31 de Março de 2024 archive

DOS PIORES PROFESSORES QUE O PAÍS JÁ TEVE – Carlos Santos

Há pensamentos que não morrem, apenas hibernam…
Todo o pensamento doutrinal que defende os contratos de associação, o cheque-ensino e a entrega de parte do ensino ao setor privado, baseia-se na falácia da má qualidade da escola pública. E sempre que se publica e se dá eco às perversas listas de ordenação qualitativas das escolas, tem um único objetivo.

Pois, não me venham falar de rankigs das escolas, nas quais, sem surpresa, as privadas estão no topo. Isto, porque os estudos se baseiam numa falsa ideia de igualdade na amostra que, na realidade, não existe, pois, o universo de alunos do público e do privado não é o mesmo, visto este último não aceita qualquer um. E esse conceito falseado que desacredita a escola pública só passa, porque demasiados comentadores a propagandeiam até à exaustão.
O que sabem muitos desses críticos sobre a escola pública se estudaram sempre em colégios privados?

Se o ensino público não tem falta de oferta de instalações escolares (até tem em excesso) e tem o mesmo universo de professores disponíveis que o setor privado, qual o motivo desta vontade voraz de o entregar a particulares?
E, francamente, sabendo-se que o setor da Educação movimenta mais verbas que o setor automóvel, entende-se de onde vem essa vontade.
Estrutura-se toda uma política assente na retórica dos rankings fazendo crer que a escola privada é de excelência e a pública, medíocre, para convencer a opinião pública a aceitar a entrega de uma boa fatia do ensino público ao lucrativo negócio do setor particular. Um negócio que beneficia uma elite, pago com os impostos descontados por todos nós, revela-se ofensivo.

Este desconsiderar do magnífico trabalho que os professores fazem em escolas em zonas isoladas ou problemáticas, evitando que se destrua o futuro de muitas crianças que a o particular rejeita, é insultuoso.
A escola pública é a única que assegura que nenhuma criança seja marginalizada nem deixada para trás; que permite que todos possam ter igualdade no acesso à educação; que recebe todos, independentemente da sua origem, do seu estatuto social ou condição financeira; é aquela que, funcionando como elevador social, possibilita retirar muitas crianças da pobreza dando-lhes a oportunidade de realizarem o sonho de poderem ter uma vida digna; que permite que, também elas, possam ter direito de serem felizes.

Eu sei que existe quem não entenda o que isto significa.
Sei que, esses tais, acreditam que terá sempre de haver os desfavorecidos para trabalhar para os filhos de quem mais tem e que, – com base nessa devastadora ideologia neoliberal de uma economia selvagem –, ainda tenham de agradecer e prestar vassalagem a quem lhes dá emprego (independentemente dos patrões os explorarem ou, eventualmente, optarem por pagar os seus impostos em paraísos fiscais).
Bem sei que ainda há uma visão delirante que só aceita um mundo no qual o acesso a certos bens e serviços não deva estar alcançável para todos, mas seja um exclusivo para quem pode (pagar).
Sei, perfeitamente, que muitos nunca aceitaram o 25 de Abril e a democratização do acesso ao ensino que possibilita à plebe rivalizar com as elites económicas e sociais.
Sei muito bem dessa ideia repugnante, que já escutei da boca desses monstros – que, nestes ciclos de febre neoliberalista, saem detrás das pedras para dizer barbaridades –, de que tudo gira à volta da seleção natural, na qual os menos capazes devem ser excluídos; de que, aqueles que estão em dificuldades, não são vítimas, mas uns fracassados na vida por não terem conseguido sustentar-se a si nem aos seus.
Sei, porque esse discurso de há uma década, de gente que venera unicamente o dinheiro, está de regresso e vai-se escutando de modo mais ou menos dissimulado em toda a parte onde existe uma dessas criaturas com uma boca falante com direito a tempo de antena sem confronto com o contraditório.

Eu sei do que falo, porque estudei muitas vezes só com fotocópias, andei debaixo de chuva, sol e neve às boleias na beira da estrada sujeitando-me a caminhar quilómetros para chegar a uma escola pública e conheci o sabor da fome e da privação para hoje ter o direito de exercer a profissão que escolhi.
Eu sei que foi um caminho difícil, mas, mesmo assim, bem melhor do que uma realidade que marcou a vida dos meus pais e avós, a quem lhes foi negada a oportunidade de poderem estudar ou prosseguir os estudos além da «4ª classe» (uma realidade que muitos saudosistas e muitos inconscientes se esqueceram ou desconhecem).
Eu sei que, mesmo na atualidade, com os enormes avanços que houve, estando ainda longe de ser um sistema perfeito, este permitiu que muitos saíssem da pobreza, se tornassem elementos válidos para a sociedade e se sentissem próximos da tão desejada igualdade de oportunidades.
Sei do que falo, porque muitos dos meus alunos não chegam à escola de viatura com motorista, porque ainda passam por muitas dificuldades pelas quais eu também passei.
Sei da vital importância desta escola de acesso livre quando, mais tarde, revejo alguns dos meus alunos – os quais a sociedade dava como perdidos –, encontrando-os bem na vida e felizes.
Eu sei, porque a escola pública não rejeita alunos carenciados, com deficiências, com necessidades educativas especiais, dificuldades de aprendizagem, económicas, minorias, cadastrados, problemáticos, marginalizados, rejeitados ou violentados pela vida. Eu sei, porque, todos estes, que os colégios particulares deixam à porta, têm as portas abertas nas instituições de ensino estatal com docentes empenhados em salvá-los e em dar-lhes uma oportunidade.
Assim, para essas instituições de ensino que seletivamente escolhem os seus alunos, é fácil apresentar resultados escolares acima da maioria daquelas que trabalham com todos, sem discriminação.
Eu e muitos dos professores que estão nos estabelecimentos de ensino estatal, sabemos de tudo isto, porque estamos lá a dar o nosso melhor para oferecer uma oportunidade a todos aqueles que os colégios privados rejeitam para lhes permitir, deste modo, estarem no topo dos rankings das escolas de que tanto se vangloriam.
Eu sei, porque, “alguns dos piores [professores] das gerações do presente”* que estão nas escolas públicas portuguesas, dão mais do lhes é exigido, sacrificando-se diariamente para que as nossas crianças e jovens possam ter acesso a um direito básico inscrito na Carta universal dos direitos humanos e dos direitos das crianças.
Carlos Santos
*Homem Cristo, Alexandre. In: jornal Observador, 11-8-2014

