O Estranho caso do recurso da ADD

 

Pela primeira vez foi indicado para árbitro num recurso de uma Avaliação de desempenho. Em grosso modo, uma colega que mal conheço pediu-me para que fosse seu árbitro numa reclamação que fez quando, devido às cotas, lhe atribuíram menção de Muito Bom numa nota que era de Excelente. Até aqui, nada de novo!

Infelizmente todos sabemos que este sistema de avaliação é injusto e pouco dado a questões de mérito, o que não me parece normal é quando podemos de uma forma legal repor alguma justiça em todo o processo preferirmos sempre alinhar com a injustiça para evitar “ondas”.

Muito do que temos hoje deve-se a nós próprios. Este sistema de avaliação de que nos queixamos serve o próprio sistema e os seus soldados. De que serve passarmos os dias a reclamar do sistema se quando podemos ser o grão de areia que emperra a máquina preferimos não o ser?

Refilar sem percebermos que cada um de nós faz parte do sistema não só é um mau princípio como sobretudo é uma visão muito redutora do próprio!

Percebo que nossa tendência natural é sermos autorreferenciais, é humano, tomamos como referência os nossos valores, a nossa visão e perspetiva das “coisas”.

Já não acho tão normal considerar que podemos, porque sim, prejudicar alguém que mal conhecemos colocando em causa o processo de avaliação a que esteve submetida, seja interna, seja externa.

Pauto a minha vida com o lema “e se fosse comigo” e “e se fosse com os meus filhos” e assim consigo “meter-me” no lugar do outro para perceber o impacto das minhas decisões. Só que o que constato é que este comportamento não é assim tão comum como eu imaginava, como disse a cima, talvez esteja a ser demasiado autorreferencial.

Evidentemente há coisas piores na vida que vermo-nos perante a injustiça deste sistema de avaliação, mas também é verdade que todo o processo poderia ser mais justo se cada um de nós fizesse a nossa parte ao invés de colocarmo-nos do lado do sistema que criticamos quando deambulamos pelos corredores da escola.

Quando para este processo fui indicado pensei que seria “Peanuts”. Temos uma colega com nota quantitativa equivalente a uma menção de Excelente e apenas não a teve porque no Agrupamento de Escolas onde leciona não há cotas, uma questão de sorte, direi eu, uma fatalidade do sistema dirão outros.

A partir do momento que um caso destes me chega à mão, na minha perspetiva é a ocasião ideal para, seguindo os contornos da lei, mostrarmos a nossa discórdia relativamente às cotas e dar provimento à reclamação. O que fariam a seguir era um problema que não era meu, teria feito a minha parte.

Sem que nada pessoal me coloque contra os árbitros que comigo analisaram o recurso, fico com a sensação de amargo no trago por não ter conseguido fazer ver que não interessa assinar petições contra as cotas quando ao mesmo tempo perante uma situação concreta se colocam a favor das mesmas. É um contrassenso.

Infelizmente, pelo que tenho sabido, estas situações são muito comuns e a consequências são nefastas.

Se é verdade que a ADD no atual formato é um pedregulho enorme na Carreira também é verdade que quem com ela é conivente, independentemente das razões que nos levam a compactuar com as situações injustas.

Sempre que a uma reclamação de uma colega não dermos provimento, estamos na realidade a tornar o Sistema num tribunal supremo que não pode nem deve ser contrariado. Criando um monstro que um dia mais tarde se virará contra nós. Sem essa noção de dar um sinal claro de que não devemos ter receio de recorrer e menos ainda de colocar em causa o Sistema.

Quem recorre não tem mau perder, quem recorre sente-se injustiçado, não é normal que o ambiente se torne pesado só porque se ousou mostrar, fazendo uso da lei, o descontentamento perante uma nota com a qual não se concorda. Menos normal é quando se pessoaliza todas estas questões e tomam um recurso como um ataque pessoal, ou à competência.

Hoje escrevo com tristeza e cada vez menos crédulo na pessoa humana enquanto garante de justiça entre pares.

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21 comentários

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  1. Parabéns! É EXATAMENTE ISTO: “Quem recorre não tem mau perder, quem recorre sente-se injustiçado, não é normal que o ambiente se torne pesado só porque se ousou mostrar, fazendo uso da lei, o descontentamento perante uma nota com a qual não se concorda. Menos normal é quando se pessoaliza todas estas questões e tomam um recurso como um ataque pessoal, ou à competência. “

      • Alexandra Silva on 6 de Maio de 2021 at 18:43
      • Responder

      Exatamente isso!

    • Luluzinha! on 6 de Maio de 2021 at 17:24
    • Responder

    Oh sim, é estranhíssimo, realmente!

    • umentremuitos on 6 de Maio de 2021 at 17:24
    • Responder

    Correção: quotas não cotas.

