É um facto consumado que só não vê quem não quiser ver – os pais tomaram de assalto as escolas. Atualmente passaram a ser eles quem domina e manda nas escolas. Gente que raramente lá põe os pés – e quando lá põe, é só para causar distúrbios – é quem manda nas escolas.
Longe de uma convivência salutar e recomendável de participação dos encarregados de educação na vida escolar dos seus educandos, num trabalho colaborativo com a escola para a melhoria da aprendizagem das crianças e jovens, pelo contrário, a ausência da sua vinda à escola só é interrompida quando se deslocam aos estabelecimentos de ensino ou contactam a escola para confrontarem e ameaçarem quem nela trabalha. «Confronto» é a palavra certa que traduz a relação que os pais de hoje têm com a escola. Desde que Maria de Lurdes Rodrigues, à época, ministra da Educação, perseguiu, atacou e humilhou a classe docente, rematando essa postura com a frase particularmente infeliz “Perdi os professores, mas ganhei os pais e a população”, a força dos professores diminuiu na mesma proporção que a dos pais foi aumentando. Diante do nosso olhar desenrolava-se o assassinato de uma classe profissional e de tudo o que de essencial ela representa para um país.
Se nem sempre houve total consonância de posições entre casa e escola, depois de tantos anos de mensagens desprestigiantes contra a classe docente e de apoio incondicional aos pais, os professores perderam o poder e nunca mais voltaram a ser respeitados. De lá para cá, os abusos de alunos (francamente difíceis) e de pais contra professores, que têm vindo a aumentar de forma dramática e preocupante, contribuíram para o abandono da profissão e a falta de candidatos para a exercerem. A escalada de casos de violência contra professores (muitos deles abafados pelas Direções escolares e outros pelas vítimas, por vergonha) é uma das muitas consequências destas políticas educativas erradas, baseadas na poupança e em interesses eleitoralistas.
Como diretor de turma, que fui durante toda a carreira, mais do que qualquer outra adversidade, constato o alarmante crescimento deste fenómeno que tomou proporções dramáticas como o maior obstáculo ao trabalho nas escolas. Pela mais pequena coisa que aconteça na escola, os meninos queixam-se aos pais. Habituados que foram a não fazerem nada do que se lhes manda e a fazerem tudo o que querem e quando querem, ao encontrarem a escola como primeira entidade que lhes impõe regras e disciplina, à mais pequena contrariedade ou frustração, amuam, revoltam-se contra os professores e auxiliares e fazem queixa aos papás que correm logo em seu socorro – postura que sempre tiveram com os meninos, que explica o facto de recebermos nas escolas estes seres com pouco polimento educativo e ético, com visível falta de valores e de empatia, que não reconhecem autoridade no adulto nem limites nas suas atitudes.
Mal chegam às nossas salas de aula evidencia-se o maior de todos os males – não saber estar! Não sabem cumprimentar, pedir licença, desculpa ou cumprir regras básicas de boa educação e de convivência salutar. Não se sabem sentar e apresentar uma postura correta, porque fazem o mesmo quando estão com os pais num local público, seja num restaurante, num jardim ou num supermercado.
Como não estão habituados a escutar um «Não» e a serem contrariados, viram-se contra os professores, de quem se queixam e contra quem inventam cenários que justifiquem a sua preguiça e/ou incumprimento. Situação extensível aos próprios colegas, desencadeando constantes desacatos entre pais que se comportam ainda pior do que os próprios filhos, revelando de onde vem a falta de educação que apresentam na escola.
Umas «flores de estufa» que têm o direito de dizer e fazer o que quiserem aos adultos, mas que se melindram com qualquer coisa que vá contra a sua vontade. Os meninos de hoje, querem, podem e mandam, rodeados de um mar de subalternos que os paparica e tem de lhes satisfazer todas as vontades. Em casa, foram habituados a ter tudo sem esforço e quando isso lhes é exigido na escola, queixam-se aos pais que culpam os professores e exigem tudo o que o sistema de ensino atual disponibiliza para que os seus rebentos possam passar de ano sem esforço, mesmo aqueles que são mal educados na escola (porque em casa são uns santos – os progenitores ganharam o título de papás do ano a partir do momento em que lhes deram um smartphone para os manterem entretidos, obtendo, com isso, o visto para cumprimento do seu dever parental na educação dos filhos desde o momento da sua conceção até à idade adulta).
