente a Aveiro, que fica a cerca de 100 quilómetros do seu local de trabalho. Contudo, Sara queixa-se da falta de apoio financeiro no que toca a esta situação. “Ninguém me paga nada ou os miúdos ficam sem o Plano Nacional das Artes. Por isso tenho que usar o meu carro e ir, ficando estes custos extra a meu encargo”, refere.
Esta professora com quase 40 anos de experiência deixa ainda duras críticas à gestão do Ministério da Educação para com a carreira docente. Explica que é efetiva há 29 anos e que mesmo assim não consegue passar de escalão, porque “o Ministério diz que não há enquadramento legal para a minha situação, porque se esqueceram de a fazer”. Sara é da ARCA-EUAC Escola Universitária das Artes de Coimbra e foi-lhe retirado o grau de superior para o ensino, pelo que em 2007 tirou um novo curso. Conta que há apenas duas professoras no país com este tipo de caso e que nada é feito quanto a isso.
Quando chove dentro de um pavilhão
Aos 52 anos, Manuela Antunes conta que é uma das professoras mais novas no quadro da Escola EB 2,3 Azeredo Perdigão, em Viseu, e explica que nesta profissão já “está tudo muito cansado e à espera da reforma”. “As pessoas estão tão desgastadas que quando chegar a idade da reforma não vão aproveitar nada”, considera.
Para além deste crescente envelhecimento e desgaste da docência, Manuela Antunes aponta como um dos principais problemas da sua escola a qualidade atual dos recursos materiais que lhe são disponibilizados.
Manuela é professora de Educação Física e dá o exemplo de um pavilhão da escola onde em tempos já choveu e de balneários “degradados”, desde portas, pintura e humidade, que “criam um ambiente desagradável para alunos e professores”. Conta ainda que o recinto exterior está tão debilitado que “se uma criança cai ali rasga-se toda”.
No entanto, esta professora de Educação Física considera que a direção da escola tem dado muito apoio à situação, enviando por várias vezes fotos e documentos ao Ministério para que ali façam uma intervenção. Apesar desse apoio, a escola leva já muitos anos a pedir essa intervenção e nada foi feito até agora. “Uma escola hoje tem orçamento para pagar as contas da água e da luz e pouco mais, se quiser fazer uma obra não consegue, por isso é mesmo necessária a ajuda da tutela”, explica.
A avaliação que cria mal-estar
Agostinho Oliveira é professor de Português e História e Geografia de Portugal e deixa duras críticas à avaliação de desempenho dos professores, que cria “medo de falar aos docentes e um grande mal-estar”. “Temos que estar vários anos à espera para subir de escalão, mas se a nossa avaliação for de Muito Bom subimos logo, então os professores para não ficarem mal vistos aos olhos da Direção calam-se e agem como se estivesse tudo bem”, afirma.
Este professor que conta já com 32 anos de serviço e 58 de idade trabalha na Escola Guilherme Stephens, na Marinha Grande, e conta que hoje recebe cerca de menos 200€ face a 2010, tal como acontece com muitos dos seus colegas, algo que, na sua opinião, demonstra bem a forma como a carreira da docência tem sido tratada.
Agostinho conclui ainda que hoje “há um grande desconforto nas salas de aula e nas escolas portuguesas”, devido a todos os problemas que existem e que não há qualquer apoio da parte da tutela. “Faltam instrumentos para que o professor possa realizar bem o seu trabalho e se possa sentir feliz a realizá-lo, o que é algo que hoje não sentimos.