    • Recorrente on 6 de Maio de 2021 at 18:24
    • Responder

    reclamei, passei ao recurso. perdi. mesmo com o melhor árbitro que me representou, do mais informado e batalhador. a ironia é essa. os dois outros árbitros, que em nada cederam, devem ser pessoas, presumo, que são contra este tipo de avaliação, devem queixar-se muito de tudo isto. e, todavia, ou não quiseram ouvir, ou não perceberam, ou decidiram que não há mais do que a palavra não. Já agora, as alegações , escritas por mim , mas sabendo o que estava a redigir, plasmavam bem o meu recurso face à avaliação externa. Nem sequer era a interna. Mesmo assim, e sem que se dêem conta, os colegas pactuam. desejo que mais gente venha a reclamar, a meter recurso. É um trabalho imenso, um desgaste brutal. Apesar de tudo, em algumas escolas, houve alteração de menção e houve possibilidade de seguir para o novo escalão. Contudo, poucos são os que reclamam, os que estão informados, os que arriscam, os que dão a cara por colegas, e tudo acaba por se definir num conselho arbitral onde o nosso representante está de um lado, face a outro designado pela Sadd e um terceiro, que regra geral, e porque não se chega a acordo, é designado pela Presidente do CG. Fica tudo num dois contra um, e houvesse hombridade e conforme os factos relatados, aferir do que é apresentado como recurso. No meu caso, houve má sorte. Em muitas minudências. Mas avancem os que este ano, vão passar por isto.

    • Atento on 6 de Maio de 2021 at 18:27
    • Responder

    Pior ainda, os diretores circulam de escola em escola , constituindo colégios arbitrários (não arbitrais), quais associações de malfeitores, a inviabilizar o provimento dos recursos.
    O autoritarismo imposto através da, instrumental, ADD serve apenas para mascarar a sua incompetência.

    1. Não, não, não circulam…eles só pegam no telefone que existe lá dentro do Olimpo e os bitaites dos pares (deuses todos) são sagrados e combinados!
      Às vezes também lá vai como sagrado um bitaite de um semideus (assessores e outras varejeiras do antro).

  2. Cara homónima

    Concordo.
    Mas também lhe digo : com este promíscuo ECD – que trata por igual o que é desigual – as injustiças são inevitáveis. Meritocracia? Só por milagre…
    A carreira terá de ser subdividida em várias carreiras paralelas e diferenciadoras, conforme o nível de ensino ou especialidade /conteúdo funcional. Como, aliás , acontece em qualquer país.
    E quem obtivesse um Muito Bom ou Excelente nesta bizarra avaliação, para progredir deveria sujeitar-se a um rigoroso exame de conhecimentos por forma a saber-se se aquelas duas menções eram “verdadeiras” ou “falsas”. Teríamos muitas surpresas .Assim ninguém sabe ; como diz o bom povo ” quem não vê não peca” . Os medíocres agradecem !

      • ginbras on 6 de Maio de 2021 at 21:40
      • Responder

      Concordo

    • Maria Clara de Matos Guerreiro on 6 de Maio de 2021 at 23:02
    • Responder

    Bom, a colega reclamou porque obteve excelente na avaliação esterna e interna, tal como eu, e foi avaliada “apenas” com Muito Bom” – eu fui avaliado com um “Bom”, por causa das quotas…. reclamei, mas fiquei na mesma!
    Não estou propriamente contra as quotas, estou contra o facto destes serem impeditivas na progressão de carreira – para mim, é-me igual se sou classificado com excelente, muito bom ou bom, desde que isso não interfira na progressão e não tenha de ficar à espera, numa lista ridícula, para progredir para o 5º ou o 7º escalão!
    O problema não está nas quotas, está nas quotas limitativas de progressão ao 5 e ao 7º escalão!!!!

    • Rui Manuel Fernandes Ferreira on 6 de Maio de 2021 at 23:36
    • Responder

    O problema não é a tutela, o problema são os professores que, por diversos motivos (todos, da treta), legitimam a implementação do modelo absurdo. Como perspetivar, ou mesmo pedir, a anulação do absurdo se os professores no seu quotidiano diferenciam prestações dos colegas? Impossível!

      • Matilde on 7 de Maio de 2021 at 20:37
      • Responder

      Subscrevo.

