Pouco senso, demagogia e cartaz

Pouco senso, demagogia e cartaz

 

Sobram-nos diagnósticos e propostas, com tanto de criatividade quanto de irrealismo e populismo. Faltam-nos políticos capazes de conceber planos globais coerentes e integrados de intervenção política.
No actual contexto de crise que o país atravessa, e sobretudo após a apresentação pública de tantos programas partidários e a cascata de debates sobre eles havida, seria legítimo esperar que os cidadãos se sentissem inspirados/influenciados para votar a 10 de Março próximo. Não me parece que assim seja. Antes lhes será bem mais fácil produzir sucessivas antologias da asneira e do insólito, depois do que lhes foi dado a ler e a ouvir.
Por dever de ofício e por a qualidade do sistema de ensino ser determinante para a nossa sobrevivência no seio do mundo moderno, julgo pertinente denunciar neste momento, ainda que sob registo caricaturado, alguns disparates com que os políticos nos brindaram, num período que se queria de esclarecimento e análise rigorosa.
1. Lemos e temos dificuldade em acreditar. Mas não foi notícia falsa. Aconteceu. A sodomização com um cabo de vassoura, de que foi vítima uma criança de 11 anos de uma escola de Vimioso, foi, afinal, uma “brincadeira entre alunos, simulando exames médicos à próstata”, segundo um comunicado do Ministério da Educação, que ficará para a posteridade.
Branqueado com a sua chancela o comportamento dos oito pequenos marginais, que mais podemos esperar, senhor ministro? Vai prover os recreios das escolas com cabinhos de vassouras, polidos e aferidos por calibres, para generalizar a sua temerária sugestão didáctica? Já escolheu o prosélito que vai redigir o manual de instruções?
2. À medida que os debates foram correndo, o semblante de Pedro Nuno Santos foi entristecendo. Penso mesmo tratar-se de um fenómeno que o distingue dos adversários. Será que, finalmente, caiu em si e encontrou tempo para analisar os disparates que irreflectidamente tem proposto?
Um desses disparates foi oportunamente denunciado por Arlindo Ferreira no seu blogue. Trata-se de aumentar o vencimento de entrada na carreira docente, como instrumento para a tornar mais atractiva. Como Arlindo Ferreira, e bem, sublinhou, tratar-se-á de repetir um dos mais perniciosos erros de Maria de Lurdes Rodrigues quando, em sede de aprovação do actual estatuto da carreira foi instituído o 167 como índice remuneratório de entrada e extinto o 151. O resultado então colhido foi termos milhares de professores que não viram contabilizados os anos de serviço prestados sob os índices 126 e 151 e foram ultrapassados por colegas de menor antiguidade, com um incessante acumular de prejuízos futuros.
Que pretende PNS? Mais do mesmo?
3. Sem réstia de sarcasmo, honestamente, pergunto-me o que levou o sensato e sóbrio Rui Tavares a exibir a sua nudez de bebé na SIC?
Ou a circunspecta Mariana Mortágua a afundar-se em demagogia rasteira, a propósito do envolvimento da avó com a decantada Lei Cristas, do arrendamento?
Ou, ainda, a contida Inês de Sousa Real a apresentar um cartaz brejeiro sob o lema “Touradas só na cama e com consentimento”.
Com tais prestações, o que é que estes políticos acrescentaram ao debate sério sobre o futuro do país e à credibilidade de que necessitam junto do eleitorado?
Concluindo, no que à Educação respeita, aquilo a que os partidos chamam programas não passa de um dilúvio de intenções palavrosas, globalmente com nexo escasso, que deixa sem tratamento os grandes problemas que prejudicam o bom funcionamento das escolas públicas.
Como já anteriormente aqui referi, a educação vive a maior crise da democracia. Temas centrais, geradores de conflitos que já duram há demasiado tempo (contagem do tempo de serviço, redução da burocracia imperante, mobilidade por doença, respeito pelos horários legais de trabalho consagrados na lei, criação de condições para o rejuvenescimento da profissão docente, discriminação laboral dos professores em monodocência, destruição sistemática da coerência curricular, interferência governamental na independência intelectual, científica e metodológica dos professores, entre outros) foram, quando foram, insuficientemente tratados, por forma a anteciparmos mudanças significativas numa sociedade desinteressada e perigosamente alheia ao que se passa.

