Da lastimosa prestação de um ministro zombie à estadia abrupta em casa, tudo me parece subitamente acometido de uma lástima e caos pesarosos, que se instalam dentro de mim de uma forma excessivamente ruidosa e perturbadora.
Confesso, ainda estou, internamente, a tentar organizar tudo isto e a reorganizar-me.
Esta segunda-feira dei com a minha caixa de Mail entupida de mensagens – desde a direção que diz para ficarmos em casa, mas que estamos de sobreaviso caso alguém na frente de batalha precise de apoio para os filhos, às colegas que agradecem ao email de um com todos em cc, aos pais dos alunos que enlouquecem com os filhos a respirar ao pescoço e exigem fichinhas, já!
Depois temos, também, colegas que confessam estar em contra-relógio na formação online para perceber como podem gerir profissionalmente a fisionomia da desgraça súbita. Isto numa terra em que uns nem sequer querem saber, outros não precisam e outros não têm.
Mais alguns telefonemas e outras colegas desabafam o desespero de também serem mães e não se poderem livrar, nem dos filhos, nem dos alunos. Por fim, a última mensagem do dia: parceira de escola e querida amiga, informa que entrou em quarentena porque o colega que assistiu às suas aulas foi, no mesmo dia em que ela celebrava um aniversário com a família, internado.
A voz dela afunda-se e tenta irremediavelmente fazer o percurso dos acontecimentos. A dado momento, desfaz-se num pranto.
Na minha cabeça faço rewind a estes últimos dias. Que loucura absoluta nos acomete enquanto humanidade? No momento em que temos, finalmente, tempo para ser, em que já não temos desculpa para dizer “não tenho tempo”, parece que o próprio tempo nos traiu. 
O inimigo está em toda a parte, invisível, lancinante e ferozmente impiedoso. Estamos ainda a definir-lhe o mórbido contorno.
Mas o inimigo também somos nós, de nós próprios. A velocidade abismal e impagável a que tudo isto se processa devia forçar-nos a parar, a reduzir. A respirar fundo, a largar os mails, as redes, a estarmos connosco próprios e com aqueles que amamos sem a exigência de uma velocidade que nos supera. Pela primeira vez, podemos ter tempo. Sem desculpas, sem desvios.
Então questiono-me, porque urge responder a tudo em vez de o fazermos com a plena consciência de nós? Que tempo sobrará para apenas sermos neste caos? Serão horas, minutos, dias até entrar pela porta adentro e nos tolher de foice. Mas também pode acontecer que, a cada passo, apenas o estejamos a convidar a entrar porque o nosso receio é maior do que o próprio rosto da morte.
Há tantas questões ainda por resolver, porque não tentamos fazê-lo com alguma serenidade? Prosseguimos em frente sem detenças porque é a nossa forma de lutar ou pelo esforço desesperado de ocultar o nosso próprio pânico?
Peço-lhe que usufrua dos que ama. Apenas isso. O que tiver acontecido, aconteceu. Não se pode mudar o passado, mas podemos respirar o presente.
“Protege-te. Protege os teus e, olha, lê o Ricardo Reis que é remédio prodigioso para os tempos que correm:
“Este é o dia,
Esta é a hora, este o momento, isto
É quem somos, e é tudo.”
Desligo o telefone. Também eu estou em casa. Isolada com os meus filhos, buscando agora o impossível equilíbrio entre o trabalho que se prolongará no tempo e ser mãe. Mas preciso, também, de ser, ainda, mulher, pessoa, ser humano.
Por isso, este final de tarde, depois de cortar os últimos tomates para a salada, separei as sementes. Um amigo aconselhou-me sabiamente: “semeia as sementes e terás vitamina C”.
Pareceu-me um bom plano: alguns minutos por dia, vou afastar-me dos miúdos, do computador, das redes, da paranoia, do medo, da gritaria, das exigências impagáveis e, enquanto durar o meu cigarro à janela, vou, apenas, ficar a ver os tomates crescer…

2 comentários
Ele só pensa
Ele só quer
Ligar a internet
Cabeça Verdasca Tiago
A rede está na retrete
Bem diziam os Britânicos na II Guerra Mundial:
KEEP CALM
AND
CARRY ON