Não sei, talvez por estar só ou então talvez não seja talvez mas a certeza se a solidão é a razão maior quando se está noutra terra e noutro planeta e não se tem ninguém para além das forças e as forças às vezes faltam, ainda para mais se temos o fim à vista.
Natal de 2007: chegara a Inglaterra com o tal bilhete só de ida no passado mês de Setembro e depois de um mês e meio a fazer substituições dia a dia em escolas um pouco por toda a cidade de Londres, acabei por conseguir o meu primeiro emprego e finalmente o tal emprego há dez anos negado pelo mesmo Portugal responsável por me trazer ao mundo mas nem por isso responsável por mim e portanto todos por um e cada um por si e Deus nos acuda.
E com emprego garantido desde Novembro todas as possibilidades quando finalmente se tem dinheiro no bolso a começar por este regresso a casa, este regresso a ti à minha espera na terra natal com o Natal à porta e duas semanas por inteiro a ver o sol ao acordar tão enorme como o sol na rua por demais ausente nestas latitudes nórdicas.
Falemos portanto de solidão e falta de vitamina D porque de outro modo não posso explicar esta reação diante da festa de Natal da escola, a minha primeira festa de Natal numa escola como professor e colega, não mais de passagem mas um entre muitos e parte de uma equipa e finalmente a pertença, finalmente a aceitação em oposição à rejeição, finalmente a possibilidade de sonhar, finalmente a conquista tão difícil e tão longe de ti, de tudo, de todos e por breves instantes o mundo inteiro é nosso.
“E como parte da festa de Natal da escola uma das alunas finalistas vai cantar a canção “Lean on me”, com letra e composição de Bill Withers”, anunciou a Directora a partir do palco e na voz daquela criança hoje mulher e de cujo nome já não me recordo o esvaziar desta alma diante da letra, letra à qual não traduziremos o título na seguinte tradução livre:
“Às vezes nas nossas vidas trazemos dor e arrependimento mas se formos sábios saberemos haver sempre um amanhã.
“Lean on me” quando te faltarem as forças, eu serei o teu amigo para te ajudar a continuar pois não tardará para que eu também precise de alguém “to lean on”.
E por favor engole o teu orgulho se precisas de pedir algo e ninguém te pode ajudar se nada dás a entender.
Irmão, chama por mim quando precisares de ajuda pois todos precisamos de alguém “to lean on”.
“Lean on me” quando te faltarem as forças, eu serei o teu amigo para te ajudar a continuar pois não tardará para que eu também precise de alguém “to lean on”.
Irmão, chama por mim quando precisares de ajuda pois todos precisamos de alguém “to lean on”.
E se tens um peso, uma cruz que não consigas carregar, basta chamar por mim e eu estou já aqui para de bom grado ajudar-te a levar este peso e carregar esta cruz.
Se precisas de um amigo, chama por mim, e se alguma vez precisares de um amigo, chama por mim.”
E em segundos o rosto lavado em lágrimas como se tivesse corrido uma maratona sem ninguém ao meu lado para me aconselhar, guiar, ouvir ou apenas estar.
Mas não há ninguém e correr corri completamente só porque a necessidade assim o dita ao longo de quarenta e dois quilómetros e cento e noventa e cinco metros e as lágrimas nos últimos cento e noventa e cinco metros agora a dois dias do fim das aulas e do tão antecipado regresso a casa, finalmente capaz de respirar, finalmente capaz de voar, finalmente capaz de pagar o tal bilhete de volta a casa e aos braços de quem verdadeiramente posso.
E no entanto a marca e esta canção trazida na pele desde então, doravante e até aos dias de hoje bastando para tal tocar no rádio para em segundos lavar o rosto em lágrimas enquanto tu me dizes e repetes ao ouvido como a maratona chegou mesmo ao fim.
3 comentários
É para bater palminhas?
Foi hoje a sepultar um homen simples, bom e justo.
Seria bom que houvessem muitos, mas mesmo muitos mais como ele.
Está nas nossas mãos.
E está nas nossas mãos levar a que outros, que não são bons, não são justos, não são verdadeiros, sérios e honestos sejam postos no seu lugar.
Não nos deixemos pisar por gentinha que não sabe ser nem estar.
*ressalvo homem