Num país que se orgulha de investir na Educação, há uma classe de professores que continua a ser tratada como subalterna: os monodocentes. Neste artigo denuncio a injustiça estrutural que os afeta, a omissão prolongada dos sindicatos e a urgência de uma reforma que dignifique quem, todos os dias, constrói os alicerces da aprendizagem. Com as negociações para a revisão do Estatuto da Carreira Docente prestes a iniciar-se, impõe-se que esta seja a oportunidade histórica para reparar décadas de desigualdade. É tempo de romper o silêncio e exigir justiça para os professores que carregam, sozinhos, o peso de uma escola inteira.
Monodocência em Portugal: a injustiça estrutural e a omissão sindical
Monodocência em Portugal: a injustiça legal e o silêncio dos sindicatos
A legislação vigente sobre os professores monodocentes em Portugal, particularmente no 1.º Ciclo do Ensino Básico, revela um quadro de desigualdade institucionalizada que perpetua iniquidades históricas. Apesar de reconhecerem a especificidade do trabalho em monodocência, as normas atuais mantêm um regime de direitos claramente inferior ao dos docentes de outros níveis de ensino, especialmente em matéria de redução da componente letiva e de aposentação. A negligência dos sindicatos em defender esta categoria desde o início do século XXI agravou ainda mais esta situação, deixando os monodocentes à mercê de uma lógica burocrática que ignora o desgaste físico e psicológico inerente à sua função.
Direitos atuais e desigualdades estruturais
Os direitos dos monodocentes estão consagrados no artigo 79.º do Estatuto da Carreira Docente (ECD), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 41/2012. Segundo este artigo, os docentes da educação pré-escolar e do 1.º Ciclo em regime de monodocência podem requerer a redução de cinco horas da componente letiva ao completarem 60 anos de idade, independentemente de outros requisitos. Em contrapartida, os docentes dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e do ensino secundário beneficiam, automaticamente, de uma redução progressiva: duas horas aos 50 anos com 15 anos de serviço, mais duas aos 55 com 20 anos, e mais quatro aos 60 com 25 anos, totalizando oito horas. Esta diferença é profundamente injusta, pois o trabalho em monodocência implica a gestão de todas as áreas curriculares, funções de coordenação pedagógica e uma carga emocional e organizacional muito superior.
Ainda mais grave é a dispensa total da componente letiva, prevista no n.º 3 do artigo 79.º, que pode ser requerida após 25 ou 33 anos de serviço em regime de monodocência, por um ano letivo. Este direito, embora importante, é temporário e não se traduz numa aposentação antecipada, ao contrário do que ocorria anteriormente. A comparação com os docentes pluridocentes evidencia uma clara discriminação, já que estes últimos acumulam reduções mais cedo e com menos exigência de idade.
Da equidade perdida: o regime antes de 2004
Antes da reforma de 2004, os monodocentes beneficiavam de um regime especial de aposentação, reconhecendo-se o desgaste acelerado da função. O Decreto-Lei n.º 1/98, de 2 de janeiro, previa que os docentes em monodocência com 55 anos de idade e 30 anos de serviço pudessem aposentar-se com carreira completa. Este regime foi progressivamente desmantelado, culminando com a Lei n.º 1/2004, que alinhou os critérios de aposentação com o regime geral da segurança social, sem considerar as especificidades do 1.º Ciclo. A Lei n.º 77/2009 e a Lei n.º 71/2014 tentaram repor parcialmente este direito, mas apenas para docentes que concluíram o Magistério Primário em 1975 e 1976, deixando a maioria dos atuais monodocentes de fora.
A crítica de autores como José Manuel Malhão Pereira e António Nóvoa reforça esta análise, ao afirmarem que a desconsideração do trabalho pedagógico nos primeiros anos de escolaridade é um reflexo de uma sociedade que subestima a infância e a formação inicial. A monodocência, longe de ser uma opção de menor prestígio, é uma função complexa que exige competências multidisciplinares e uma capacidade de gestão emocional e pedagógica excecional. A sua desvalorização legal é, portanto, uma negação do valor educativo dos primeiros anos de escolaridade.
Cinco alterações estruturantes para a justiça que tarda
Face a esta realidade, proponho cinco alterações prementes para corrigir as iniquidades:
- Aposentação aos 60 anos com carreira completa para todos os monodocentes com 25 anos de serviço efetivo em regime de monodocência, independentemente do ano de ingresso na carreira. Esta medida reconhece o desgaste acumulado e alinha-se com os princípios de equidade social.
- Redução progressiva da componente letiva a partir dos 50 anos, com dois tempos de redução aos 50 com 15 anos de serviço, mais dois aos 55 com 20 anos, e mais quatro aos 60 com 25 anos, equiparando-se aos docentes dos outros níveis de ensino.
- Dispensa total da componente letiva por dois anos consecutivos após 30 anos de serviço em monodocência, com manutenção de funções de orientação pedagógica e mentoria a docentes em início de carreira, promovendo a transmissão de saberes.
- Criação de um escalão remuneratório específico para monodocentes, com um acréscimo de 15% na remuneração base, reconhecendo a complexidade e a responsabilidade acrescida da função.
- Inclusão automática no regime de aposentação especial para todos os docentes em monodocência com 55 anos e 30 anos de serviço, revogando as restrições temporais e geracionais impostas pelas leis de 2009 e 2014.