E, depois do escandaloso facilitismo a nivelar por baixo, que disponibiliza todas as medidas de apoio aos alunos e pressão sobre os docentes, os pais ainda fazem reclamação de notas, porque o seu «mais que tudo» não vai para o quadro de mérito da escola por culpa do incompetente professor de Educação Física que obrigava a criancinha a dar cambalhotas, a correr e a participar em jogos coletivos em dias de frio e de calor, colocando em risco a sua integridade física e a sua autodeterminação.
Mas o assalto à escola não se fica por aqui.
Alguém consegue imaginar, numa consulta médica, um utente a diagnosticar e a prescrever, pondo em causa o profissionalismo do médico que o está a atender?
Pois é precisamente isto que tem vindo a acontecer no ensino. O poder que tem sido dado aos pais é de tal forma desmesurado que têm a petulância de estarem constantemente a porem em causa o trabalho pedagógico docente, dando palpites e pareceres sobre a modo como os profissionais de ensino devem realizar o seu trabalho.
Mas, afinal, quem é esta gente, que nem as suas obrigações parentais cumprem na educação dos filhos, para terem o atrevimento de, do alto da sua impoluta moral, opinarem e constantemente porem em causa o trabalho dos professores?!
Gente que, se cumprisse o seu dever e educasse os seus filhos, dariam muito menos trabalho aos professores e funcionários no desempenho das suas profissões e facilitavam a aprendizagem desses alunos e de todos os outros que querem aprender e são prejudicados pela postura incorreta dos colegas.
Gente que deveria agradecer à escola e a todos aqueles que nela trabalham, o extraordinário trabalho que realizam a colmatar as enormes falhas parentais e da sociedade, que fracassaram por completo na educação dos filhos da nação.
Por outro lado, longe de estarem isentos de culpa, os professores têm responsabilidade naquilo que o destino lhes reservou.
É que, os piores, ainda são os encarregados de educação que são professores.
Isto, já para não falar dos próprios professores que incitam e até ajudam certos pais a conflituarem com os docentes.
E, depois, temos muitos diretores de turma que, para ficarem bem vistos aos olhos dos pais, nunca defendem os colegas, alimentando situações de fácil resolução.
A tudo isto, não nos podemos esquecer das Direções das escolas. Enquanto não voltarmos ao sistema em que, quem elege as direções são aqueles que diariamente estão nas escolas, ou seja, os professores, técnicos de ação educativa e assistentes operacionais, para as direções continuarão a ser mais importantes pais, empresas e autarquias, porque são quem lhes dá o «poleiro». E, em consequência dessas portas escancaradas para os pais por parte de muitas Direções, é crescente o número de pais que passam por cima dos diretores de turma e vão diretamente às Direções reclamar contra os professores, ignorando o papel das estruturas intermédias na relação escola-casa.
Será que, qualquer um de nós, enquanto cidadão, por qualquer questão clínica, tem as portas das direções hospitalares abertas para nos dirigirmos quando queremos e bem nos apetecer?
Contudo, quando as queixas dos pais não são resolvidas de imediato por Direções ditadoras para com o corpo docente, mas cheias de solicitude para com os encarregados de educação, resolvem-se os problemas nos grupos de WhatsApp onde os pais acusam, julgam e condenam os professores sem sequer se darem ao trabalho de irem à escola informarem-se acerca dos factos. Esta é a postura e os ditames de valores de ética democrática e de respeito pelo próximo que esta sociedade decadente instituiu como exemplo para as novas gerações. Uma síndrome de vítima de progenitores que só conhecem direitos e não reconhecem as suas obrigações, configurando-se como um grave problema civilizacional.
