por Pedro Alexandre Franco
Na manhã do dia 28 de abril, um fenómeno raro atravessou Portugal e Espanha: um apagão generalizado deixou cidades inteiras sem eletricidade. Casas, escolas, empresas e ruas mergulharam num silêncio abrupto, como se alguém tivesse desligado o mundo da tomada. De repente, os ecrãs apagaram-se, os sinais de trânsito deixaram de piscar e os telemóveis começaram a perder força… e, com eles, perdeu-se também uma certa ilusão de controlo que alimentamos todos os dias.
Curiosamente, vivi esse momento de uma forma diferente da maioria. Por opção, não tenho televisão nem internet em casa. Caminhar ao fim do dia é um hábito de sempre, e o silêncio tecnológico já faz parte da minha rotina. Ainda assim, aquele dia teve algo de especial. Não pelo que me faltou, mas pelo que ganhei.
Como professor de Educação Musical, encontrava-me a trabalhar com os meus alunos uma canção da Bárbara Tinoco — A Cidade. No refrão, repete-se: “A cidade são só luzes, a cidade são só luzes…” E, como se o universo quisesse sublinhar a ideia, as luzes apagaram-se mesmo. A reação dos alunos foi um misto de espanto e riso. A letra nunca soara tão literal. Foi um daqueles momentos em que a vida e a arte se tocam de forma surpreendente e poética.
Horas mais tarde, dirigi-me para outra aula com uma turma do 5.º ano. Na escola, sentia-se alguma confusão: como dar aulas sem computadores, projetores ou campainhas? Mas, ao entrar na sala, fui surpreendido por uma observação que levo comigo desde então. Os alunos disseram-me:
— Professor, para cantar e tocar não é preciso eletricidade!
E tinham razão! Fizemos música sem fios nem botões. Apenas com as vozes, as flautas, os corpos, a escuta e o prazer de estar ali. Foi, talvez, uma das aulas mais autênticas que já vivi.
No fim do dia, já em casa, saí para a minha habitual caminhada. A escuridão era densa, mas serena. Sem a poluição luminosa habitual, o mundo parecia outro. As ruas onde vivo, geralmente tranquilas, estavam agora cheias de vida: vizinhos à conversa, crianças a brincar, famílias inteiras na rua — como se o tempo tivesse recuado algumas décadas. E, de repente, percebi o mais espantoso: vi pirilampos. Sim, esses pequenos pontos de luz que julgava desaparecidos dançavam entre as ervas. E o céu — tão cheio de estrelas — brilhava como há muito não via.
Nesse dia, percebi que, às vezes, é preciso que tudo se desligue para que algo realmente se acenda. A ausência de eletricidade revelou-nos aquilo que tantas vezes esquecemos que está lá: a presença uns dos outros, o silêncio cheio de significado, os ritmos naturais do mundo, a beleza que não depende de cabos ou sinais.
Por isso, deixo aqui uma proposta que pode parecer ousada, mas é sincera: e se criássemos um Dia Nacional do Apagão? Um dia por semana — ou por mês — sem eletricidade, sem ecrãs, sem pressas digitais. Um dia para reconectar com o essencial: a voz humana, o céu estrelado, os sons naturais, o tempo vivido com presença. Um dia em que a cidade não seja só luzes, mas seja gente, verdade, contacto e atenção.
Porque talvez, só talvez, o que mais precisamos não é de mais energia… mas de mais tempo sem ela.
8 comentários
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Tão parvo será quem escreve, como quem publica.
Excelente!
Enquanto professora do 1.º ciclo, senti-me profundamente tocada por esta crónica do professor Pedro Franco. No meio da correria e das exigências tecnológicas do nosso dia-a-dia escolar, este “apagão” fez-nos, de facto, abrandar e escutar de outra forma. A descrição que o autor faz desse dia levou-me a reviver também a minha manhã com os alunos: sem ecrãs, sem relógios a ditar o ritmo, redescobrimos juntos a simplicidade de aprender e estar. A proposta de um “Dia Nacional do Apagão” parece-me não só pertinente, como necessária.
Se V. Ex.ª estivesse num hospital, num lar de idosos ou a necesitar de oxigénio permanente, entre outras milhentas situações, baixava imediatamente o nível de estupidez e elevava drasticamente o conceito de cidadania, sem qualquer dúvida.
Aos pirilampos, só os vê quem pode.
👏👏👏👏
Este texto é tocante pela sua simplicidade e pela pureza das ideias. Mas o seu autor vive num meio pequeno. Ainda bem. Parabéns. Que sorte teve. E tem. Continue aí se puder. Há muito que não vejo os pirilampos da minha infância pois também vivia no campo.
No entanto não podemos esquecer, como alguns aqui comentam – desnecessariamente insultuosos e irritados-, que nas cidades, onde vivo agora, os hospitais estiveram muito aflitos com o combustível para os geradores, as pessoas podiam ter morrido, as filas de trânsito para sair das cidades eram intermináveis , as pessoas não
sabiam se iam chegar a casa,o trânsito junto dos
aeroportos era caótico . As pessoas não se conseguiam encontrar porque não havia comunicações. E raras eram aquelas que sabiam o que se estava a passar. Do as que tinham um rádio de pilhas.
O açambarcamento de produtos começou e só não teve mais visibilidade porque restaurantes e supermercados fecharam com receio de roubos e motins.
Nas cidades. Sobretudo nas grandes houve muita apreensão e confusão.
Só não houve pânico e motins porque realmente os portugueses são pessoas desenrascadas e tranquilas.
Estão de parabéns. Foram admiráveis. Estive no meio delas e vi.
Merecem uma medalha no 19 de Junho.
Corrijo 10 de junho.