A persistência da desigualdade no tratamento dos monodocentes é um escândalo ético e pedagógico. Os sindicatos, que deveriam ser os primeiros a denunciar esta situação, falharam sistematicamente nesta missão desde o início deste século, optando por agendas corporativas que negligenciam os mais vulneráveis da profissão. É urgente uma reforma estrutural que restabeleça a dignidade do trabalho docente nos primeiros anos de escolaridade, onde se assenta o futuro da educação nacional.
Justiça para os monodocentes: o momento da verdade para ministério e sindicatos
Com a revisão do Estatuto da Carreira Docente (ECD)à porta, o Ministério da Educação tem uma oportunidade histórica para corrigir as injustiças que há décadas assolam os professores monodocentes, designadamente do 1.º Ciclo. Não é (mais) aceitável que se continue a protelar uma reforma que deveria dignificar uma das profissões mais exigentes e fundamentais do país. Os sindicatos, especialmente os tradicionais, têm de abandonar a sua postura complacente e omissa sobre esta questão específica, assumindo verdadeira e finalmente o papel de guardiões dos direitos de todos os docentes, incluindo os monodocentes, cuja voz foi sistematicamente silenciada e negligenciada. Se persistirem as negociações lentas, vagas ou superficiais, a mobilização unida e veemente dos professores do 1.º Ciclo levá-los-á a pagar um preço político e social alto. O tempo do silêncio cúmplice e da negligência acabou: é chegada a hora de exigir, com rigor e sem descanso, que esta revisão do ECD seja efetivamente a reparação estrutural que a monodocência e a educação infantil há tanto carecem.

15 comentários
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Nunca li um texto com tantos disparates e mentiras. No meu agrupamento sao os professores em monodocencia que benificiam com o artigo 79
Têm efetivamente redução aos 60 anos , 5h, e fazem intervalos 30m de manhã dentro da componente letiva. Eu tenho 62 anos e 42 de serviço e nunca tive uma unica hora de redução . Eu e que preciso de me aposentar aos 60. Tenham juizo!!!
Mas o autor não denuncia que Portugal é o único país do mundo onde os professores do 1.⁰ ciclo ganham o mesmo que os outros dos níveis seguintes ao ensino primário.
O único.
É claro que não interessa que se saiba isso.
ÚNICO NO MUNDO ONDE EXISTE ISSO É EM PORTUGAL.
Claro, todo o mundo anda errado, Portugal é que está certo!
Há muitos interesses.
E ainda por cima nunca são chamadas para nada dos exames e outras porcarias.
E não deveriam? Porquê? Não se esqueçam as “doutoras”, que foi na escola primária que adquiriram e cimentaram os alicerces que lhes permitiram ir mais além! Deveriam ter vergonha! Gostaria de as ver uma semana só, à frente de uma turma do primeiro ciclo e depois conversavamos! Haja união e consciência!
A sério? Troco com as minhas turmas do 8º. Queres?
Então se achas isso…
“ESTUDASSES”
Querem ver que agora são melhores que os outros!
Que classe é esta que não se respeita?
👌👌👌👌👌tudo bem dito. (só não é educação infantil mas sim, educação de infância).
Esperemos que o Alexandre tenha noção das verdades que acabou de explicitar.
Manuel Alho, uma pequena/grande correção. A Educação não é Infantil, como referiu. É Educação de Infância. Assim como a Educadora não é infantil é Educadora de Infância. Admiro-me que escreva dessa forma, pois é um erro de alguém, que deveria dominar esta matéria.
Cada grupo de ensino tem a sua especificidade!
Não há mais fácil ou mais difícil.
Há colegas do 1. Ciclo com mestrados e doutoramentos.
Quem já esteve nos dois mundos percebe as angústias de todos.
A igualdade, a justiça, o bem estar psicólogo e físico de todos os professores é que é importante.
Um por todos, todos por um!
Juntos! Temos de estar juntos!!
Excelente!
Há um grupo de docentes que se vê a si próprio como um dos pastorinhos de Fátima. Comparam o incomparável, vêem o copo sempre meio vazio e consideram um desvantagem aquilo que é, objetivamente, uma vantagem.
Colegas, acho que devíamos estar unidos em vez de nos virarmos uns contra os outros. Sei que todos temos motivos de queixa, mas não posso deixar de pensar nos colegas com 11 turmas ou nos que, como eu, tiveram de estudar seis anos porque na altura não existia nenhum curso via ensino de Economia ou Contabilidade. Neste momento leciono cinco disciplinas diferentes, e quase todos os anos é assim. Dou aulas no regular, no profissional e no Qualifica, sempre a tentar dar o meu melhor. A vida não está fácil para ninguém, mas apontar o dedo uns aos outros não resolve nada. Devíamos era lutar juntos por melhores condições, porque foi a falta de união que nos trouxe até aqui.
Apesar de já existir o grupo 430.
Disparatado é o seu comentário, isso sim! Além de ser completamente verdade tudo quanto se lê no artigo, faltou ainda dizer que os monodocentes não têm, por exemplo, 2 horas de redução no horário destinadas a direção de turma e, no entanto, também desempenham essa função e diga-se extra horário, pois não abandonam a turma para realizar as tarefas de direção de turma. Esqueceu-se de dizer ainda que o artigo 79.º é uma forma de “compensar”, que não compensa nada, as excessivas horas letivas dos monodocentes, 25, enquanto os docentes de outros grupos têm no máximo 22 e começam cedo a ter redução de 2 horas, como é explicado no artigo. Muito mais há a dizer, mas não vale a pena “bater no ceguinho” com quem se recusa a aceitar o óbvio.