Santana Castilho, In “Público” de 28.2.24

Link permanente para este artigo: https://www.arlindovsky.net/2024/02/pouco-senso-demagogia-e-cartaz/

13 comentários

Passar directamente para o formulário dos comentários,

    • Verdades on 28 de Fevereiro de 2024 at 21:24
    • Responder

    Até que enfim que se vê alguém a falar do que aconteceu a milhares de docentes no tempo d eMaria de Lurdes Rodrigues, quando esta se lembrou de eliminar o índice 151 e passar os professores para o 167, não querendo saber de milhares que estavam em formação. Estes acabaram a formação e, em vez de serem posicionados no novo 1.º índice, foram incorretamente posicionados num indíce que já não existia, o 151.
    O resultado foi escabroso. Ficaram quase 3 ANOS A RECEBER MENOS DO QUE O QUE LHES ERA DEVIDO E NÃO DESCONTARAM PARA A REFORMA SOBRE ESSE ACRÉSCIMO PREJUDICANDO-OS IRREMEDIAVELMENTE NA SUA REFORMA.
    PARA ALÉM DISSO FORAM ROUBADOS EM QUASE 3 ANOS DE TEMPO DE SERVIÇO NO NOVO ÍNDICE POR NÃO TEREM SIDO REPOSICIONADOS INDICIARIAMENTE!!
    Esta é a verdade. Desculpem as letras maiúsculas, mas a verdade é para ser afirmada!!
    Milhares de novos professores há época (2007 e 2008) foram ROUBADOS em tempo de serviço (3 anos) e em salário (3 anos a receber menos do que o que deveriam, pela própria lei).
    Nenhum governo resolveu isto e o governo de Costa, com Alexandra Leitão como secretária de Estado da Educação, resolveu ignorar os avisos que alguns diretores lhes deram quanto a este assunto, permitindo que, em 2008, muitos colegas fossem diretamente posicionados no 2.º escalão, ultrapassando-os!!
    Quando é que este ROUBO (e foi mesmo um roubo) é corrigido?!!

      • António Lourenço on 28 de Fevereiro de 2024 at 21:36
      • Responder

      Nem mais.
      Totalmente explicado.
      Fui uma das vítimas desta medida de MLR. Um nojo puro. Como refere, um verdadeiro roubo no salário, na reforma e no tempo de serviço.
      Como se não bastasse fui ultrapassado por gente com menos tempo do que eu.
      E os sindicatos nada disseram nem nada dizem deste roubo.
      Os partidos não querem saber.
      Uma vergonha!!

    • Eugenia Salvador on 28 de Fevereiro de 2024 at 21:39
    • Responder

    Isto é verdade?!
    E ninguém faz nada?!
    Como é possível?
    O que fizeram esses colegas? O que fizeram os sindicatos?!
    A ser verdade é realmente um roubo. E ninguém avança para tribunal? E não há nenhum dos partidos a propor resoilver esta questão?

      • João Paulo Rodrigues on 28 de Fevereiro de 2024 at 21:49
      • Responder

      Sim, é verdade.
      Aconteceu-me a mim e à minha esposa (somos ambos professores e entrámos ao mesmo tempo para a profissão, embora não nos conhecessemos à época).
      Confesso que, se fosse hoje, não viria para esta profissão. Apesar de gostar de dar aulas, todas as loucuras que vejo à minha volta, todos os roubos a que fui e sou sujeito, as ultrapassagens, a desvalorização, os maus.tratos por parte de alguns colegas e o esquecimento pelo antigo sindicato onde estava leva-me a crer que não vale a pena.
      Pessoalmente quando aparecer uma oportunidade saio. E a minha mulher também tem vontade do mesmo, embora seja difícil de fazer sobretudo para ela.
      Pelas minhas contas terei perdido cerca de 4500 euros líquidos nesses 3 anos, só em salários, e serei para sempre penalizado na minha reforma pelo valor que não pude descontar. Para além disso, como já deveria estar no escalão seguinte ao que estou (lembro que entre 2008 e 2011 não houve congelamento e estes 3 anos teriam contado para tempo de serviço para progressão), estou a perder mensalmente cerca de 150 euros e perderei sempre e ainda mais durante toda a vida contributiva.
      Esta é a realidade.