A pressão constante sobre a escola e, sobretudo, sobre a classe docente, desde ameaças, agressões verbais e físicas, tudo tem sido válido num sistema que deu todo o poder aos pais e deixou os professores desprotegidos e vulneráveis à mercê de tudo e de todos. Mas nada poderia ser mais errado do que terem e exercerem esse direito de tratarem de maneira ofensiva aqueles que estão a colmatar a educação que eles não deram em casa e a preparar o futuro dos seus filhos. Mas fazem-no, muitas vezes apenas porque podem e para camuflar as suas falhas parentais, depositando a responsabilidade na escola.
Este constante acossar tem vindo a causar um intenso desgaste nos professores, devido a casos e situações que se reptem e se arrastam, roubando tempo ao trabalho pedagógico e arrasando psicológica e emocionalmente os profissionais de educação. Como resultado de toda esta conjetura adversa, daqueles que ainda não desistiram da profissão ou não estão de baixa médica, comprovam diversos estudos que uma elevada percentagem de professores estão em burnout e outra parte em pré-esgotamento. Neste contexto adverso e hostil, a somar à crescente indisciplina dos alunos, à falta de estabilidade que possibilite constituir família, ao excesso de burocracia e aos baixos salários, não admira que ninguém queira ser professor!
E o que tem feito o poder político para resolver esta situação preocupante?
Nada. Bom, para ser sincero, até têm feito muito, mas para piorar ainda mais a natureza desta questão, não resolvendo os problemas que criaram, mas tendo a fértil imaginação de criar mais uns quantos para somar aos já existentes.
E, assim, o clima de medo reina entre os profissionais que rumam diariamente às escolas deste país para darem o seu melhor. Desde alunos, pais e direções, todos atacam os professores de forma implacável. O crescente clima de terrorismo psicológico e de perseguição que assolou a classe docente, a ameaça e mesmo instauração de processos de averiguação, disciplinares e judiciais, maioritariamente injustos e baseados em falsos testemunhos, contribuíram para os elevados níveis de ansiedade que desgastam os profissionais na escola e na sua vida privada.
Tudo vai contribuindo para a chegada do dia em que não haverá professores. E, com a crescente falta de professores, esse dia está a chegar.
Porém, todo este abuso de poder que vem de fora das escolas foi crescendo, também, porque nós assim o permitimos. Por conseguinte, é urgente restabelecer a autoridade dos professores, começando por dignificar e valorizar o seu estatuto e as suas carreiras, aumentar a exigência e comprometimento dos alunos e responsabilizar os pais pela educação dos filhos com medidas concretas e com consequências.
É justamente pela aposta na Educação que se começa a construir uma sociedade justa, civilizada e evoluída, com cidadãos capazes, responsáveis, críticos e criativos, providos de valores essenciais para a construção de um país com futuro. E isto, meus caros, é impossível de se alcançar sem termos professores respeitados, valorizados e motivados.
Tomando em consideração que tudo o que eu disse não interessa a pais, alunos e poder político, permanece vigente e inalterável o assalto à Escola.
Carlos Santos
13 comentários
Passar directamente para o formulário dos comentários,
A mais pura verdade.
Verdade e não são precisos muitos pais para colocarem uma escola em alvoroço. Acresce que muitas vezes com conivência de diretores de turma.
Reconheço a importância da participação construtiva dos encarregados de educação para ver “o outro lado” mas não para se substituirem aos seus educandos ao minimo acontecimento, excluindo-os de qualquer responsabilidade e frustração.
Essa participação dos pais da escola devia ser melhor regulamentada.
O principio de “o cliente tem sempre razão” tanto é injusto no supermercado como na escola.
Tudo verdade e absolutamente incompreensível. É preciso dar mão de ferro às escolas para, com um tratamento de choque, dar a volta à situação e isso, sim, exige coragem. Mas é também preciso varrer os cérebros de muita ovelhinha que povoa as escolas.
