Professores a remendar os erros concebidos pela Tutela?

 

O Ministério da Educação, liderado por João Costa, decidiu que, no presente Ano Lectivo, as Provas de Aferição (2º, 5º e 8º Anos de Escolaridade), assim como as Provas Finais de Ciclo (9º Ano de Escolaridade, Disciplinas de Português e Matemática) seriam, todas, realizadas em formato digital…

 

Entretanto, o Governo integrado por João Costa demitiu-se, mas essa medida, ao que tudo indica, manter-se-á, pelo menos no presente Ano Lectivo…

 

É impossível não censurar essa decisão, desde logo porque:

 

– No Ano Lectivo transacto ficaram bem visíveis os constrangimentos e as limitações existentes ao nível do apetrechamento tecnológico em muitas escolas, desde deficientes redes de acesso à internet, até computadores inoperacionais ou em número insuficiente para a realização das Provas…

 

Em muitas escolas, os inúmeros problemas técnicos ocorridos durante a realização das Provas levaram a que muitos alunos não as tivessem conseguido concluir no tempo regulamentar…

 

Em muitas escolas, a gravidade dos problemas técnicos existentes impediu mesmo o acesso à Plataforma, levando ao adiamento da realização de determinadas Provas…

 

Em suma, é esse o “fantástico e maravilhoso” mundo tecnológico existente na maior parte das escolas do país, ainda que o Ministério da Educação não tenha assumido nem reconhecido a real dimensão do problema, optando antes por desvalorizá-lo e escamoteá-lo…

 

– Sujeitar crianças, pelo menos as do 2º e 5º Anos de Escolaridade, à realização dessas Provas, exclusivamente em formato digital, submetendo-as a uma situação potencialmente stressante, ansiógena e angustiante, sem qualquer justificação inteligível ou plausível, denota, no mínimo, insensibilidade e falta de bom senso, face às competências informáticas que poderão ser esperadas ou exigidas a crianças nessas faixas etárias…

 

– Dado que o Ministério da Educação não providenciou, de forma significativa, os desejáveis melhoramentos ao nível do apetrechamento tecnológico, será de esperar que no presente ano possam ocorrer problemas semelhantes aos que se verificaram no ano transacto…

 

Introduzir uma “variável estranha”, como o formato digital, que pode afectar de forma negativa e preponderante a realização das Provas Finais do 9º Ano de Escolaridade, cujos resultados contam para efeitos de progressão ou de retenção dos Alunos, é algo absolutamente inusitado e insensato…

 

– Em resumo, de forma obstinada e incompreensível, o Ministério da Educação persistiu no erro e, como se isso não bastasse, ainda o amplificou, estendendo-o, no presente Ano Lectivo, até ao 9º Ano de Escolaridade… “Salvaram-se” os Exames no Ensino Secundário…

 

E perante a pretensão estapafúrdia do Ministério da Educação de impor o formato digital nas Provas de Aferição e nas Provas Finais de Ciclo, o que farão os Professores?

 

– Expectavelmente, e à luz do que sucedeu no Ano Lectivo transacto, contribuirão, de forma voluntária, para ajudar o Ministério da Educação a concretizar essas pretensões estapafúrdias, em particular pelo treino dos Alunos para a realização de tais Provas…

 

Adivinha-se que, em breve, se dará início a mais uma tarefa insana, pautada pelo alvoroço e pela inquietação, semelhante à que se verificou no ano anterior, na maior parte das escolas:

 

– Milhares de Professores a treinar exaustivamente Alunos para a realização dessas Provas…

 

Dessa forma, os Professores estarão, por um lado, a mitigar e a legitimar as trapalhadas do Ministério da Educação e, por outro, a potenciar o esvaziamento de motivos que justifiquem pôr cobro a mais um desvario da Tutela, contribuindo para validar a continuidade dessas Provas em formato digital…

 O treino dos Alunos para as Provas externas em formato digital é apenas um exemplo das contradições existentes na acção de muitos Professores que, por um lado, afirmam discordar das medidas emanadas pelo Ministério da Educação, mas que, por outro, acabam por cumpri-las diligentemente, indo, até, além do que seria esperado, participando de forma voluntária e activa na concretização dessas determinações…

