Aos Professores das Nossas Vidas

AOS PROFESSORES DAS NOSSAS VIDAS

 

39 anos, nascida no final dos anos 70 na freguesia mais pobre e excluída da cidade do Porto. 12 anos de escolaridade na escola mais pobre da cidade, cuja fama atravessou os seus muros.

Volvidos 20 anos, dos quais 8 no ensino superior e os restantes 12 ligada ao ensino (professora, autora, formadora), passei hoje pela fachada da antiga escola preparatória (edifício ao abandono) e recordei o quão foi, na época em apreço, tudo o que a escola pública deveria ser:

  • Um espaço de liberdade e nivelação social, de trabalho e mérito, de aquisição e partilha de saberes, de congregação de afetos e compromissos com o futuro.

 

Cabe-me nestas linhas louvar a magnífica equipa de professores e funcionários (muitos reformados, alguns falecidos, outros entretanto transferidos para a atual sede do Agrupamento).

 

Esta nostagia é, em parte, sequência da criação de um grupo de ex-alunos nas redes sociais, onde nos reencontrámos e – facto que me surpreendeu largamente– recordámos diariamente com ternura a maioria dos professores: os seus rostos, peculiaridades, a forma como marcaram para sempre as nossas vidas e o nosso percurso.

 

Naquela época:

  • Eram valorizados pela a sociedade no seu todo;
  • A burocracia não os sufocava;
  • Tinham mais autonomia para ENSINAR.

 

Com efeito, num tempo anterior:

  • Às estratégias de “diferenciação pedagógica” e “consolidação das aprendizagens”
  • À “Flexibilização e Adequações curriculares”;
  • À panóplia de “Metas” e “Competências”

 

E pese embora a escassez de meios tecnológicos ao dispôr, estes professores faziam acontecer magia e deslubramento nas aulas, e multiplicavam-se em atividades no espaço escolar, na comunidade, na região.

 

Relembro com saudade, assim de repente:

  • As aulas de Educação física no primeiro ciclo, nas quais a professora (já perto da reforma) vestia um humilde fato de treino e corria connosco em redor do edifício escolar;
  • O caixote do “material de desperdício” existente na sala do primeiro ciclo, no qual se depositivam caixas e outros materiais para posteriormente realizar com eles trabalhos de expressão plástica;
  • “O clube do ar livre”, destinado a alunos do segundo ciclo (e dinamizado, curiosamente, pelos professores de EVT), no âmbito do qual percorremos a pé várias Serras de Portugal;
  • As aulas “de campo” de ciências naturais do segundo ciclo, nas quais saíamos livremente para o jardim da escola ou para o terreno em frente à mesma para observar e recolher amostras de solo, plantas e insetos;
  • As visitas de estudo à maioria dos monumentos/ locais Património mundial em Portugal, que nos deram uma visão da História em vivo;
  • A exposição “A iluminação através dos tempos” realizada no terceiro ciclo, parecia entre as disciplinas de história e de fisico-química: recolha de objetos vários de iluminação e “trabalho de museu” (inventário, catálogo de exposição) –funções que curiosamente vim a exercer profissionalmente;
  • O grupo de teatro dinamizado pelo professor de português no 12º ano, no qual aprendemos técnicas de meditação, relaxamento e expressão dramática, e pusemos em palco uma das obras-primas da literatura mundial, de tradição budista: “Siddharta”, do prémio Nobel Hermann Hesse, o qual tive a honra de co-protagonizar.

 

Neste contexto social delicado, em que a escolaridade média não ia muito para além do 6º ano, existiam naturalmente problemas de marginalidade e indisciplina. Mas havia algo que hoje parece estar em desuso: o RESPEITO AO PROFESSOR.

 

Nas poucas situações em que esta permissa foi posta em causa, lembro-me de ver pais a repreenderem os filhos após reunião com o conselho diretivo, de alunos expulsos e sanções rígidas, factos impensáveis nos dias de hoje.

 

Mas lembro também uma grande abertura, tolerância e sensatez das partes envolvidas.

 

Um jeito de síntese e de reflexão, parece-me faltar ao Ministério e aos encarregados de educação sobretudo sensatez.

 

É tão necessário repensar a educação e os valores trasmitidos na família como devolver à escola a devida autoridade, o devido lugar, o devido sentido. A bem dos cidadãos do futuro.

 

Deixem os alunos APRENDER.

Para isto, deixem os professores SER.

 

Eles sabem sê-lo, da melhor forma, quando em liberdade e sob o signo do respeito e da valorização.

 

O meu desejo é que deixem uma indelével marca em todos os vossos alunos, para que estes vos recordem com o mesmo carinho, fazendo com que todo o vosso esforço, por vezes inglório, valha a pena.

 

Obrigada, do fundo do coração, a todos os meus professores. Sem eles, seria tão menos do que aquilo que sou, se é que alguma coisa seria.

 

Texto dedicado à comunidade escolar do Agrupamento de Escolas do Cerco

 

20-8-2018

Graça Pereira Araújo

Autora de manuais pedagógicos e formadora de professores

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