A gestão escolar e os verdadeiros desafios da escola portuguesa

O atual modelo de gestão escolar tem estado, novamente, na agenda política, devido à intenção do Governo de criar um estatuto do diretor. Nesse sentido ouve-se e lê-se cada vez mais uma polarização entre os defensores da gestão democrática e os apoiantes da profissionalização das lideranças escolares. Para contribuir para um debate mais informado, onde deixemos de parte as perceções e analisemos seriamente, sustentado em dados, farei uma análise ao estudo abrangente da Fundação Semapa – Pedro Queiroz Pereira, que ouviu mais de 4.000 professores, diretores e coordenadores, e que nos oferece uma perspetiva mais aprofundada sobre esta questão.
Os professores, quando questionados sobre a qualidade da gestão das suas escolas, foram perentórios, 94% classificaram-na como positiva ou muito positiva. Este resultado não é marginal nem ambíguo – é esmagador. Apenas 1%, sim leu bem, 1%, considera a gestão muito negativa e 5% avaliam-na como negativa. Ou seja, apenas 6% dos inquiridos dão nota negativa à gestão das escolas. Se isto não é ainda suficiente, informa-nos o estudo que esta perceção favorável é transversal aos diferentes tipos de escola e ciclos de ensino, com os professores mais experientes a manifestarem níveis ainda mais elevados de satisfação.
Na verdade, estes dados vêm contrastar fortemente com o discurso de alguns que pintam a gestão escolar como um fator fundamental de deterioração do clima educativo. A pergunta que se impõe é: se assim fosse, não seria expectável ter níveis de insatisfação substancialmente mais elevados entre quem vive diariamente essa realidade?
Se formos analisar aquilo que os professores identificam como sendo as suas preocupações mais prementes, a “alteração do atual modelo de gestão das escolas” surge apenas como a 5ª prioridade numa lista de vinte e cinco reivindicações. Quer isto dizer que é de facto algo que carece de melhoria, negar seria intelectualmente desonesto, mas à sua frente há questões como a recuperação integral do tempo de serviço, a eliminação das quotas de avaliação de desempenho e a redução da carga burocrática.
Analisando os dados podemos concluir que a maturidade profissional dos inquiridos é manifestada pelo facto de ter demonstrado que consegue distinguir claramente entre os desafios do seu dia-a-dia e a avaliação global que fazem da gestão das suas escolas. Reconhecem que existem problemas sistémicos mais urgentes que o modelo de gestão em vigência.
Também é possível verificar que para os professores inquiridos as prioridades reais dos professores, que carecem de uma intervenção urgente, são:
38% dos docentes apontam a saúde mental como prioridade máxima, revelando uma classe profissional em estado de exaustão coletiva. Este problema pode ser mitigado com apoio psicológico especializado, linhas de suporte 24 horas e programas estruturados de prevenção do burnout.
35% apontam os problemas disciplinares que transformaram muitas salas de aula em ambientes hostis onde ensinar se tornou impossível, para combater esta realidade seria necessário investir em mediadores comportamentais, espaços de intervenção pedagógica e protocolos eficazes de gestão de conflitos.
A terceira prioridade, mencionada por 24% dos docentes, centra-se na melhoria das condições de trabalho, nomeadamente através da eliminação radical da burocracia desnecessária que consome horas preciosas que deveriam ser dedicadas ao ensino. A solução poderia passar pela redução dos relatórios atualmente exigidos, pela racionalização das atividades extracurriculares e pela disponibilização de assistentes administrativos que libertem os professores para as suas funções pedagógicas essenciais.
Estes dados revelam que os verdadeiros fatores da “deterioração” do ambiente escolar são bem mais vulgares e operacionais do que os modelos de gestão como sugerem alguns debates ideológicos sustentados em perceções.
Ainda no próprio estudo a análise das práticas de gestão escolar, baseada em métricas internacionais reconhecidas, mostra que Portugal obtém uma pontuação de 0,60 numa escala de 0 a 1 – um resultado que, embora melhorável, demonstra a existência de práticas estruturadas e eficazes. É fundamental que se reconheça isso!
É possível verificar que as diferenças entre escolas públicas e privadas nas práticas de gestão são mínimas (0,60 vs. 0,61), sugerindo, assim, que o modelo de liderança atual permite qualidade de gestão independentemente do contexto institucional.
Não pretendo aqui defender que o atual modelo de gestão seja perfeito ou que não possa ser melhorado, como aliás tenho escrito por diversas vezes. Podemos melhorá-lo no sentido de o tornar mais democrático quer na sua eleição quer na sua ação, como aliás é possível verificar na leitura do estudo que identifica as áreas onde se pretende que haja maior margem para maior envolvimento dos professores, especialmente na gestão pedagógica e na definição de políticas educativas específicas das escolas.
Os dados sugerem que a questão central para o inquiridos não é se a gestão é suficientemente “democrática” segundo critérios ideológicos, mas sobretudo se é eficaz na criação de condições para o sucesso educativo. E aqui os resultados são inequívocos: a esmagadora maioria dos professores reconhece que a gestão das suas escolas funciona.
Por tudo isto, continuar a insistir na narrativa de que o modelo de gestão é o principal responsável pela deterioração do clima escolar e consequente quebra dos resultados, quando os dados apontam para outros fatores mais urgentes – burnout, indisciplina, sobrecarga administrativa – terá com certeza consequências contraproducentes. Para além disso, desvia recursos e atenção política dos problemas reais e imediatos para debates estruturais que, embora legítimos, não respondem às necessidades mais prementes dos professores.
O que nos deve preocupar ainda mais é o risco de que esta narrativa crie um clima de desconfiança e confronto desnecessário entre professores e diretores, como se ambos não fossem de facto professores ainda que funções diferentes, quando o que os dados mostram é que há, no essencial, um reconhecimento generalizado do trabalho das equipas de gestão.
O estudo aponta um caminho construtivo, um caminho que exige evolução em vez de revolução. Reduzir a burocracia, melhorar o apoio aos professores em situação de burnout, desenvolver estratégias eficazes de gestão da disciplina e criar melhores condições físicas e pedagógicas nas escolas.
Com isto não se pretende que se ignore as questões de participação democrática – significa hierarquizá-las adequadamente e não as transformar no bode expiatório de problemas que têm outras causas e exigem diferentes soluções.
O sistema educativo português enfrenta, de facto, desafios reais e sérios. Mas o modelo de gestão, longe de ser o principal vilão da história, parece estar a funcionar razoavelmente bem na perspetiva de quem o vive diariamente. É tempo de ouvir essa voz e dirigir os nossos esforços para onde são verdadeiramente necessários.

