 

Não fosse esse treino dos Alunos no Ano Lectivo anterior, os resultados nas Provas de Aferição teriam sido ainda mais catastróficos…

 

Só não o foram porque o treino dos Alunos e a abnegação de muitos Professores acabou por, de alguma forma, mascarar e atenuar as muitas dificuldades existentes na concretização das Provas em formato digital…

 

Contudo, lembra-se que as virtudes do “espírito de missão”, frequentemente patente na acção de muitos Professores, não lhes têm trazido nada de bom em termos de reconhecimento e muito menos em termos de benefícios…

 

Em vez de se boicotar a insanidade das Provas em formato digital, alegando a falta de imprescindíveis condições materiais e humanas que permitam a sua concretização de forma tranquila, sem atribulações e sem impedimentos técnicos, ou de se fazer apenas o mínimo indispensável para que ninguém possa ser formalmente acusado de incumprimento, acaba, na prática, por se acobertar o desvario e a fantasia “made in” Ministério da Educação…

 

O treino dos Alunos para a realização de Provas em formato digital acabará, inevitavelmente, por traduzir-se num monumental engano sobre o desempenho discente…

 

Engano para as escolas, para os Alunos, para os Professores e para os Pais/Encarregados de Educação…

 

No limite, talvez isso corresponda ao que é pretendido pelo Ministério da Educação: por um lado, camuflar as reais dificuldades dos Alunos e, por outro, fazer de conta que as escolas estão dotadas das condições técnicas necessárias para a realização de Provas em formato digital…

 

Expectavelmente, os Professores darão, assim, o seu contributo para que o Ministério da Educação possa, mais uma vez, vir a afirmar que a realização das Provas decorreu com toda a normalidade e que foi um êxito, independentemente de quem ganhar as próximas eleições legislativas…

 

Essa atitude dos Professores, muitas vezes dominada pela abnegação, aparentemente incoerente com as próprias críticas endereçadas à Tutela, acabará por se tornar, na prática, numa forma de colaboração com a fantasia e com a insanidade do Ministério da Educação, que também poderá virar-se contra si, sob a forma de um embaraçante “tiro nos pés”…

 

 Ir, num dia, a uma Manifestação gritar: “Não paramos!”, “Não paramos!” e, no dia seguinte, estar na escola a treinar os Alunos para algo absurdo e com o qual não se concorda, dando argumentos favoráveis às pretensões disparatadas e fantasiosas do Ministério da Educação, não parece lógico nem congruente, independentemente de quem ganhar as próximas eleições legislativas…

 

A normalidade nas escolas é, cada vez mais, meramente fictícia…

 

Enquanto a maioria dos Professores continuar a pactuar, explícita ou subliminarmente, com o absurdo, dificilmente alguma forma de luta de classe profissional singrará…

 

Torna-se impreterível e urgente denunciar e mostrar a todos que a realidade existente nas escolas está muito longe da fantasia frequentemente propagandeada e propalada pelo Ministério da Educação ao longo dos últimos oito anos…

 

Os Pais/Encarregados de Educação só reconhecerão a existência de um problema sério e só agirão face ao mesmo quando se confrontarem com o logro efectivo nas Provas em formato digital… Enquanto isso não acontecer, continuar-se-á no reino da normalidade fictícia…

 

Os Professores continuarão dispostos a remendar os erros concebidos pela Tutela?

 

Os Professores estarão, ou não, disponíveis para deixarem de contribuir para desagravar os efeitos da insensatez demonstrada pela Tutela?

 

Os Professores serão ou não capazes de recusar o papel de legitimadores dos erros concebidos pela Tutela?

