26 de Julho de 2025 archive

Proibir o uso de smartphones a todos os agentes da comunidade escolar?

O Governo proibiu o uso de smartphones nos espaços escolares para os Alunos do 1º e do 2º Ciclos do Ensino Básico, ou seja, para as crianças do 1º ao 6º Ano de Escolaridade… Essa decisão foi tornada pública em 3 de Julho passado, após a realização de um Conselho de Ministros…

 

A referida medida deverá entrar em vigor a partir do Ano Lectivo de 2025/2026, conforme Conferência de Imprensa do MECI realizada no passado dia 8 de Julho…

 

Face a essa proibição decretada pelo Governo, a Presidente da CONFAP, Mariana Carvalho, citada pela Rádio Renascença em 4 de Julho deste ano, terá considerado o seguinte:

 

– “A Confederação Nacional de Associações de Pais (CONFAP) discorda, esta sexta-feira, da proibição de telemóveis nas escolas, decidida pelo governo em conselho de ministros esta quinta-feira.”;

 

– “Qual é o objetivo desta proibição? É a não utilização de telemóveis para chamadas? É não captação de imagens? É o fomentar a brincadeira nos recreios? Qual é o grande objetivo?”, questiona.” (Mariana Carvalho)…

 

Passado menos de um mês da mencionada discordância, eis que a CONFAP vem agora defender que a proibição, da qual anteriormente discordou, deveria ser estendida a todos os agentes da comunidade escolar (Jornal Público, em 24 de Julho de 2025…

Por outras palavras, a CONFAP pretenderá que a proibição do uso de smartphones nos espaços escolares não se restrinja às crianças do 1º ao 6º Ano de Escolaridade, mas que abranja também todos os adultos aí presentes…

Esta pretensão da CONFAP levanta, desde logo, muitas questões, mas em particular as seguintes:

– Que motivos poderão ter levado a CONFAP a defender o alargamento de uma medida, da qual explicitamente discordou há menos de um mês? Não se concorda com a medida, mas paradoxalmente pede-se o respectivo alargamento? Passou a concordar-se com a medida e por isso se pretende a sua ampliação?

– Evitando entrar em longas considerações sobre o que é ser criança ou o que é ser adulto, saberá, a CONFAP, que existem diferenças significativas entre essas duas condições? E que o estatuto de uma criança é diferente do de um adulto, tanto em termos legais, como de responsabilidades, vulnerabilidades, direitos e deveres, entre outros?

Não concordar com uma medida num certo momento, mas sugerir o seu alargamento passados poucos dias não parece ser uma atitude coerente… Esse pretendido alargamento não estará refém de uma flagrante contradição?

A proibição concretizada pelo MECI em 8 de Julho passado fundamenta-se no reconhecimento da existência de vários benefícios para os Alunos, decorrentes da restrição/proibição do uso de smartphones em espaços escolares, visíveis, nomeadamente, ao nível do bullying, da indisciplina, do confronto físico ou da socialização…

A constatação desses benefícios terá sido feita pelas escolas que, no ano lectivo transacto, já tinham aderido às recomendações do MECI, no sentido da restrição do uso de smartphones em contexto escolar…

Não parece que nas escolas aderentes se tenha alargado a referida restrição/proibição aos adultos que aí trabalham… Portanto, a existência de benefícios para os Alunos não parece depender de qualquer alargamento da restrição/proibição a todos os agentes da comunidade escolar… Assim sendo, que justificações, de preferência credíveis e devidamente fundamentadas, poderão estar subjacentes à pretensão da CONFAP?

Ao longo dos últimos anos, tem-se assistido a algumas situações, no mínimo, curiosas, em relação ao desempenho da CONFAP, nomeadamente estas:

– Declarações da Presidente da CONFAP, Mariana Carvalho, no sentido de garantir que “não vai aceitar greves nas escolas como as que marcaram o ano letivo anterior” (Rádio Renascença, em 5 de Setembro de 2023)…

Que competências ou atribuições poderão ser reconhecidas à CONFAP, no que se refere a aceitar ou deixar de aceitar a convocação de eventuais Greves de profissionais de Educação, em particular de Professores?