Concordo, por isso os elogios ao MECI são deveras precipitados. A escola é lugar de escravatura de professores (quem puder, fuja!), perpetrada pelos kapos a que chamam diretor@s. O que diz a isto o ministro, nada. A IGECósmica é uma espécie de polícia política ao serviço dos, salazarentos, regedores. Podem fazer tudo o que lhes apetecer, pois gozam de impunidade total. Assim, para quem tem passado tal “fome”, até as migalhas parecem um banquete.
Boa tarde!
Infelizmente, é mesmo isto que se passa!
A nossa triste realidade!
Fiquem bem!
Caro colega,
Desde já agradeço imenso as suas palavras. Muito obrigada, pela coragem que teve em abordar um tema,que cada vez mais é recorrente. Apesar de recorrente, é tratado com “pinças”. Sim,porque num país que se diz livre, infelizmente, a lei do silêncio impera. Medo de falar por causa das possíveis represálias. Venham elas de onde vierem,da parte das Direções, dos colegas e,como tão bem referiu, dos ditos Encarregados de educação. Sendo estes últimos,os que mais perseguem a classe docente. Podem tudo e o poder que lhes é dado é diariamente retirado aos professores. Os professores nada podem e são cada vez mais enxovalhados,por aqueles que deveriam ser os seus principais aliados. Enquanto tudo isto não mudar, os professores tornar-se-ão uma classe em vias de extinção. É pena,pois ser-se professor ( com o reconhecimento e condições merecidas) é uma das mais belas profissões. Força professores!
” Porém, todo este abuso de poder que vem de fora das escolas foi crescendo, também, porque nós assim o permitimos.”
Não foram os pais.
Foi a mediocridade.
Pais que acham que sabem mais do que os professores, professores reles que acham que, por terem mestrados tirados de qq maneira, sabem mais do que quem lá está há anos, prifessores que andaram anos a trabalhar em empresas privadas ou no superior, e acham que são melhores do que quem trabalha na Educação há décadas, …, em suma, aldrabões.
Claro que escudados por direções de treta, como são quase todas.
Os temas da indisciplina, facilitismo e desautorização dos professores não interessam a quase ninguem em Portugal, tirando alguns professores, que nem sequer constituem a maioria da classe docente. Uma boa prova disso é que André Ventura, sempre à procura de temas que permitam ao Chega sitiar e embaraçar os partidos alinhados com a ideologia de bandalheira esquerdista dominante no sistema educativo (Livre, BE, PCP, PS, PSD), nunca fala em nada disso. E não fala nisso porque sabe que a grande maioria do povo português frequentador da escola pública não está interessada em maior rigor na escola pública. Esse segmento da população quer, isso sim, que não sejam criados obstáculos, pelos professores, ao direito inalienável que os seus filhos têm de receber um diploma do 12º ano. Os portugueses partidários de uma maior exigência no sistema educativo já levaram os seus filhos para o ensino privado, não têm qualquer intenção de os fazer regressar à escola pública e não querem saber do que lá se passa para nada, tirando o facto de não quererem que se gaste demasiado dinheiro com a escola pública, já que em nada beneficiam dela.
Como é que se pode chamar a essas pessoas de que falou, e que se compram dessa maneira, Encarregados de Educação? Deve ser uma piada de mau gosto. Deviam ser chamados de outra forma. Além disso, nos seus próprios trabalhos, também reclamam assim com os patrões?
Para se ser encarregado de alguma coisa, é muito necessário saber, querer e, sobretudo saber ser. Mas, os filhos são deles.
Se forem para a universidade, que vão lá reclamar dos 3,6,7 que se vêem nas pautas aos montes.
Concordo plenamente. Parabéns pelo artigo. Muito bom, muito verdadeiro e realista.
Muito bom texto que descreve literalmente o que se passa nas escolas de hoje.
Sou professora e concordo completamente.
Infelizmente acho que este texto descreve muito e bem o que se vive atualmente nas escolas.