 

Cair na tentação de afirmar que se treinam os Alunos para as Provas em formato digital para não os prejudicar é exactamente o argumento que o próprio Ministério da Educação espera dos Professores, independentemente de quem ganhar as próximas eleições legislativas…

 

Cair na tentação de afirmar que se treinam os Alunos para as Provas em formato digital em prol do sucesso escolar, é dar força às pressões que fomentam estatísticas irreais e enganadoras, com taxas de progressão a rondar os 100%, independentemente de quem ganhar as próximas eleições legislativas…

 

E, além disso, a pior forma de prejudicar os Alunos consiste em enganá-los… 

 

Quando o Ministério da Educação impõe a realização das Provas de Aferição e das Provas Finais de Ciclo em formato digital está a assumir que as crianças e os jovens têm as competências indispensáveis para tal e que as escolas também estão devidamente apetrechadas com os meios tecnológicos necessários para o concretizar…

 

É urgente demonstrar a todos que uma e outra não são verdade e que estão, até, muito longe de corresponder à realidade…

 

Paula Dias

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4 comentários

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    • Ultracongelado on 28 de Fevereiro de 2024 at 21:48
    • Responder

    “Ir, num dia, a uma Manifestação gritar: “Não paramos!”, “Não paramos!” e, no dia seguinte, estar na escola a treinar os Alunos para algo absurdo e com o qual não se concorda, dando argumentos favoráveis às pretensões disparatadas e fantasiosas do Ministério da Educação, não parece lógico nem congruente, independentemente de quem ganhar as próximas eleições legislativas…”.
    De facto, não é nada congruente, assim como não é nada congruente escrever tudo isto e depois, num dado artigo, apelar ao voto em branco.

      • Paula Dias on 29 de Fevereiro de 2024 at 11:38
      • Responder

      “… assim como não é nada congruente escrever tudo isto e depois, num dado artigo, apelar ao voto em branco.”

      Onde está a incongruência?

      O voto em branco, como já expliquei noutros artigos, é um voto de protesto. Significa que me dei ao trabalho de sair de casa para exercer um Direito de Cidadania, demonstrando pelo meu voto que nenhum Partido Político mereceu a minha confiança… E, sob esse ponto de vista, o voto em branco conta porque tem um significado muito claro, de contestação…

      Falta seriedade, falta credibilidade e falta honestidade intelectual à actual classe política e respectivos líderes…

      Consegue, no actual contexto partidário, sugerir-me algum Partido Político reconhecidamente sério, credível e intelectualmente honesto, em quem eu possa votar?

      Muito grata.
      Paula Dias

        • Ultracongelado on 29 de Fevereiro de 2024 at 13:30
        • Responder

        Pois bem, depois de tantas greves, manifestações, marchas e outras formas de luta, entre outras coisas pela recuperação do tempo de serviço que nos foi roubado, não me parece nada congruente votar em branco, sobretudo, num cenário político em que vários partidos, da direita ou da esquerda, incluem nos seus programas a recuperação do tempo de serviço. Eu é o que ou fazer, vou votar na recuperação do tempo de serviço que me roubaram.
        Quanto ao resto, avaliarei novamente nas próximas legislativas e votarei em conformidade.
        Não sou capaz de lhe indicar em quem votar, mas depois do destrato de duas maiorias socialistas, de tantos casos e casinhos, posso bem indicar-lhe em quem não votar.

    • JP on 28 de Fevereiro de 2024 at 22:39
    • Responder

    Não contem comigo para estas loucuras.
    Depois de ter sido roubado, ultrapassado e enganado, não darei nem mais um segundo para este ministério de treta.
    Fui um dos que fui roubado não sendo reposicionado no índice 167, ficando no 151, após a Milú ter criado novos escalões e não permitir a quem estava a entrar na carreira ficar no primeiro, como a lei mandava. A mesma lei que ela própria tinha criado.
    Fiquei 3 anos a receber menos 150 euros por mês por causa disto. E roubaram-me 3 anos de tempo de serviço. Estes foram mesmo roubados, porque não havia congelamento entre 2008 e 2011.
    Em 2018 fui ultrapassado por colegas com menos tempo de serviço que não estavam na carreira quando esta ministra sinistra provocou isto a milhares de professores.
    Deveria estar no 4.º escalão e estou no 3.º, só por conta deste roubo!!
    Comigo não contam para mais nmada enquanto isto se der. Nem que seja para sempre!!

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