A VIDINHA DE UM PROFESSOR RESIGNADO
Tudo corria, normalmente, no reino do professorado.
As carreiras estavam congeladas e, por conseguinte, não havia grandes constrangimentos na progressão da dita carreira, dado que, por razões do tal congelamento, ela simplesmente não existia.
Toda a classe se indignou com a proposta da ministra da educação, Maria de Lurdes Rodrigues, quando, em 2007, tentou criar o, então designado, professor titular. Basicamente, um professor evoluiria, normalmente, até ao oitavo escalão. Uma vez atingido o oitavo escalão, o professor para progredir, deveria reunir um conjunto de requisitos. Que não!, gemeu a classe. Deu-se a tal manifestação, em Lisboa, e até pareceu que existia união na classe.
O que se seguiu foi bem pior: em vez do funil, no oitavo escalão, foram criadas duas barreiras, a montante, no quarto e no sexto escalão. O que os sindicatos disseram, em relação a esta aberração, não sei. Mas sei que o tal obstáculo à progressão na carreira não foi banido, mas, antes, colocado a montante, nos quarto e sexto escalões.
Desde o descongelamento da carreira, os professores têm experimentado uma diversidade de estados de alma que, no limite, leva ao desespero dos próprios e de quem, com eles, vive o drama de não lhes ver reconhecido o mérito que o investimento de tempo, a dedicação e o altruísmo pela profissão recomendariam.
Naturalmente que a opacidade verificada no sistema de avaliação do desempenho dos docentes serve, magistralmente, o clientelismo, o protecionismo e corrompe quem tem a possibilidade de decidir. O mais grave, no entanto, é que divide a classe.
Não existem dúvidas de que há professores que mereceram, em abundância, as menções de mérito que lhes foram atribuídas. Contudo, também não existem dúvidas de que há professores que, quando comparados com outros professores a exercer no mesmo Agrupamento, foram beneficiados, na obtenção das tais menções de mérito, de uma forma injusta e, muitas vezes, absurda. Tal só é possível pela não publicação nominativa da lista das menções atribuídas.
Se um professor reclama e, posteriormente, recorre daquilo que julga ser uma tremenda injustiça, emerge, entre os pares, o pior que a sociedade, dita de pensamento livre e mentalmente autónoma, pode apresentar: o medo de serem conotados com quem teve a valentia de pugnar pelos seus direitos.
Aos injustiçados assiste o direito de, dentro dos limites que a Lei contempla, percorrer todos os caminhos que lhe permitam manifestar o seu descontentamento.
Aos seus pares exige-se que, no mínimo, respeitem o destemor de quem foi mais além do que eles próprios iriam.
Mas não. Os seus pares têm a sua vidinha. Aquela vidinha que recomenda que não agitem as águas. E porque razão não agitam as águas? Será que é porque foram alvo do tal favorecimento? Ou será porque a resignação toma conta do ânimo de quem não sente temeridade para tentar tomar posse do que é seu? Dizia Confúcio que “Saber o que é correto e não o fazer é falta de coragem”. Por força de uma herança que, desgraçadamente, teima em permanecer no caráter de uma grande franja dos portugueses, parece que o respeitinho prevalece, em detrimento do caráter, da exigência, da revolta de quem se julga com direito ao que não lhe é reconhecido.
Não é muito agradável, mas não há outra forma de concluir: existem professores que gostam de manter a sua vidinha. Gostam de não agitar as águas. Gostam de agradar ao chefe, mesmo que isso ponha em causa o conceito de Justiça. Preferem o anonimato de qualquer ovelha de um rebanho do que o hombridade de reconhecer, nos corajosos, a firmeza que nunca os caracterizou. Só falta que gostem de colocar, a montante da sua assinatura, “a Bem da Nação”.
Mesmo que, à época, Portugal vivesse em plena ditadura, os meus professores foram uma prova de caráter e de coragem e, na sua esmagdora maioria, não se inibiram de transmiti-la aos seus alunos.
Um bem-haja a esses.
Francisco José Pereira Gonçalves
Entroncamento