Pelo Público em 18 de Abril de 2025.
Apesar de na primeira impressão se poder considerar uma conclusão simplista para um problema complexo, o país desistiu do professor quando mudou o poder escolar do professor, regulado pelo poder público, para o poder escolar dos partidos políticos, regulado pelos próprios. De facto, a desistência do país no professor iniciou-se na primeira década do milénio e teve consequências na perda de atractividade da profissão e na abertura de portas a pequenos tiranetes nas escolas.
Duas questões prévias:
1. Os partidos políticos são essenciais à democracia. O seu poder exige uma regulação célere e eficaz nas administrações central, regional e local (também nos descentralizados municípios, onde se dilui parte do poder escolar). Na verdade, o poder partidário tornou-se paulatinamente hegemónico, reduziu o espaço dos intermediadores independentes e assentou a sua limitação temporal na dança das cadeiras quando muda a maioria que governa;
2. Há uma diferença fundamental entre o professor que ensina e que transitoriamente pode exercer outras funções, e o conjunto de pessoas providas nessa profissão. O plural inclui quem só ambiciona funções em que não se ensina. Uma vez aí, considera desprestigiante o regresso à sala de aula, contesta a hierarquia remunerátória assente no exercício de professor e, não raramente, pertence a um partido de governo.
Mas descrevam-se as causas essenciais da desistência no professor e da abertura de portas a pequenos tiranetes. Desde logo, o país entrou neste século com 6,7% do PIB para a educação (estará abaixo dos 4%). Desinvestiu-se precarizando os profissionais. Usou-se, erradamente, o argumento despesista para retirar poder ao professor, omitindo-se que a massa salarial dependeu sempre do número de profissionais (e do seu estatuto) decretado pelos governos em acordo com o atomizado poder sindical. Na realidade, registou-se uma evolução assinalável da gestão orçamental das escolas nos primeiros 30 anos de democracia.
Por outro lado, quando o poder escolar era exercido pelo professor que transitoriamente exerce outras funções, a regulação era feita pelos poderes públicos e pelo interior da organização. A vida escolar era um laboratório da democracia, da livre expressão e do direito ao contraditório. As suas imagens – arena política, burocracia, democracia e cultura, que excluíam por inadequação as gémeas anarquia e empresa – acrescentavam inovação e renovação, limitavam os excessos corporativos e até os gravíssimos casos de assédio moral. A proximidade era uma força reguladora, que se enfraquecia com a incompreensível não limitação de mandatos nas funções de gestão. Digamos que já havia sinais de caudilho e da escola de tiranetes.
Além disso, a integração no poder partidário de profissionais avessos à sala de aula criou um monstro burocrático adversário da liberdade de aprender e ensinar. O conhecido universo de inutilidades organizacionais e informacionais inundou o sistema escolar de emprego partidário, controlou a gestão das escolas e influenciou – e influencia – a manutenção do que existe.
Aliás, essa atmosfera corporativa sustentou um desequilíbrio negativo para as políticas públicas de educação: se se sabia que nunca se deve entregar essas políticas a pedagogos (seria caótico um sistema baseado em pedagogias pedocentristas ou magistercentristas), também se comprova que não devem ficar nas mãos de “professores empregados” nos partidos políticos.
Em síntese, a educação é arte do equilíbrio e a democracia a da regulação. Há soluções possíveis que oxigenam o exercício de professor: limite-se os mandatos na gestão das escolas para um período global inferior a uma década, eleja-se, pelo voto directo dos profissionais, um órgão de gestão colegial ou unipessoal (com a opção referendada, sem estatutos próprios e com a exigência de candidaturas pertencentes ao quadro da organização em causa) e recupere-se o poder dos conselhos pedagógicos. Testemunhe-se um legado democrático às novas gerações. A democracia fragilizou-se e é uma péssima lição ter as escolas expostas a pequenos tiranetes.
7 comentários
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Quase perfeito, Paulo!
Acrescentaria que o país não desistiu de forma consciente, são os partidos do chamado “arco da governação” que amordaçam os professores e mentem ao país. Os diretores são instrumentos a soldo, mas conscientemente CONIVENTES e CÚMPLICES, na tarefa de amesquinhar, apoucar e perseguir os docentes, por isso nem querem ouvir falar de democracia ou eleições.
Olé 👏👏👏
Que texto contundente e bem escrito!
Nem mais!
A análise da situação está feita!
E a proposta também!
Uma equipa de professores eleita pela comunidade a governar por determinado período . Sem se eternizar no poder.👏👏👏👏👏
Renovação. Renovação . É a palavra de ordem. Já que até estamos na Páscoa!
