Se a escola e as tecnologias são historicamente indissociáveis, a pedagogia – como a arte que faz a quadratura do círculo de conjugar a inclusão com a exigência – introduziu a inovação tecnológica com a pergunta que se deve fazer a quem tem uma guitarra: não me digas a marca, diz-me antes o que fazes com ela.
Com efeito, a vigente revolução informacional iniciou-se, na década de 1970, com as novas tecnologias da informação e comunicação integradas na escola. Desenvolveu-se, na década seguinte, com os computadores pessoais e com o início da internet. Na década de 1990, e através da “World Wide Web”, a revolução globalizou-se e a inovação tecnológica tornou-se nuclear no crescimento económico.
Mas o caminho, quase sempre eufórico até ao desenvolvimento do inevitável e ubíquo “Reconhecimento de Padrões” – mais divulgado como Inteligência Artificial -, entrou numa fase em que o pêndulo humano balança entre o medo e a angústia.
No epicentro do drama estão as gigantes tecnológicas (GT) e os seus smartphones, tabletes e dispositivos inteligentes. Donas do mercado digital e da criação de algoritmos cada vez mais desenvolvidos, têm, há mais de uma década, inúmeros engenheiros a optimizar a viciação humana em redes abertas e em aplicações de relações sociais, jogos para smartphone e navegadores da internet (um conjunto que requer proibições ou limitações de acesso até aos 16 anos de idade). Como a natureza humana é o que é, a desinformação e o ódio minaram as democracias e expuseram as crianças e os adolescentes a uma selva adictiva que entrou pelas salas de aula.
E se é neste ambiente distópico que se tem que decidir sobre o digital na educação, é, e antes do mais, crucial perceber que, desde o início, as novas tecnologias estão na educação em duas redes de recursos: educativos e administrativos.
De facto, a primeira não se circunscreve ao universo escolar e é a rede lucrativa para as GT. A prazo, pode ultrapassar os drones, o comércio electrónico, o 5G ou a tele-medicina. Conhecem-se as componentes do negócio: um smartphone por cidadão, redes sociais – que estabelecem perfis de consumidores – e computadores pessoais e tabletes que alimentem o ensino personalizado, as escolas virtuais e a tentação da tele-escola 3.0 (depois da incipiente tele-escola 2.0 da covid-19). É um universo que exige regulação, orientação e controlo, com a consciência de que os conhecimentos informáticos dos alunos estão em regressão.
A rede de recursos administrativos é ainda mais decisiva. É uma antecâmara. Sem uma escola em ambiente digital decente, não haverá clima educativo responsável e inovador. Mas como este software é incomparavelmente menos lucrativo para as GT, o Ocidente caiu num caos na gestão de dados da educação.
Mas não é conhecedor responsabilizar apenas as GT. Há uma figura escolar que lamentavelmente destaca Portugalem todos os estudos sobre crescimento da burocracia, com efeitos iniludíveis na fuga a ser professor, na queda das aprendizagens e na indisciplina nas salas de aula: o neoludita escolar. Na etimologia, o neoludita – uma evolução do ludismo do século XIX – é o que se opõe ao uso de novas tecnologias, com argumentos de ordem social, ambiental e moral. Mas a nossa versão escolar é idiossincrática. É o atávico, o mangas de alpaca, o chefe que se cola ao lugar, o que avalia a pensar nos amigos, o que foge a leccionar, o fotocopiador, o avaliador externo exclusivamente analógico e o que não estuda nem inova; é, digamos assim, o avesso ao mais leve sinal de uma guitarra.
Agravou-se porque o neoludita escolar ganhou mais uma vida ao ouvir duas pérolas da fatal desconfiança nos professores: picar o ponto; e proibir o uso de smartphones. Explica-se assim: nas escolas, e ao contrário do Multibanco ou do Banco Online, a transição digital não significou eliminar procedimentos. Por exemplo, seria elementar que dos livros de ponto analógicos (para picar o ponto) só transitasse o lançamento das faltas dos alunos. Mas não. O neoludita escolar transitou todo o analógico e fez escola. Os informacionalmente inúteis sumários das aulas registam-se, com um limite temporal, em ambientes lentos, de interrupção de servidores ou de sinal de internet (e, invariavelmente, só se cumprem em casa ou com o uso desesperado do smartphone), e o Governo carimba o procedimento com um argumento tecnicamente surreal: só assim se apurará, finalmente e em 2026, quantos professores faltam.
Em suma, o clima é de desorientação. Não se queira “parar o vento com as mãos”, nem se fuja em frente enchendo as escolas com hardware. O que urge é saber o que fazer com as novas tecnologias e com o “Reconhecimento de Padrões”. Desde logo, descontinue-se o neoludismo escolar. Analise-se e programe-se sistemas de informação confiando nos professores e na liberdade de ensinar e aprender. Contrarie-se dois desastrosos legados: adicção tecnológica das crianças e dos adolescentes e fuga dos professores, até já dos mais novos como se conclui no recente TALIS 2024 (OCDE), provocada por duas ausências contributivas para os infernos burocrático e disciplinar: “ambientes escolares colaborativos e autonomia curricular e pedagógica dos professores”.