      Os primeiros a legitimar o actual modelo de avaliação são os próprios professores…

    • Francisco Gonçalves on 7 de Maio de 2021 at 12:14
    • Responder

    Julgo que é, tremendamente, visível que o sistema de avaliação dos professores criou, de forma deliberada ou não, um clima propício à divisão da classe. Não é muito agradável admitir esta conclusão, mas parece-me inevitável.
    Para além de arcaico, o sistema é confuso, injusto e, pior, dá a possibilidade de três ou quatro pessoas influenciarem, de forma definitiva, a carreira de um professor. Todos sabemos que quando poucos decidem o futuro de muitos, o resultado é a subversão do sistema.
    No meio de toda esta controvérsia, há alguns mitos que convém desfazer:
    Desde logo, quando um professor, ou alguém da estrutura local ligada à avaliação dos professores, interfere, sem razão aparente, negativamente, com as legítimas ambições dos reclamantes e dos recorrentes, deve ser considerado um empecilho, um adversário da classe. Não vale a pena manter pruridos e falsos pudores.
    Outro mito que é necessário combater é aquele que sustenta que as decisões do Sistema – as SADD e os Conselhos Gerais -, que, em muitos casos, se revelam como autênticas extensões do Ministério da Educação, quais braços armados, são definitivas e irrecorríveis. Não são, claro que não, e as instâncias judiciais estão aí para o comprovar.
    A conclusão de que aquelas instâncias – as SADD e os Conselhos Gerais – são constituídas por pessoas competentes, pode, em muitos casos, revelar-se precipitada e, principalmente, exagerada no abono que pretende atribuir às ditas.
    Os professores que se sentem injustiçados devem, inequívoca e convictamente, manifestá-lo. Para isso, devem inundar as SADD de reclamações e os Conselhos Gerais de recursos. Se tal revelar-se insuficiente devem, com coragem e sem hesitação, recorrer às instâncias judiciais.
    Pode ser que assim o Ministério e os seus acólitos distribuídos pelas Escolas tomem a noção exata da dimensão do atentado que estão a cometer contra a motivação dos professores distribuídos pelo país inteiro.

    1. Francisco,
      o seu comentário é um mito.
      No atual, viciado, sistema os recursos internos estão condenados ao fracasso, as exceções confirmam a regra.
      As instâncias instâncias judiciais têm problemas muito mais graves para resolver…
      Os recursos a instâncias judiciais são MUITO MOROSOS E DISPENDIOSOS…
      A solução não passa por aí, passará por resolver o problema na origem.

        • Francisco Gonçalves on 7 de Maio de 2021 at 15:58
        • Responder

        Muito obrigado pela amabilidade em adjetivar o meu comentário.

        A gravidade dos problemas que as instâncias judiciais têm para resolver, são, como sabe, muito relativas. O que é grave para si, pode não ser grave para mim.

        É verdade que o tempo da Justiça nem sempre é o adequado às circunstâncias. Contudo, pelo menos, devemos tentar.

        Quanto às custas, os sindicatos existem é, exatamente, para isso mesmo.

        Muito obrigado.

          • CJ on 7 de Maio de 2021 at 17:11

          Sindicatos???!!!!
          Sou sindicalizado, recorri ao sindicato…insinuaram, insistentemente, que seria uma perda de tempo…
          Mais uma nota, a estratégia dos diretores passa, agora, por atribuir a todos classificações muito perto do 10,000. Classificam os amigos com 10,000. Atribuem-lhe, a si, 9,990 mas com a menção de BOM. Recorre de quê?
          Bom fim de semana.

          • CJ on 7 de Maio de 2021 at 17:13

          Ainda, os sindicatos não suportam custas judiciais, quando muito prestam apoio jurídico.

          • Ida on 8 de Maio de 2021 at 0:44

          Concordo consigo, Francisco. Mas o recurso aos tribunais deveria ser uma acção colectiva e não individual. Teria outro peso e menos custos.
          Seria possível, talvez, criar uma lista de professores avaliados com Muito Bom e Excelente, cujo resultado final depois da “desarmonização” foi Bom e recorrer à ” figura jurídica do cidadão”. Os custos jurídicos partilhados poderiam induzir mais aderentes a esta causa.

          • Ida on 8 de Maio de 2021 at 9:38

          Iniciativa jurídica do cidadão.

    • Francisco Gonçalves on 8 de Maio de 2021 at 10:08
    • Responder

    Senhor CJ,

    Se a sua opinião passa por desistir, quem sou eu para o desmentir?

    É com base em estados de resignação, como aquele que, por aqui, vai exibindo, que as instâncias que legislam e aplicam a Lei vão atentando contra os direitos básicos de uma classe que era suposto ser melhor tratada.

    Muito obrigado.

    1. Sr. Francisco,
      desistir???!!! A conclusão é SUA.
      Eu apenas apresentei FACTOS.
      9,990, recorrer de quê?????
      Parece não querer perceber que o monstro tem de ser eliminado na origem, não se trata uma infeção com paracetamol… Tem de ser eliminado o “foco infeccioso”. A cabeça do monstro é o modelo de gestão. Não por acaso, os diretores tiveram um AUMENTO de 100% quando nós, zecos, tivemos CORTES BRUTAIS, no consulado do “eng” Sócrates era famigerada mlr. São eles que, a troco, de múltiplos “bónus” e tacho vitalício, fazem avançar o monstro, esmagando, quase, tudo e todos. Tudo planificado a longo prazo. Os efeitos estão agora a atingir o auge. Factual.
      Cumprimentos.

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