    • Gardner on 28 de Fevereiro de 2024 at 22:03
    • Responder

    Fantástico, como é habitual, a posição de Santana Castilho!
    Sem dúvida, isolada na frente, MLR (e o PS) deveria receber um prémio por ter conseguido destruir tantos docentes!

      • Berta Cabral on 28 de Fevereiro de 2024 at 22:29
      • Responder

      Ok.
      Concordo.
      E agora o que se faz?
      Mantém-se estes professores prejudicados?
      Alguém propõe alguma solução para isto? Não deveriam eles ser imediatamente reposicionados no escalão seguinte, para não continuarem a ser prejudicados?!
      É incrível como estas coisas se passam na educação.

        • Anónimo on 28 de Fevereiro de 2024 at 22:53
        • Responder

        Concordo!
        É preciso repor este tempo imediatamente.
        Isto é ainda mais roubo do qu o congelamento.

    • Gustavo Amaral on 28 de Fevereiro de 2024 at 22:27
    • Responder

    Foi por estas e por outras que vi muitos colegas a sairem da profissão.
    E é por isto que eu, e muitos outros estamos fartos das loucuras que são feitas na Educação.
    Quem dá tudo o que tem é sempre roubado. É essa a lição que tiro de quase 18 anos a lecionar no Ensino Público e a ser roubado.
    Também eu fui roubado com o não reposicionamento indiciário que aqui é relatado. E serei para sempre prejudicado.
    Será que algum partido fala nisto? Será que algum propõe resolver esta situação?
    Já deveria estar no 5.º escalão, sem contar com a porcaria dos congelamentos. Mas graças a isto ainda estou no 3.º.
    O roubo não pára!

    • Alberta Gonçalves on 28 de Fevereiro de 2024 at 22:42
    • Responder

    Eu também fui uma das prejudicadas por causa desta situação.
    Fiquei 3 anos a receber como provisório apesar de já ser efetivo.
    E também não me contaram estes anos para tempo de serviço, apesar de não haver congelamento.

    • PL on 28 de Fevereiro de 2024 at 22:51
    • Responder

    Seria bom que os sindicatos não ficassem caladinhos, como de costume, sobre esta situação.
    Como é possível isto ter sucedido e não terem dito nada?!
    Foi por causa destas geringonçadas que muitas pessoas, de entre as quais eu própria, deixei de ser sindicalizada.
    Pactuaram com esta situação, calando-se convenientemente porque tiveram o que quiseram para quem estava nos últimos escalões, como os seus dirigentes estavam e estão.
    Enquanto isso, os sindicalizados ficaram a arder.

    E os partidos, o que propõem quanto a isto?
    Nada. São coniventes como os sindicatos.

    Estes colegas vão ficar a arder para sempre. É isto a tal carreira que os políticos querem promover.

    • Vitor Alves on 28 de Fevereiro de 2024 at 22:56
    • Responder

    Santana Castilho acertou na mouche, como sempre.
    Ainda bem que alguém fala neste assunto.
    Se nem sequer recuperam o tempo legal a estes professores, estão à espera que recuperam alguma coisa do tempo do congelamento?

      • João Andrade on 28 de Fevereiro de 2024 at 23:39
      • Responder

      Fui roubado nestes 3 anos de tempo de serviço.
      Entrei como QZP em 2005 e consegui ficar QE em 2007. Deveria ter sido posicionado no índice 167 em 2007, quando saiu o então novo estatuto, mas o ministério disse que não poderia ser feito, apesar da lei do ECD assim o dizer, e fiquei no 151 que já nem existia na lei.
      Só passei para o índice 167 em 2011, mesmo em cima do congelamento.
      Roubaram-me 3 anos de serviço, e respetivo acréscimo salarial no índice 167, fiquei sem o tempod e serviço correspondente no 1.º escalão, porque até passar para o 167 era considerado provisório (epsar de já não o ser pela lei desde 2007), e não descontei o que deveria para a reforma.
      Deia estar no 4.º escalão, a passar para o 5.º. Ainda estou no 3.º.
      O que é que vai ser feito para que esta situação saja corrigida?!

    • Ex-Lenine on 29 de Fevereiro de 2024 at 0:16
    • Responder

    Continuem a votar na esquerda… São fixes, não são?

Responder a Vitor Alves Cancelar resposta

Your email address will not be published.

WP2Social Auto Publish Powered By : XYZScripts.com
Seguir

Recebe os novos artigos no teu email

Junta-te a outros seguidores: