No nosso país é preciso morrer para serem reconhecidas todas as virtudes de alguém… Após a morte, abrem-se quase sempre “processos de beatificação”, ainda que em vida não se tivesse, efectivamente, valorizado nenhuma das qualidades daquele que acabou de falecer…
Ou seja, as pessoas só se tornam boas depois de morrerem,curiosamente quando já não precisam de qualquer reconhecimento ou empatia… E até o maior dos sacanas em vida terá forte probabilidade de lhe verem reconhecidas certas virtudes que, na realidade, não tinha…
Mas, depois de morto, ninguém precisará de “lágrimas de crocodilo”, nem de carpideiras ocasionais, sobretudo se em vida não tiver sido, como devia, respeitado e valorizado… Por onde terá andado o respeito pela dignidade em vida?
E a propósito da falta de empatia e de solidariedade que vão sendo referidas em alguns contextos escolares, entre os vivos que por lá pontuam, lembrei-me da história do livro “Os cavalos também se abatem” (Horace McCoy), vá lá saber-se porquê… Na verdade, parece-me que sei porquê, mas um pouco de sarcasmo nunca fez mal a ninguém…
A referida história poderá resumir-se, mais ou menos, assim:
“A narrativa gira em torno de Robert Syverten e Gloria Beatty, dois jovens desesperados que se inscrevem numa maratona de dança em Los Angeles, na esperança de ganhar um prémio monetário que poderia mudar as suas vidas ou, pelo menos, despertar a atenção de qualquer personalidade do mundo do cinema que lhe dê uma chance de entrar nesse mundo de sonho. O concurso, porém, revela-se uma metáfora viva do desespero coletivo: centenas de participantes, exaustos fisicamente e destruídos psicologicamente, dançam até ao esgotamento total, sob o olhar impiedoso de um público ávido de entretenimento e completamente alheado do sofrimento daquelas pessoas.” (in“Os Meus Nobel”)…
Metaforicamente, em contexto escolar, quantas vezes se observam também “centenas de participantes, exaustos fisicamente e destruídos psicologicamente, dançam até ao esgotamento total”?
Ao que tudo indica, a resposta à pergunta anterior não poderá deixar de ser esta: Muitas vezes…
Novamente recorrendo à metáfora, quanto a isto: “sob o olhar impiedoso de um público ávido de entretenimento e completamente alheado do sofrimento daquelas pessoas.”, talvez se possam colocar algumas dúvidas:
– O “público”, caracterizado da forma descrita, também existirá dentro do próprio contexto escolar ou apenas no exterior do mesmo?
– A perspectiva “voyeurista”, típica dos que frequentemente ficam a “olhar de fora”, dominados pela atitude “pode arder, desde que não seja comigo”, prevalece ou não em contexto escolar?
– O silêncio típico dos que se abstêm, subjugando-se à cobardia da inacção e do conformismo, manifestando, muitas vezes, uma gritante ausência de solidariedade e de empatia, prevalece ou não em contexto escolar?
As escolas transformaram-se em “máquinas trituradoras de pessoas”, onde ninguém se poderá considerar como insubstituível e onde muitas vezes se observa um certo alheamento face ao sofrimento do outro…
Quando alguém morre, ou adoece física e/ou mentalmente, o “período de luto” em relação a essa perda, quer seja permanente ou transitória, costuma ser curto; rapidamente outro tomará o seu lugar, seguindo-se sempre na perspectiva do “the show mustgo on”…
Infalíveis e imortais “Super-Mulheres” ou “Super-Homens” só existem na ficção…
A maioria dos profissionais de Educação encontra-se em “modo de sobrevivência”, sentindo-se irremediavelmente estafada, asfixiada e agoniada com tanta escola fictícia, postiça e travestida…
Não se adivinhando alterações significativas nesse estado de coisas, o que restará?
Continuar a aceitar exigências, e mais exigências, em cima de exigências?
Seremos todos “cavalos a abater”, putativos descartáveis, facilmente substituíveis?
Este tema não será propriamente o mais agradável, de resto, já o aflorei noutras ocasiões, mas no início de um novo Ano Lectivo, talvez não faça mal a ninguém reflectir um pouco sobre a desumanidade e o desrespeito pela dignidade em vida,que vão grassando um pouco por aí…
Até porque de nada adianta fazer de conta que o Mundo é fantástico, maravilhoso e cheio de esperança, sobretudo quando a realidade observada nega cabalmente essa ilusão…
E, sim, sabemos bem que negar as evidências provindas da realidade também é uma forma de apelar ao conformismo e à aceitação de muitas desumanas ignomínias…
Paula Dias



