Por que esperam os movimentos de profs e sindicatos para avançar na organização de um grande movimento de professores na rua no princípio deste 3o período ???
Temos que dar o nosso sinal de descontentamento na rua. 💪
Não basta vociferar nos blogs contra os tiranetes com cheiro a mofo.
Vozes de burro não chegam ao céu .
Uma grande manif na rua contra o modelo de gestão que se avizinha.
Ação!💪
Passarão a ser, oficialmente, aquilo que sempre foram mercenários. Sempre dispostos a perseguir e a “atirar” aos professores no conflito, digo, agrupamento, do lado…
Se já fomos capazes há 2 anos, com a nossa espontaneidade de ir para a rua em massa, em concentrações e manifestações por que o não seremos agora?
Fomos nós que arrastámos as federações de sindicatos: FNE e Fenprof connosco. Apanharam o comboio connosco.
Só o pequeno Stop nos acompanhou de início.
Agora também adormeceu porque o André se candidata a PR. Enfim…
Por que estais encolhidos? O que vos falta?
Coragem?
Estais adormecidos com a pequena RTS?
Eu nem recebi nada. Nem receberei. Não sou professora, pelos vistos😞.
Querem continuar a ser insultados, humilhados, ignorados, preteridos nas escolas onde estais ou para onde vão?
Com honrosas exceções ❤️, são quase todos iguais: diretores ou diretoras. Tiranetes!
E Ignorantes. Quanto mais ignorantes mais tiranos!
Os verdadeiros líderes cuidam do seu povo. Conhecem no. Protegem no. Ajudam no quando está em dificuldade. São justos e equitativos. Repartem o bem e o mal por todos.
Por isso são amados. As pessoas gostam deles e não se desviam quando os encontram.
Não é isso que temos na maior parte das escolas pelos inquéritos do Movimento Escola Pública e pelos comentários e testemunhos nos blogs.
Acordai!
O começo do 3o período é a Hora.
Temos que mostrar aà opinião pública a nossa posição.
Este texto do Prudêncio no Público já ajuda, e muito, a despertar consciências.
Agora temos que ser também nós a fazer o nosso trabalho
Acordai!
Um texto esclarecedor e totalmente em linha com a realidade.
A Educação, pública e privada, em Portugal sofreu uma degradação alucinante desde o início do século.
O resultado está à vista.
Profissionais que abandonam a profissão, muitos desmotivados, outros ainda mais desautorizados e prontos a sair se assim e quando o puderem fazer.
Os resultados disto serão alunos muito mal preparados, mas que, fruto da imaginação política e dos diretores, passarão pelos pingos da chuva, chegando a lugares cimeiros onde comandarão o país.
Por fim, o resultado disso será a loucura total, como se vê noutros países. Repare-se que Trump é um subproduto deste tipo de cultura, advindo de um pseudo-colégio privado, nos EUA, onde quem manda é o dinheiro e passa quem mais paga.
Por cá será ainda pior, já que somos um país de miséria.
O futuro avizinha-se muito negro, … a menos que todos façamos a nossa parte e não aceitemos determinados desmandos e loucuras que nos são impostos.
https://peticaopublica.com/?pi=PT121476
Petição por um modelo de gestão democrático , colegial e eleito democraticamente .
Assinem, pelo menos isto🙏
Irá ao parlamento.
Não sei o que andam a fazer os grupos parlamentares que nada dizem sobre o modelo de gestão de escolas que se avizinha…
E andamos nós a votar neles.
E vamos votar novamente no PX mês .
Finalmente, o país de “brandos costumes”, “sujeitos passivos” e habituado a assistir, inerte (como se tivesse sangue de barata), a todo o tipo de saque institucionalizado, e abusos de toda
a ordem, verifica que é agora ou nunca que algo tem de acontecer, para virar todas as mesas de abusos ao contrário. Porque depois de se ter perdido a dignidade e a dedicação de uma vida a una profissão que ninguém respeita, pouco mais há mais a perder.
É urgente uma nova revolução em todas as instituições portuguesas. E a educativa tem de escolher os seus líderes. Nada menos que isso. Porque a educação é a base de todas as sociedades. Não pode ter liderancas medíocres, pérfidas ou boçais. Senão, invista-se em penitenciárias, porque o país vai precisar. E quem sabe existam alguns diretores com muita experiência para essa gestão. Que não será o que se pretende em contexto educativo e nuna democracia. Senão, votar para quê, se os professores e educadores são exatamente a classe social sem voz ou impacto para a mudança no modelo de gestão da sua própria classe profissional?