– Segundo a própria CONFAP, um dos Objectivos de uma Associação de Pais será este: “Desenvolver ações em conjunto com professores e direções das escolas, de forma a promover a formação dos pais, das crianças e dos jovens.” (Site oficial da CONFAP)…

 

No âmbito anterior, que Acções de Formação, por exemplo sobre o exercício da Parentalidade, sobretudo dirigidas a Pais/Encarregados de Educação, foram promovidas por essa Confederação?

 

– Face às sucessivas trapalhadas que afectaram, no presente ano lectivo, a realização das Provas Finais do 9º Ano de Escolaridade, como se pode explicar o inusitado e incompreensível silêncio da CONFAP, havendo, pelas muitas falhas observadas, plausíveis prejuízos para muitos Alunos? Como se explica ou compreende que uma Confederação de Associações de Pais não conteste veemente, de forma pública, audível e visível, a forma como se realizaram tais Provas?

 

– Afirmar que os números relativos à (gritante) falta de Professores “são muito voláteis” (Mariana Carvalho, citada pela TSF em 23 de Setembro de 2024) será uma forma de, implicitamente, tentar desvalorizar esse problema? Ao longo do Ano Lectivo 2024/2025 quantas vezes se leram e/ou ouviram alertas públicos da CONFAP, dando conta da gravidade desse problema que, de resto, afecta diariamente milhares de Alunos? Por muito que se queira, não é possível ignorar um número tão elevado de Alunos…Quem defende, afinal, os interesses dos Alunos que passaram o ano lectivo sem aulas a uma ou mais Disciplinas, por falta de Professores? Qual é, afinal, o papel da Confederação que supostamente representa os Pais desses Alunos?

 

A credibilidade da CONFAP, que tantas vezes é posta em causa por muitos, acaba, mais uma vez, por se sujeitar ao escrutínio público, suscitado pela sua pretensão em alargar a proibição do uso de smartphones a todos os agentes da comunidade escolar, leia-se a todos os adultos que trabalham numa escola…

 

No fim, fica-se com a impressão de que o principal alvo a atingir pela CONFAP seria, naturalmente, a Classe Docente, já que não é possível ignorar que a maior parte dos adultos presentes numa escola são Professores…

Não sendo Professora, o anterior não deixa, contudo, de me parecer como muito plausível…

Se assim for, o mínimo que se poderá afirmar é que uma Confederação de Associações de Pais deveria pautar a sua acção por critérios independentes e isentos de quaisquer tipos de “animosidade”, em primeiro lugar pela sua própria reputação…

Não sendo também Jurista tenho, ainda assim, dúvidas quanto à (i)legalidade da referida pretensão da CONFAP…

Proibir o uso de smartphones a todos os agentes da comunidade escolar?

 

Por todos os motivos apontados, estaremos, com certeza, perante uma pretensão iminentemente insensata e desprovida de fundamentação empírica, seja ou não legal…

Paula Dias

 

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Cidadania à força? Entre a escola que ensina e os pais que (não) educam

A grande polémica do momento, o currículo da disciplina de Cidadania, tem servido de campo de batalha para duas tentações simétricas: a de alguns pais que querem terceirizar integralmente a educação dos filhos para a escola, e a de uma escola que, por vezes, se imagina mandatada para substituir a família na transmissão de valores. No meio, a pergunta essencial continua sem resposta: onde está a obrigação, não a opção, a obrigação, dos pais e encarregados de educação de educar os seus petizes para viverem em sociedade?

