O Luís Cansado considera que os docentes QZP não são obrigados a concorrer ao Concurso Interno, posição esta que iria contrariar o grande objetivo do novo Diploma de Concursos, ter professores em todas as escolas.
Esta interpretação pode ser a que mais favorece os professores, mas lembro que este diploma teve como único objetivo fazer uma distribuição de professores por todos o pais.
E agora imaginem que nenhum docente QZP concorreria no concurso interno. Acham que as 22 mil vagas seriam para quê? para vincular 22 mil professores?
E o PODE do artigo 22.º é contrariado com o DEVEM do n.º 6 do artigo 9.º
6 — Para efeitos de concurso interno os docentes de QZP devem concorrer a todos os AE/EnA do QZP de vinculação, considerando-se que quando a candidatura não esgote a totalidade dos AE/EnA, manifestam igual preferência por todos os restantes AE/EnA, fazendo -se a colocação por ordem crescente do código de AE/EnA.
O futuro é demasiado incerto para se antever o fim do modelo social-democrata de escola. Mas há sinais tão visíveis da impossibilidade da social-democracia até nas sociedades onde mais progrediu, que é previsível a não sobrevivência do que lhe está associado.
E antes do mais, os modelos de sociedade não estão inscritos no nosso ADN. Religiões, regimes políticos, ideologias e leis são crenças que prevalecem se aplicadas e continuadas por maiorias. Claro que não é fácil que uma democracia persistente deslize rapidamente para uma ditadura. Mas isso pode acontecer se as democracias não conseguirem décadas de políticas inclusivas.
Além disso, devem antecipar criticamente o que as fragiliza e revisitar os valores oníricos dos momentos históricos mais determinantes. E, em 2024, Portugal comemora dois: os 500 anos do nascimento de Luís Vaz de Camões, aparentemente em 1524, em Lisboa, e os 50 anos do início da vida democrática, acredita-se que de forma consolidada e não aparentemente, em 25 de Abril de 1974.
Ao cruzá-los, encontrei uma declaração de Jorge de Sena no 10 de Junho de 1977: “vocês estão a comemorar um país que não existe e eu venho aqui dizer-lhes que país temos, pelo menos em minha opinião”. É provável que a repetisse, se cá estivesse, já que democracia, humanismo, compaixão, fluxo migratório, comunidade e diáspora são categorias essenciais à analítica da actualidade.
Também seria interessante ouvir os dois dialogantes de uma lenda datada entre 1974 e 1976 – o social-democrata e primeiro-ministro sueco Olof Palme e Otelo Saraiva de Carvalho -. O português terá dito: – “Queremos acabar com os ricos”; ao que o sueco terá respondido: – “Curioso. Há 20 que anos que nós queremos acabar com os pobres e não conseguimos”. Se o Ocidente viveu de 1950 a 1970 o período menos desigual na História dos rendimentos por via da eliminação das grandes fortunas na segunda-guerra mundial, este suposto diálogo encerra a encruzilhada ocidental numa quadratura do círculo que faz da Educação um dos imperativos da social-democracia: instituir um ensino simultaneamente exigente e inclusivo.
A esse propósito, o tempo dirá do alcance da obra de Joseph Stiglitz, “O preço da desigualdade” (2013), sobre a causa primeira, com origem nos EUA, da fragilização das democracias liberais e da impossibilidade das políticas educativas da social-democracia europeia: “os mercados têm de ser mais uma vez domados e moderados”. Na verdade, nos EUA a desigualdade educacional é maior do que no Apartheid americano em 1950. E essa realidade, acrescentada da perda estrutural da atractividade da profissão de professor, alastrou-se a todo o Ocidente.
Por este caminho, só teremos o modelo “social-democrata” em escolas para ricos. Aí, haverá professores com carreiras decentes e devidamente formados. A dimensão das turmas será pedagógica, o currículo completo e as ciências e as letras estarão a par. A avaliação dos alunos será contínua e exigente. As regras disciplinares serão claras e “ancestrais”. O calendário de provas e exames será estável e tecnicamente sensato. Os conteúdos digitais serão internos, evitando-se os massificados e a desastrosa perda de tempo das crianças e jovens com a adição tecnológica. A natureza e a tecnologia não rivalizarão, como se aprendeu desde o lápis de carvão. Usar-se-á, pagando, o modelo mais avançado da Inteligência Artificial (IA) generativa, acautelando-se a incerteza sobre o final da história com a IA: “será sobre máquinas, mas também sobre humanos”
Nas escolas dos restantes, das massas, disfarçar-se-á a falta estrutural de professores, contrariando até a ONU. Reduzir-se-á os currículos. Os professores serão generalistas, como desenha a OCDE/2035. Abordarão superficialmente disciplinas fundamentais e tendencialmente abandonadas: História, Filosofia, Literatura, Geografia e Artes. A monodocência (do 1º ciclo por cá) será o modelo escolhido. É irresistível para as contas certas, mas acelera a infantilização da educação. Há diversas formas de o aplicar. No caso português, a monodocência reduz o número de professores do 2º ciclo de 20 mil para 2 mil e do 3º ciclo e secundário de 70 mil para 10 mil.