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O que se espera do novo Ministro da Educação?

 

Com franqueza, do novo Ministro da Educação, Fernando Alexandre, espero:

– Uma acção governativa norteada pela honestidade intelectual, pela ética, pela transparência e por uma perspectiva humanista da Educação…

O novo Ministro da Educação é Doutorado em Economia, sendo também considerado por alguns como um “perigoso” neoliberal, alegadamente acérrimo defensor das políticas económicas “ultraliberais”…

Independentemente do grau académico, do currículo, da Área de proveniência ou das eventuais convicções em termos de economia política, não pode deixar de se esperar do novo Ministro da Educação:

– Uma acção governativa norteada pela honestidade intelectual, pela ética e pela transparência…

– Uma acção governativa norteada por uma perspectiva humanista da Educação em geral e em particular da Escola Pública…

Se a acção governativa e a competência deliberativa do Ministro da Educação forem guiadas pelos anteriores desígnios, dificilmente serão tomadas decisões e concebidas medidas injustas, ludibriosas e desleais ou se maltratarão os profissionais que trabalham diariamente na Escola Pública…

Se o anterior se concretizar, Fernando Alexandre conseguirá, com certeza, ganhar o respeito e o apoio dos que diariamente trabalham em contexto escolar, contribuindo para que a escola continue a ser um lugar de efectiva esperança…

Mas só poderá haver esperança se houver credibilidade, respeito e confiança…

Estará Fernando Alexandre à altura desse desafio?

Espero que sim, a bem da paz e da serenidade, tão necessárias na Escola Pública, sobretudo depois dos últimos oito anos, em que a mesma foi notoriamente maltratada, humilhada e descredibilizada…

Uma parte significativa dos profissionais de Educação estará neste momento embrenhada num misto de alívio relativamente à anterior Tutela e de apreensão face à incerteza do que se seguirá…

Essa inquietação advirá sobretudo do facto de Fernando Alexandre ser apontado por muitos como um “especialista e devoto dos números” e como um desconhecedor da Área que irá tutelar… À partida, e com franqueza, não parece que tal seja necessariamente mau…

Competirá a Fernando Alexandre demonstrar que um “especialista em números” não é forçosamente alguém desumano e insensível, com a intenção de gerir a Escola Pública como uma empresa, cujo principal objectivo seja a obtenção de lucro…

Competirá a Fernando Alexandre demonstrar que consegue ser um bom Ministro da Educação, isento de dogmatismo e de atitudes déspotas e sobranceiras, e contrariar, pela própria acção, as expectativas mais negativas a seu respeito…

Esperam-se, em resumo, medidas concretas que dignifiquem a Escola Pública e que valorizem os profissionais de Educação…

Uma Escola Pública, actualmente dominada pela perspectiva do entretenimento, presa num “reino de fantasia”, onde pululam algumas ideias delirantes, frequentemente confundidas com inovação educacional, e que a transformaram num misto de incoerência, desacerto, alucinação e pensamento mágico…

A Social-Democracia, aquela ideologia política que dá nome ao PSD, mas que, muitas vezes, parece esquecida pelos próprios líderes desse Partido, terá que decidir e clarificar urgentemente que caminho quer seguir…

Se o caminho for o da causa neoliberal, convirá, talvez, informar os cidadãos dessa decisão, sobretudo os que votaram no PSD, e admitir a hipótese, muito provável, desse Partido Político deixar de ser uma alternativa confiável de governação, a partir do momento em que a escolha for essa…

Luís Montenegro e Fernando Alexandre talvez não devam escamotear que quem votou no PSD confiou num Partido Político fundado na Social-Democracia e não no Liberalismo/Neoliberalismo…

Muito provavelmente, os profissionais de Educação estarão entre os que pior reagirão se se sentirem enganados por essa eventual mudança de identidade do PSD, feita à revelia e sem aviso prévio…

“Just saying”…

Paula Dias

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