Quando o debate se acende, multiplicam‑se as posições de trincheira. Uns dizem: “A escola tem de ensinar tudo, porque há famílias que não ensinam nada.” Outros ripostam: “A escola está a invadir o espaço íntimo da família, impondo valores que não são os nossos.” O problema é que ambas as posições partem do mesmo equívoco: a escola não pode substituir a família, e a família não pode declinar o seu dever educativo. Não é uma questão de gosto; é uma questão de responsabilidade.

A disciplina de Cidadania, com as suas unidades sobre direitos humanos, igualdade de género, literacia financeira, saúde, sexualidade, ambiente ou mediação de conflitos, pode, e deve, fornecer ferramentas para a vida comum. Mas ferramentas não são convicções. A escola é lugar de literacia democrática, não de catequese moral. Ensina o quadro normativo que sustenta a vida em comum; não prescreve o “como deve ser” do foro íntimo. Esse pertence, em primeira linha, à família, que, note‑se, não está acima da lei, mas também não é propriedade do Estado.

Como fica, então, a responsabilização parental? Em muitos discursos inflamados, simplesmente… não fica. Desaparece. Os mesmos que exigem liberdade total para retirar os filhos de aulas de Cidadania invariavelmente pedem à escola que resolva o bullying, a violência, a indisciplina, a falta de respeito pelo outro, a incapacidade de viver em comunidade. Querem autonomia sem consequência, escolha sem prestação de contas. Mas educação não é um cardápio onde se escolhe o que agrada e se devolve o resto à cozinha.

É aqui que entra o ponto mais incómodo do debate: há valores mínimos de convivência que não dependem da vontade de cada família. Não se negoceia a dignidade humana, não se relativiza o Estado de direito, não se rebaixa a igualdade entre homens e mulheres a uma questão cultural “lá de casa”. A escola tem o dever, jurídico, pedagógico e cívico, de garantir que todas as crianças, independentemente do código postal ou do código moral dos pais, conhecem esses fundamentos. Não para lhes mudar a fé, a tradição ou a filosofia de vida, mas para lhes assegurar o vocabulário comum do espaço público.

Do outro lado, a escola faria bem em recordar um princípio de humildade institucional: não é mãe, não é pai, não é substituto afetivo nem tutor moral. O que a escola tem de fazer, e nem sempre faz, é definir claramente o que é curricular (direitos, deveres, regras do jogo democrático) e o que é opinativo (visões do bem, interpretações morais particulares). O primeiro é transmissível, avaliável, universal. O segundo é discutível, contextual, plural. Confundir estas dimensões é incendiar o debate e abrir espaço a excessos — tanto de imposição estatal como de objeção parental.

E se os pais falham? Existem instâncias, dos serviços sociais aos tribunais, para os responsabilizar. Não é à escola que compete punir, corrigir ou substituir o que a lei prevê que seja garantido por outros mecanismos. Se uma família viola os deveres que a sociedade lhe impõe — proteção, cuidado, educação básica para a convivência — o problema não se resolve com mais uma ficha de avaliação em Cidadania. Resolve‑se exigindo ao Estado que faça o que tem de fazer: responsabilizar, acompanhar, intervir quando necessário.

No fim do dia, talvez a nossa grande confusão seja esta: achamos que “Cidadania” é uma disciplina. Não é. Cidadania é uma prática e uma responsabilidade partilhada. A escola pode ensinar os alicerces; os pais têm de construir a casa. E quando nenhum dos dois quer assumir a sua parte, ficamos com o pior de ambos os mundos: pais que pedem liberdade sem responsabilidade e escolas que respondem com paternalismo sem limite.

É por isso que este debate precisa de menos gritos e mais fronteiras claras: a escola ensina o quadro comum; a família educa para o particular. Se a família abdica, o Estado intervém, não pedagogicamente por decreto, mas juridicamente por dever. E se a escola ultrapassa o seu mandato, os pais não gritam apenas “liberdade!”: apontam a lei, exigem transparência, pedem delimitação.

Porque, afinal, “és livre de fazer as tuas escolhas, mas és prisioneiro das consequências.” Pablo Neruda.

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