Como compensação, os assistentes digitais da Google e da Microsoft apoiarão o monodocente e o aluno-rei. Dominarão o currículo e avaliarão os intervenientes. Não se usará a IA generativa por desconhecimento na utilização. Os raros acessos serão a modelos gratuitos. A dimensão das turmas será desprezada. A obsessão com exames e provas (como se obter dados, e para se perceber melhor, fosse suficiente para combater as causas das alterações climáticas), ou o seu contrário, atormentarão a organização das escolas. Os dirigentes escolares, organizados em associações de classe, serão autocratas de carreira. Alargarão o emprego partidário e executarão o objectivo fundamental: manter abertas as portas das escolas, custe o que custar. A avaliação de monodocentes continuará doentia. Haverá prémios de desempenho inspirados na meritocracia para massas expostas ao modelo de todos contra todos e a experimentalismos comprovadamente desastrosos da família do cheque-ensino. Os processos disciplinares e as reprovações dos alunos serão em ambiente de burocratização infernal, e sem apoios efectivos para os que “não querem aprender”.
Acima de tudo, a Educação não escapa ao conflito global. Os três tipos de capitalismo – demagogo, populista e autoritário – combatem uma democracia liberal que se esgota a tentar parar uma extrema-direita catastrofista. Assiste-se a um ubíquo desabar das ideologias, das revoluções e da história.
Em suma, repita-se que os ideais de educação da civilização greco-romana fundadora da Europa são possíveis e coabitáveis com a técnica moderna. Não se receie uma educação centrada na ciência que nos ensina o que somos e o que nos rodeia. Pensamento crítico, colaboração, criatividade e comunicação devem sobrepor-se a amestração, consumo e violência. O futuro da educação exige narrativa, arte, ócio e contemplação. Nada disto é passado, e, sem isso, o modelo social-democrata de escola dificilmente sobreviverá.
O Luís está de baixa, ou esteve de baixa, tirou 3 dias depois de quase 17 anos de trabalho contínuo sem uma falta sequer.
Nem quando tirou os dentes do siso, um de cada vez, pois claro, e mesmo assim de imediato ao telefone depois da pequena cirurgia e as gengivas à vida ou não fosse preciso dar conta das faltas de um aluno e onde está o aluno e com quem a fazer o quê e o bem-estar do aluno no céu e o professor na terra.
O Luís não falta, ao invés continua a trabalhar e portanto de pouco importa se o Luís está de baixa ou não quando o importante é colmatar a ausência a partir da cama e o mundo continua a girar até o Luís voltar.
E enquanto gira, giram os e-mails e relatórios sem conta para os assistentes sociais, para a protecção de menores, para a polícia, hoje em dia está tudo na nuvem e os alunos também, não só no céu mas nas nuvens e por conseguinte e à distância de um clique os dedos do Luís tocam no céu e desarrumam as nuvens à procura da informação actualizada em tempo real, as horas de chegada dos alunos, se alguém saiu da escola sem autorização, as notificações enviadas no espaço de segundos para o assistente social, o telefonema para os pais, as minutas das reuniões e as respostas à velocidade da fibra óptica (perdoem o Luís, também tem wireless mas gosta do computador à antiga), as estatísticas de presenças ao longo do ano constantemente em falta de acordo com o município local mas não com o Luís e os pedidos são sempre para ontem e já, a rat race continua e o Luís está na cama mas com o capacete bem enfiado nesta corrida constante onde apesar de não haver ninguém para o teu lugar, há sempre alguém para o teu lugar.
E o Luís sabe de antemão não ter um lugar equivalente ao seu e à sua espera caso tenha de sair, no caso de perder o emprego.
Esta humildade é a certeza constante de ter os pés bem assentes na terra.
Não sem falhas, não sem erros e os erros são uma constante assim como é constante esta capacidade para tirar os burro da água e seguir em frente, sempre em frente e amanhã é mais um dia.
Em Portugal e apesar das recentes mexidas nos Quadros de Zona Pedagógica, ainda faltam 3000 professores. É propositado e a falta de professores, a falta de apoio ao ensino e à consequente mobilidade social têm sido uma premissa de governos sucessivos ao longo de 50 anos de democracia, governos esses cegos à ascensão dos extremos por si alimentados ou não grassasse a ignorância.
No caso do Luís, o desemprego inevitável nos primeiros 5 anos após a saída da faculdade deu-lhe três certezas: nunca mais ficaria desempregado, nunca mas seria ninguém aos olhos da família, amigos e vizinhos e nunca mais voltaria para Portugal.
E por isso o Luís trabalha a partir da cama, mesmo se doente, mesmo se mais para lá, há sempre mais um e-mail por responder e quando bastam os dedos o Luís consegue estar na escola e em casa a fazer tudo em todo o lado e ao mesmo tempo, inclusive o jantar e a amantíssima esposa já à porta mais os petizes e um pai, tal como um professor, nunca está doente.
Mais um artigo do DN com um assunto recorrente e agora cada vez mais abrangente. A solução tem de passar, obrigatoriamente, pela valorização da carreira docente sob pena de “assistirmos a uma deterioração exponencial da escola pública ao ponto de se tornar irreversível.”