A violência é um espelho
O Projeto — Associação de Estudantes é uma iniciativa do qual sou mentor e dinamizador. Nasceu a partir da vontade de uma estudante de sete anos, com o apoio da Associação de Pais e Encarregados de Educação da Escola Básica de Gervide (AP) e do director do Agrupamento de Escolas Escultor António Fernandes de Sá, em Vila Nova de Gaia. Este projecto, constituído por crianças entre os seis e os nove anos, assume a participação cívica e política como pilares estruturantes que se reflectem na promoção do debate, na auscultação da população escolar, na angariação de verbas e na devolução à comunidade escolar do trabalho desenvolvido. É importante frisar o contributo fundamental de mães, pais e avós.
Na última sessão do Projeto — Associação de Estudantes, formámos seis grupos de dois elementos, acompanhados por um adulto, com o objectivo de identificarem duas, três ou quatro regras que deveriam ser cumpridas na escola para que houvesse organização e uma convivência harmoniosa entre todos e todas. Terminado o período de reflexão, voltámos à mesa de reunião e apresentei cada regra para debate. A participação sucedeu-se com opiniões diversas. Verifiquei, no entanto, que existia um assunto transversal a todos os grupos e que aparecia mais do que uma vez: a violência. Não apertar o pescoço dos colegas, não atirar pedras, respeitar as opiniões, não saltar para as costas dos colegas ou bater nos amigos foram alguns dos pontos mais identificados.
A violência nas escolas tem vindo a assumir uma nova roupagem com recurso a um estrangeirismo — bullying — e com esta nova denominação parece ser algo recente. No entanto, a violência não é um fenómeno novo, nem tão pouco geracional como muitas vezes quer fazer-se crer, principalmente nas caixas de comentários em notícias a este respeito nas redes sociais. A violência é um fenómeno cultural profundamente enraizado, em primeiro lugar nos contextos familiares e posteriormente nos contextos escolares.
Todas as gerações têm as suas histórias. Histórias nas quais praticamente todos os membros da família “molhavam a sopa” e os professores recorriam a réguas, canas e palmadas. E, por isso, há uma cultura violenta enraizada na história de cada um de nós. Felizmente, estas práticas têm vindo a ser criminalizadas e verifica-se uma consciência gradual do impacto nefasto que a violência tem no desenvolvimento das crianças, o que vai impedindo, pelo menos publicamente, que a agressão a crianças aconteça com maior frequência. Contudo, as vítimas mortais de violência doméstica que se verificam em Portugal (são já 30 este ano) e as mais de 500 detenções que se verificam anualmente desde 2016 são sintomas de uma cultura violenta que, apesar de restringida em público, continua a manifestar-se em privado, na esfera doméstica, e que as crianças presenciam e experienciam.
Os comportamentos das crianças nas escolas reflectem a sociedade que as educa. É preocupante que as crianças desconheçam os limites da sua liberdade quando esta se sobrepõe à liberdade e ao bem-estar dos outros, principalmente no interior do espaço escolar. E quando tanto os agressores como as vítimas têm dificuldades em compreender quando estão a agredir e quando estão a ser vítimas de agressão, este é um sintoma de que nunca alguém parou para calmamente lhes explicar (e repetir) que há limites que não devem ser ultrapassados porque, quando o são, magoam os outros.
2 comentários
A partir do momento em que se esqueceu que somos um ser geneticamente programado para viver em família, não há argumentos válidos para justificar, desculpabilizar seja o que for. Quando se voltar a ter consciência de que a família é fundamental para prevenir qualquer tipo de violência ou de qualquer outro mal, talvez se consiga alguns resultados.
Os pais deviam estar sempre do lado dos professores e dizê-lo em casa aos seus filhos, para que eles os respeitassem incondicionalmente nas escolas.!Mas o que vemos? A maior parte das vezes, ainda que de forma velada, estão do lado dos governos e dos seus rebentos. Política!…. mas isto está a ruir…por tanta politiquice e os professores estão exaustos, desencantados, sofridos., a sangrar da alma…, temos que começar a pensar sobretudo na nossa saúde mental! Estamos a ficar velhos!… Não é assim que nos querem, desalentados?….